Volteios
Quanto mais se penetra na Ilha, mais descobertas vão surgindo. Elisa estava encantada com os volteios dos pássaros que voavam ligeiros e felizes em seu derredor. E se via como eles numa tentativa de também girar em torno de algo ou alguém, experimentando a liberdade ímpar dos pássaros.
- Elisa, você já é humana. Não pode voltar a ser um pássaro!
- Mas, eles são livres!
- Seja livre você também!
Este diálogo foi longo. Durou uma eternidade isto porque muitas vezes habitamos um desejo e ficamos indefinidamente nele, muito embora sua impossibilidade de acontecer. Assemelha-se a crianças que mesmo crescidas não abandonam seus ursinhos da primeira infância. Assim é a mente, nossa escrava ou nossa escravizadora. Bom pensar nisso. Num dia anterior, Elisa queria ser pássaro para fugir das suas responsabilidades e permaneceu assim, por muito tempo, alinhando a possibilidade de ser um.
- Seu tempo de pássaro cativo passou Elisa.
- Pássaro cativo? Mas, eles voam livremente!
- Voos pequenos que não passam deste mundo porque obedecem rigorosamente às regras deste mundo.
- Também obedeço às regras deste mundo! Elisa respondeu.
- Enquanto o pássaro desloca para o mamífero, você desloca para a angelitude. Há nisso grande diferença.
- E por que sinto necessidade de ser um pássaro?
- Lembranças do passado e perspectivas para o futuro.
- ???
- Seu passado de ave, seu futuro de anjo. Lembranças e perspectivas animam a alma em sua jornada. Cada conquista uma lembrança. Cada conquista um novo portal. Portal do bem ou do mal. Enquanto a alma transita neste mundo corre este risco e ao mesmo tempo capacita-se para vencer-se. Eis a real batalha, a “Jornada do Herói” da qual falam antigas lendas da Mitologia.
- Eu Hércules?
- Você Elisa! Herói de si mesma.
A menina moça deixou os pássaros e foi caminhar para um campo aberto e iluminado. Começou a observar que faixas de luzes cortavam velozmente os céus. Muitas vezes eram suaves, outras tantas, tenazes. Voejavam sem se tocarem numa estrutura de harmonia que encanta e convida a entender.
- Aguça seus ouvidos Elisa
E foi aí que ela começou a ouvir sons e eram sons suaves ou tenazes assim como os volteios.
- Abra seu coração.
Elisa fechou os olhos e deixou-se levar pelo momento. As luzes cantavam:
- Queremos ser sua luz!
A menina moça não entendia e as luzes continuavam:
- Queremos estar em você, por você!
- Queremos harmonizar sua vida, dando-lhe guarida.
- Só assim será plena de você!
- O que é a luz? Perguntou Elisa
- O Divino cantar do Pai Criador. Elisa ouviu e ficou pensativa. Depois perguntou:
- Se fechar meu coração ouço o Cantar Divino?
- Somente se ele insistir em ter você, agora.
- Por que é assim?
- O ciclo termina e a suave melodia do Criador convida a criatura a prosseguir.
- Como?
- Estar enfermo é a resposta atrasada da Criatura ao Cantar do Criador!
- O Criador canta para todos?
- Sim, para o certo e para o errado. O cantar é o mesmo, a recepção pode ser livre ou entravada pelo instrumento da criatura.
As luzes continuavam a voltear e falar para Elisa que a queria. Era o Criador que a chamava. O chamamento do Criador é forte e contundente. Quem está livre voa com precisão. Quem está preso bate as asas e se prende querendo soltar-se. Ninguém resiste ao cântico do Criador.
Elisa via aqueles filetes de luz.
- Há locais em que cada filete é do tamanho do mundo!
- E há espaço para tanto?
- E o que é o espaço Elisa?
- Não sei.
- O espaço desaparece no infinito. O espaço atende a normas e regras próprias para iniciantes. Vencidas as etapas primeiras tudo é liberdade! Nem tempo, nem espaço. Apenas Criador - Criatura num voo pleno de harmonia.
- O Criador é para cada um em especial?
- Cada um é especial para o Criador! Ele se compraz na Criatura e a Criatura se estende no Criador e ambos são um, cada qual sendo o que é: Criatura e Criador!
Lá num canto havia um velho sábio. Estava esbelto que nem parecia ser velho, vivido e experiente. Olhou para a menina e sorrindo disse:
- Veja Elisa como foi sábia sua decisão de ser simples menina? Agora começa a entender a real história de uma alma!
Outros velhos sábios e sábias velhas entoaram uma canção de louvor àquela menina moça que apenas iniciava sua jornada ao real. Pareciam raios presos a ela e soltos dela formando estruturas potentes que a potencializavam. Iam e votavam a ela e ela, estática e feliz não conseguia pensar, apenas sentir e descobrir-se e descobriu-se ave formosa e voou plena nos céus da sua Ilha.
Lá atrás estavam as aves presas aos seus utensílios e costumes. Aves de asas quebradas, bicos estrangulados, penas ensanguentadas ou enlodaçadas. Elisa sentiu um misto de pavor e compaixão.
- E a pensar que um dia também fui ave assim!
Mas, ela se livrou daquelas penúrias, daqueles lixos, daquelas estruturas moleculares que só existem para servir e não para serem donas dos seus servidores.
É preciso ensaiar os volteios que nos mostrem as dimensões infinitas da nossa Ilha. Somente assim deixaremos de ser simples peregrinos da luz, para sermos luzes iluminando nossa Ilha como um Sol.
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