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Elisa na Ilha do Sol - Capítulo 14

Em Trânsito

Havia ali um local próprio aos grandes movimentos de transformações. Não se pode defini-lo pela linguagem humana. Seria conspurcar a ideologia. Há coisas que só o habitante da Ilha pode conhecer. Há a antítese do mistério. Mistérios não podem durar por muito tempo na mente do transeunte da evolução. Cada mistério aninhado é um corvo ameaçando voar ou ficar. Os corvos são aves misteriosas e quando chegam ou vão deixam no ar incertezas sobre se amá-las ou detestá-las. Elisa não mais podia viver de incertezas.

Quando adentrou o local indescritível, assentou-se num tapete flutuante, estacionado, aguardando-a. Em poucos minutos se viu muito antiga, buscando gravetos para o cozimento daquela tarde. As tardes prenunciam o fim e o recomeço. Buscar gravetos são coisas de pequenas mentes em busca do alimento físico. Elisa se viu assim, uma buscadora de coisas pequenas e o fazia com cuidado. Naquela região havia animais peçonhentos e que podiam picá-la. Era ainda uma criança casadoira de doze anos. Seu amado estava prestes a chegar e ela precisava mostra-lo que sabia cozinhar. Aliás, não havia muita escolha para ela. Após o domínio paterno estava prestes a chegar o domínio do marido e, a ambos, teria que atender com presteza e cuidados. Elisa não se importava com aquilo. Enquanto obedecia, harmonizava-se. Enquanto na hierarquia, buscava a disciplina. Ela foi muito parceira de si, no computo dos crescimentos. Um chá de urtiga pode curar enfermidades graves. Precisa, contudo, saber usá-la.

– Divina Dama pede passagem. Alguém balbuciou isso aos seus ouvidos.

– Em qual ponto? Perguntou

– No nicho das angústias.

Na Ilha ainda havia o nicho das angústias. Elisa precisava removê-lo. Angústias são como areias movediças que engolem e asfixiam até a morte.

– Preciso ir lá?

– Não. Pode remover daqui.

– E o que tenho que fazer?

– Imagine o nicho. Ele chegará a você.

Sem saber ainda como, Elisa pensou naquele nicho pegajoso e escuro. Saindo dela, o nicho virou uma Efígie de proporções e formas estranhas, amedrontadoras e desafiadoras. Tinha voz e cheiro. Voz rouca, cheiro de enxofre. Já não era mais o nicho e sim alguém com potência para falar e exigir.

– Você me criou, agora me sustente. Meu alimento é a sua persistência na angústia.

A pós adolescente sentiu-se ameaçada, mas viu que cada parte daquela coisa estranha tinha sua participação nalgum tempo, outrora.

– Desejando continuar é necessário vencê-lo. Diz-lhe novamente a voz amiga benevolente.

– Como fazer?

– Precisa ir ao núcleo.

Elisa fechou os olhos imaginando o coração daquela forma. Um som ensurdecedor, uma volúpia de energias, um rio de lágrimas, um vale de lamentações... Tudo aquilo se fez presente. Os lamentos eram tão infantis que Elisa não se reconheceu neles.

– Minha amiga não entende minha vontade de ser o que quero ser. Ninguém tem nada com isso, minha vida é minha vida...

– Santo Deus! Eu disse isso um dia e isso me fez triste porque minha amiga não concordou com o erro que eu ia cometer! Pensou Elisa.

Adentrando mais o coração daquela Efígie Elisa se viu sozinha, abandonada por um ser que a espancava continuamente e ela desejava ainda mais sua potência selvagem. Ah, esses Espíritos que não conseguem sair da selvageria do começo como humano. E se prende a ele, vorazmente, untando-se do seu piche e do seu cheiro de suor, areia e lama e do falso aroma do capim gordura.

Depois sua tristeza foi porque tudo sumia das suas mãos. Nada ficava: ouro, joias, riquezas, poder, poder sensual... Isso a fez muito triste e criadora daquela Efígie que cada vez mais crescia em si. Elisa ora.se desfigurava naquele tempo e tentava readquirir-se agora!

