Eu sou o outro?
Elisa sentia que seu tempo na Ilha estava findo. Algo iria acontecer. Ao mesmo tempo previa que uma grande lição deveria chegar, talvez a derradeira naquele lugar. Assim, caminhava constantemente pela Ilha em busca da determinada lição que não vinha. Aliás, lições são assim: nos pegam de surpresas e desprevenidos e temos que entender seu conteúdo se não desejarmos passar em branco perante ela. Isso é muito desagradável, principalmente na Ilha do Sol.
Já faziam bem umas 800 luas que a tal lição não vinha. Elisa não sabia bem se ela viria durante o dia ou à noite. Por isso fez um exercício mental para eliminar o sono. Isso lhe foi de grande valia quando foi para o continente. Bem, este é assunto para outro dia. Agora a menina Elisa já não precisava mais dormir e, de tocaia, aguardava a grande lição que não vinha. Assim viveu seu tempo agora só no dia.
Num deles saiu para passear. Estava cuidadosa de si, buscava o melhor para si de acordo com o Código Divino do Mestre da Humanidade. Viu-se numa escola muito importante e extremamente organizada. Sentiu-se orgulhosa de si e via os colegas da classe como pessoas de alta magnitude mesmo fazendo parte do corpo discente daquele educandário.
Elisa assentou-se confortavelmente numa daquelas cadeiras e viu que todos os alunos estavam concentrados nos seus deveres e cada qual manipulava o lápis com agilidade e sorriso nos lábios. Também eles estavam felizes de estarem ali e tão compenetrados que nem perceberam Elisa que tinha uma Ilha do Sol, inteirinha sua.
Aquela classe recebeu a informação de que uma prova seria aplicada aos alunos. A menina moça estava tranquila. Era uma prova de linguagem e ela se dava muito bem com tal matéria. Aguardou a distribuição das provas e foi neste instante que ela se viu no pátio. Caminhava com desenvoltura pensando na prova que nem viu quando surgiu alguém ao seu lado, talvez uma aluna da mesma classe, e começou a conversar com ela numa linguagem estranha, mas que ela entendia.
A outra desejava ajuda-la, segundo seus modos. Então levou Elisa a um outro departamento da escola onde estavam várias professoras, cada qual diferente em estilo da outra. Sua colega tentou persuadir aquele corpo docente de conseguir um melhor papel de prova para Elisa. E pegou uma folha de papel almaço, isso nem mais existe, e pediu à professora tal que deixasse Elisa fazer a prova naquele papel que já era seu conhecido. O outro papel continha símbolos que podiam confundi-la.
Elisa ia meio curiosa, meio passiva, meio preocupada e caminhava ao lado da outra que tomava todas as deliberações a seu respeito. Houve uma interrupção na contagem daquele tempo e Elisa viu o papel real da prova e o papel de almaço que ela quase dele não se lembrava. Havia uma bruma entre ela e aquela imagem antiga.
A outra, de repente, ficou totalmente nua ao seu lado e caminhava desenvolta por entre todos. Elisa quis olhar seu corpo nu e ao mesmo tempo conteve-se. Era agora aluna de uma grande escola e deveria saber seus costumes pouco a pouco. Se ali andassem nus, deveria ter um motivo justo e digno, contando que ela jamais o faria.
Mas, o fato era que aquilo não agradava nossa menina moça que andava vitoriosa na sua Ilha. Quem era aquela outra que insistia em ficar ao seu lado e nem pediu licença para fazê-lo? E o pior que nenhum outro aluno ou aluna olhava para elas. Numa mão Elisa levava a prova recebida na sala de aula, noutra levava a folha em branco daquela antiguidade escolar. E o tempo ia passando e a prova deveria ser entregue. A outra insistia que deveria ser feita naquele papel estranho, branco e sem graça.
Num sobressalto Elisa se viu de novo na Ilha. Deveria estar fazendo o sol da meia noite em sua mente. Percebeu que a grande lição lhe chegara. Sim a grande lição! Observemos que todos os professores estavam calados. Que a prova não foi lida por Elisa, que nenhum murmúrio ouviu naquele educandário a não ser a incomoda insistência da outra, nua e sem respeito pelas escolhas que deveriam ser da Elisa.
Já muito tarde, talvez umas quatro horas da madrugada de 800 luas depois Elisa conseguiu decifrar o enigma da grande lição. Observemos ainda que ninguém estava ao seu lado. Deveria entender tudo sozinha. Elisa levantou-se solene e assim caminhou por entre os jardins luminosos da sua Ilha.
Eu era uma aluna numa classe de muitos alunos compenetrados e deveria fazer uma prova de linguagem ou de comunicação. Ninguém se interessou pela minha presença. Isso me lembra uma lição de Jesus quando disse a João que nossos grandes testemunhos ao Pai nós os damos sozinhos. Eu estava sozinha em meio aqueles tantos alunos e alunas que, provavelmente também se sentiam sós. A nossa prova veio cheia de símbolos, mas que me encantava. Sim, os símbolos que me encantavam eram os símbolos das novas descobertas que devo fazer. Eu estava muito confiante de que me sairia bem. Estava preparada para a grande lição. Mas, de repente surge uma outra aluna, estranha, intrusa, nua, cujo corpo não chamava a atenção de ninguém naquele pátio e insistia para que eu buscasse antigas formas de demonstrar meus conhecimentos. E tentou persuadir professores, falando por mim, quando eu não queria que ela o fizesse.
Aquela outra era eu de outro tempo, acostumada com coisas antigas tentando me segurar no passado que já não mais existe. Aquela outra tentava chamar a atenção dos outros para mim, enquanto que eu já não quero mais isso. Aquela outra tentou de todas as formas prejudicar minha prova no novo educandário.
Aquela outra estava encravada em mim.
Meu Deus! Como pode ser isso?
Elisa colocou-se a meditar e em meio às suas meditações reviu a outra que, despedaçando, lhe disse:
– Eu queria ficar com você até o fim. Consegui. Agora já não mais posso.
Dizendo isso, caiu e sumiu.
Elisa correu e anotou no seu diário
Nosso passado insano nos persegue até a última lição. Até o momento em que nos candidatamos a prosseguir noutra forma de viver. Muitas vezes não notamos sua presença porque ele é sutil, infiltrado em nós, comandando-nos utilizando-se de todos os recursos que o oferecemos ao longo dos nossos tempos passados. Aquela outra nua me representou tantas vezes quando me desnudei de valores espirituais e caminhei feito estranha em meio a todos pedindo-lhes atenção, impondo minha autoridade pequena que eu julgava enorme e sábia.
Também aquela outra tentou persuadir professores como eu fiz quando as lições que chegavam eram bem maiores que meus interesses de absorvê-las.
Todos temos o outro, a outra, nutrida por nós em nossos devaneios da infância espiritual. Um dia, temos que extingui-la de nós e será tão difícil quanto foi o alimento que a oferecemos dia a dia, ação a ação. Aquela outra era eu.
E agora, estou livre dela?
Foi quando Elisa ouviu um rumor de muitas vozes juntas que diziam:
Para prosseguir é preciso deixar-se purificar e essa purificação passa pelo extermínio em nós das velhas propostas.
Prosseguir é assim. Ou ficamos presos à outra que nos quer como alimento ou nos livramos dela para sempre por ser justo.
Elisa soltou-se da outra. Esta foi sua grande vitória.
Agora e somente agora, estava livre para prosseguir.
Essa foi sua última lição naquela Ilha do Sol.
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