top of page
  • Foto do escritorGRESG

Elisa na Ilha do Sol - Capítulo 10

Dias de Desencantos

Há dias que são tristes dentro da sua própria natureza. Parece que o mundo se repensa e as pessoas também. Muitas delas de forma inconsciente. Levantam pela manhã e o coração está opresso. Transcorre o dia e nada as anima. Cumprem seus papéis sem o brilho natural de filhos do altíssimo. São dias em que a felicidade vai dar uma volta, quem sabe, noutro mundo, fazendo um estágio para nos tornar melhores. Muito embora os pássaros cantem e as ondas do mar continuem com seus murmúrios compassados, a alma não se alegra. Nesses dias o bom mesmo é que o telefone não toque, o vizinho não nos chame, o noticiário fique mudo. É o dia da faxina, o dia das reflexões. E como é trabalhoso ter que refletir!

Quando tomou posse da sua ilha, foi avisada a sobre esses dias:

– Elisa, os dias foram feitos para os homens e não os homens para os dias.

Naquele momento de preparação a menina-moça não entendeu bem o sentido da frase e, consultando os ensinos do Mestre, ela encontrou:

– “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”.

Não sentiu vontade de sair de casa, muito embora a Ilha a aguardasse para descobertas e desenvolvimentos. Talvez, para relembrar velhas histórias do seu passado de infância, preferiu rever algumas coisas antigas que trouxe consigo na mochila, na mala, no inconsciente.

Coisas antigas! Como as guardamos e cultuamos! São lembranças... Saudades... Um antigo e sábio, conhecido seu, havia comentando que:

– “A saudade é o braço pegajoso da árvore das lembranças”.

E Elisa propôs-se a si mesma nunca sentir saudades. A lembrança sim, ninguém se livra delas e, de vez em quando, sobem para a consciência em busca de aconchego. Deve-se, contudo, evitar a reprodução de lágrimas e ilusões de que o tempo voltou e, de novo, se vive, o que ficou atrás. Essas coisas costumam entorpecer os sentidos e confundir a razão. A Ilha do Sol traz outras propostas para aquela menina-moça, em vias de crescimento, para tomar posse da sua fortuna.

Foi assim que pegou a foto de um menino que encontrou quando transitava por uma festa de bolos e brigadeiros. Talvez fosse num dos seus aniversários antigos. Ela não se lembrou. Nem todas as lembranças ficam tão próximas do espelho da consciência. O menino era de estilo agradável e olhos suaves. Os meninos precisam ser suaves e as meninas precisam ser ternas. Só assim o verdadeiro amor se estabelece. Talvez a suavidade fosse o encanto do menino que marcou Elisa. O arquétipo Animus necessita evoluir para a austeridade suave. Quando a pedra bruta é lapidada, vira brilhante, sem deixar de ser consistente e forte.

Um pouco depois as lembranças de Elisa trouxeram outra imagem daquele menino. Agora, no fim da festa. Estava todo sujo de chocolate e arrotava feito o rugir de um leão ainda faminto. A menina fez uma careta de desprezo e disse:

– Oh não!

Não era aquela imagem que deveria surgir. O choque do real costuma nos assustar. Por isso, quase todos preferem o cantar da ilusão que nos prende a ela e vivemos, assim, como se tudo e todos fossem luzes travessas, inconstantes e fugidias, quanto flores venenosas de um dia!

Elisa conversou seriamente com suas lembranças e pediu a elas que eliminassem aquelas imagens desnecessárias.

– Há como eliminar imagens que se estabelecem em nós, por nossas escolhas? Não sabia responder à sua própria pergunta.

Então resolveu que daquela data em diante somente buscaria bons momentos, gerando boas imagens. Imagens estranhas costumam atormentar na vigília ou no sono e isto não é bom. Os pesadelos que o digam!

Aquela lembrança sumiu. Se para sempre não se sabe. Tomara que sim muito embora as lembranças das festas de aniversários costumam potencializar a alma. Quando se ganha uma festa, ganha-se um carinho de quem a promoveu. O perigo é ganhar, embutido, um mea culpa por não ser assim tão amigo e protetor de quem aniversaria. Uma espécie de compensação fajuta e infeliz pelos seus interesses pessoais. Há os que impõem em detrimento ao propor, dialogar e conformar. Coisas de humanos! A criança quase sempre aceita, o adulto não e eis a guerra estabelecida tão somente pelo poder do mando. As guerras partem de mandatários frágeis e inseguros. Os gritos estridentes, também.