Não foi nada fácil observar um tubo enérgico ali existente e que continha o seu desejo incontido por alguém mais desesperado ainda. E ela ficou triste! E o que são os despenhadeiros? Amarras consistentes que arrastam e felicitam por um tempo aquele que é arrastado para depois situá-lo no campo das morbidades. Elisa ficou triste porque um protetor não permitiu isso. Assim como crianças que se entristecem quando os pais tiram de suas mãos aquilo que pode feri-la e sangrar.

Noutro canto da Efígie havia um altar erguido a um deus carniceiro e sensual. Muitos erguem esses altares em seus nichos das ilusões. Era horrenda a figura. Elisa sentiu arrepios quando o viu. Ao penetrar naquele local sentiu-se tão atraída que quase caiu de joelhos ante o altar. Só não o fez porque estava na Ilha do Sol. Havia ali um canto rasteiro de chamada com um refrão propondo noites de loucuras sob um espelho ovalado refletindo peles e movimentos de serpentes. Foi muito forte e Elisa se sentiu Perseu vencendo a Medusa, górgona da sensualidade, furando-lhe os olhos sob o reflexo do escudo que a deusa Atenas o ofertou e invisível aos olhos daquele passado obscuro.

– Comece a destruir o núcleo!

Agora a missão da menina moça era encontrar o núcleo. Núcleos são as formações mais densas e ela já estava assustada apenas pelos reflexos do núcleo.

– Como chegar até ele? Perguntava-se.

A Efígie deu um salto espetacular e um urro e naquele momento deixou mostrar o núcleo. Era de ferro como o núcleo do mundo e soltava raios como o núcleo do mundo e energizava como o núcleo do mundo.

– O núcleo da Efígie está em mim! Descobriu isso.

Cada Efígie tem como núcleo a mente que a sustenta. Efígies são invasoras simbióticas que só sobrevivem pela força do Espírito por serem suas criaturas. Enquanto não quisesse destruí-la o núcleo permaneceria. Elisa começou entender a gravidade dos atos. E, como não tinha mais volta, era preciso destruir aquela bomba atômica que trazia em si, de forma cuidadosa como os técnicos fazem para destruir as bombas.

Para ser da Ilha do Sol, todos precisam conhecer e saber de tudo. E, a cada dia, a menina moça sentia isso e percebeu ainda mais: seu tempo de agora era o tempo das arrumações e só depois viria o tempo das apropriações. Exatamente o contrário do que fazem as criaturas distanciadas da Ilha do Sol que primeiro querem apropriar para depois, inconsequentemente arrumar.

– Destrua-me ou te destruo. Ruminou a Efigie.

Era preciso tempo. A angústia se estabelece nos momentos de invigilância. Depois de estabelecida, cria culpados isentando o ser que a criou, tornando-o vítima. Uma vez vitima abraça o calhau da salvação e grita feito desesperado no mar em que afunda. Torna-se inseguro, frágil e presa fácil dos predadores. A angústia também cega e ensurdece e se vive como um ser que caminha na areia movediça e quanto mais tenta sair mais se afunda.

A menina moça tinha um grande trabalho pela frente. Ficou sabendo que depois que destruísse o núcleo daquela Efígie outras tantas surgiriam. Lembrou-se de algo que leu no interstício dos seus avanços:

“Você não existe. Você é uma Ilusão”

Agora sim, ela começava a entender essas coisas do ser e do existir. Há os que existem e outros que sabem que são.

– Houve um tempo bem grande no qual eu não me cuidei e construí companhias indesejáveis e impeditivas do reto caminho. Elisa refletia sobre isso.

A Efígie da angústia falava forte ainda. Urrava feito fera tentando continuar. Naquele momento começou o processo de desconstrução daquilo que as irreverências antigas construíram. Seria um tempo longo dentro do eterno presente da Ilha. Milênios, talvez, no tempo pobre que se conta pelos ciclos da terra. Elisa não podia desanimar. É preciso cuidado, muito cuidado ao se decidir.

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