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Elisa na Ilha do Sol - Capítulo 11

Arrependendo-se

O arrependimento é portal das arrumações. Aquele que arrepende de um momento infeliz demonstra maturidade. Não é fraqueza arrepender-se. É ato heroico. Quase todos possuem um representante muito orgulhoso que não aceita os próprios erros. E o faz por ser fraco e medroso. O que arrepende, contudo, é forte, seguro e altruísta desejando avançar. Um velho senhor, profundo conhecedor da alma humana, deu aulas importantes para Elisa, antes que ela chegasse à sua Ilha. Ali não se penetra com aquele ser imaturo que insiste por permanecer. Vamos para a Ilha para transformá-lo, senão a Ilha não terá sentido. Estamos falando do ego anterior.

Sim, ela havia cometido um grande erro. Chamou a si o que não a pertencia causando danos imensos a toda uma comunidade quando foi sua administradora. Administrar é um ato de doação e não de recepção. O que administra com o furor da recompensa quase sempre se perde no turbilhão das insânias. Isso é bom para os administrados que saldam suas dívidas e péssimo para o administrador que as avoluma, tornando-se o motivo do escândalo, conforme preconizou o Mestre. O escandalizador tem vida curta e enfermidades prolongadas e dolorosas. É preciso saber disto. E, não só saber, modificar-se também.

Elisa detinha nas mãos o cetro do poder. Sua voz, a sentença. Sua vontade, a decisão. Sua chegada, as reverências. Seus súditos, seus servos. O que bem administra não possui servos e sim amigos. O servo não sabe o que faz o seu senhor. O amigo sim. Palavras do Grande Mestre de todos. Naquela época, presa a seus intérminos interesses pessoais, esqueceu-se de que governar é amar. Política é prestar serviços para o bem. Politicagem é transtornar almas, transtornando-se.

Saindo sempre cedo de casa, não se curvava para ninguém e exigia mais e mais recursos para suas exóticas necessidades. Necessidades que somente ela via. Assim, de mandato a mandato, sempre comprando seus eleitores, envelheceu como suas coisas. Sua casa era cheia de empecilhos, pois, o que adquirimos e não utilizamos tornam-se escolhos dos quais dificilmente nos libertamos. Já no leito de morte o Cardeal convidou-a ao arrependimento. O Pastor, o Rabino e até a mais afamada curandeira da região também tentaram. Mas, o arrependimento não veio.

Um século depois, arruinada em sua honra e presa por verdugos cruéis, buscou o arrependimento, não sem antes muito sofrer. Era preciso reconstruir. Era preciso familiarizar-se e resolver-se com a vida. Foi custoso o arrependimento porque não partiu de um coração livre e sim de um coração opresso de tantas amarguras. Só que agora as amarguras eram contra si mesma, que não soube ser grande quando deveria ser. E foi criança, muito criança, achando-se deusa. Levada a um Posto de Socorro, teve que ser dopada até poder encarar-se frente a frente. Aquele que muito erra perde o contato com o si mesmo – eixo psicológico do indivíduo - deixando sua sombra governar. Deixando que o falso rei determine, ditando as ordens. Sempre os comandos aviltantes são atravessados, longe do certo, do caminho do meio.

Elisa revia tudo aquilo. Chamada de novo ao Portal das Estruturas teve que observar a faixa daquele aparelho que continha essa triste história. Foi preciso retirar aquele gomo e olhar detidamente para ele, aumentado pelas lentes. Assim é para os que chegam à Ilha. Precisam resolver suas coisas. A plena posse da Ilha só é possível após estes procedimentos. Geralmente o Portal das Estruturas é o mais temido. Ele é severo arquivo, severo cobrador, severo instituidor de verdades. A verdade costuma ser como a aurora boreal. Bela de se olhar, difícil de entender.

Foram horas e horas revendo gabinetes, cadeiras, transportes de luxo, canetas perigosas em suas perigosas sentenças. Mandos, desmandos, acordos, rixas e... Muito metal vil que entorpece o ocupa lugar. Elisa viu um gomo cheio deles em estranha podridão. Precisava remove-los dali.

O arrependimento foi maior ainda e agora em prol da liberdade almejada. É triste olhar o nosso arquivo e deparar-se com minúcias que guardamos silenciosamente e sorrateiramente, escondendo-os bem no fundo para que ninguém saiba ou veja. O primeiro arrependimento pode ser raivoso, os demais, contudo, são vergonhosos. Sim, quando chegamos na Ilha nada é mais vergonho que rever atos que ultrapassem as possibilidades da infância. Na infância nem tudo é possível. Facas, por exemplo. Elisa quase se desesperou, mas, a Divina Dama surgiu-lhe

– Bom que chegou à sua Ilha. Significa que fez jus a ela.

– Mas, e isso?

– Lembranças

– Não... Atos!

– Depois deles outros vieram. Você apenas relembra para resolver-se.

– Ah, como me arrependo.

– Na verdade, a fase do arrependimento já passou. Você já o fez. Agora...

– ?

– Precisa tirar a casca endurecida. Mas, precisa fazer com muito cuidado, milímetro a milímetro, sem machucar ou ferir, ferindo-se.

– Como fazer?

– Suavemente e com a pinça da certeza que busca o auto perdão.

Elisa percebeu que no gomo daquele tempo metros de cascas endurecidas se faziam presente.

– Levará tempo. Pensou.

– Você terá o eterno presente. Considerou sua interlocutora interna.

Dali em diante Elisa dedicou-se a retirar a pia dura daquele gomo e não foi nada fácil e, a cada retirada milimétrica revia sua causa e se envergonhava daquelas atitudes infelizes. Demorou muito e Elisa se entreteve neste assunto por um tempo que não se conta nos ciclos da Terra. Milênios terráqueos, talvez. O que importa? O presente é mesmo eterno!

Aconteceu então que depois de muitos esforços o gomo estava límpido. Mas, Elisa percebeu que estava arranhado e perfurado pela pinça, mesmo com todo o cuidado que teve. E pensou:

– Agora é preciso reparar os danos. Falou-lhe a amiga interna.

– Como?

– Fazendo ao gomo todo o bem que você não fez naquele tempo das más governanças. Todo o dano causado retornou para você. Já corrigiu os que causou nos outros, agora corrija os que causou em você.

– Como?

– Duas ações...

– ?

– Conheça a si mesma.

– ?

– Ame-se profundamente. Amando-se estará amando o seu Criador.

Elisa se arrependeu, extraiu a casca dura e agora teria que reparar os danos cometidos a si. Ela teve que refletir antes de continuar. E percebeu que ninguém se eleva antes de se tornar uma joia rara que, de tão rara, é única. Foi muito importante para ela ter estado no Portal das Estruturas, e, quando ia saindo um ruído muito forte se fez no seu interior. Voltando seu olhar e atenção, a menina-moça viu centenas de centenas de outros gomos escuros, cascudos, rangendo seus ferros como a pedi-la a mesma atenção. Elisa percebeu que mesmo estando na sua Ilha, o trabalho só começava.

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