– Ah, a vida é muito complexa para os avistamentos puramente humanos! Pensou Elisa.

Ainda vasculhando seus guardados, encontrou agora a colherzinha com a qual se alimentava naqueles tempos das papinhas. E se viu toda lambuzada como o menino da sua festa de aniversário. Ela riu de si mesma e pensou:

– Ainda há pouco estava escarnecendo de uma pessoa, enquanto fiz a mesma coisa! Humanos costumam ser assim. Guardam-se de suas desventuras enquanto debocham das desventuras alheias. É preciso considerar que na época da infância todos cometem peraltices e por elas se expõem. O que não deve acontecer quando se vai para outro estágio.

Encontrou também uma velha roupa de dormir. Não cabia mais nela e por que a guardava assim? Qual a razão disso? Talvez a frequência daquele pano compensasse seus medos e esperas. As crianças temem, enquanto esperam. Nessa fragilidade e insegurança costumam ver fantasmas e monstros que as atacam nas horas noturnas quando todos dormem e só ela está acordada. Depois ficam lembrando e costumam jurar que os mesmos fantasmas e monstros irão surgir, na próxima esquina ou curva da sua estrada. As frequências da infância costumam nos prender a elas, indefinidamente, enquanto necessitamos crescer. Aquela roupa tinha um cheiro regado a talco e restos alimentares ali grudados. Elisa teve asco.

– Eca! Quais motivos tenho para conservar isso? Perguntou-se.

E chegou a vez do ursinho de pelúcia. Quase todos tem um desses brinquedos transacionais como a moderna psicologia infantil os define. A eles, crianças indefesas costumam se apegar como se fossem seus heróis secretos a protege-las e libertá-las dos seus momentos de angustias, onde adultos não penetram. Cada criança com sua mania, fruto das suas estruturas pessoais trazidas do ontem e enriquecidas do presente. Apegam-se, assim, a essas pequenas ilhas esquecendo-se da Ilha do Sol. Genife, era o nome do brinquedo de Elisa. Nome estranho, certamente uma junção de lembranças de outros brinquedos. Crianças adoram brinquedos para brincar!

Aquele dia foi de deixar para trás tudo que poderia impedir Elisa de conhecer e tomar posse da sua herança, a Ilha do Sol!

– Às vezes é muito difícil mudar de ilha. Pensou Elisa.

– Mas, é preciso mudar para que ne liberte. Disse Genife com olhos de esperas. Também ele precisava transmutar para ir. Tudo é dinâmico movimento, onde nada se cria e tudo se transforma, como disse o paladino das pesquisas.

Ilhas pequenas aconchegam gentes pequenas. Elas são do tamanho da espiral de cada um e, se não expandem, produzem os mesmos sons, continuamente, porque não se criam espaços para novos horizontes. Por isso é preciso mudar de Ilha, de cenários, de possibilidades. O problema é que em ilhas pequenas, os mais espertos podem subjugar e subestimar os mais simples que ainda são daquela ilha. Isso é um grande problema. As espertezas estão na razão direta das prisões de quem as vive. As estratégias de vencer estão, igualmente, na razão direta de quem as busca.

Quando se chega à Ilha do Sol, somente uma coisa é válida: Crescer e aprender. Deixar o velho e construir o novo. Por isso muitos escolhem pequenas ilhas mesmo vivendo apertados nelas, atolados no ontem. As lembranças necessitam ser revistas e reagrupadas, também realocadas. Saudades devem ser eliminadas. Igualmente é necessário rever a contínua esperança, pois que próximo a ela estará sempre o temor. O ser que teme não é o mesmo que avança ou o faz com extremada dificuldade, arrastando-se.

Naquele dia de desencantos, Elisa revia suas velhas coisas. Jogou fora muitas delas.

– Preciso prosseguir. Pensou. Estava transformando o seu dia de desencanto no encanto de próximas possibilidades pelo soltar-se das coisas vencidas.

Nos céus organizaram uma festa e, naquela noite, Elisa seria lá recebida, enquanto o corpo físico repousasse. E lá receberia a coroa da debutante. Os céus oferecem coroas a quem expele o antigo, prodigalizando em si a chegada o diferente que o conduza em definitivo para as glórias de ser. De ser do céu. Por isso os céus festejam.

21 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page