A Fórmula
Não era tão difícil seguir as regras daquela fórmula.
– Não se pode duvidar da lógica e nem de si mesmo. As fórmulas trazem em si um segredo. Cumprido fielmente surge dali algo que, certamente, resolvem questões insondáveis.
Thor, o deus do martelo, disse isso a Elisa naquela manhã de sol. A menina havia saído de casa mais cedo. Estava procurando um prego para fixar velho quadro de família, na parede nobre da sua casa. Disseram a ela que naquela Ilha tudo que necessitasse seria encontrado. E ela precisava de apenas um prego, porque Thor lhe emprestaria o martelo. Depois de muito andar procurando e não encontrando o prego, surgiu-lhe uma fórmula. A fórmula para se fazer um prego.
As equações eram bem complicadas. Várias páginas foram gastas para escreve-las e Elisa precisaria decifrá-las. Tudo pode ser construído, mas para tanto necessitamos da base e Elisa não tinha a base do prego arquivada em si. Daí a necessidade da fórmula. É tudo muito justo e da justiça muitos se afastam por desânimo ou rebeldia.
– Se ao menos tivesse um professor aqui... Pensou Elisa.
Profundo silêncio, muito mais que o normal, se fez ouvir. Elisa mergulhou naquele silêncio profundo e escondeu-se no seu fundo tentando entender o silêncio profundo.
– Quando se está no silêncio profundo, ouve-se a voz do início. Parecia que alguém conversava com ela.
– Somente no Silêncio o início se manifesta. Quando se esquece o início, a base fica perdida.
– É preciso visitar o início e há inícios em cada curva.
Mais silêncio fez Elisa.
– Cada ponto é o início. Muitos pontos muito inícios que formam o caminho que nos traz de volta ao início. Tudo é início, caminho, voltas.
Depois disso Elisa não ouviu mais nada e se lembrou da fórmula de fazer um prego e da equação para resolver a fórmula. Então pensou:
– Cada ponto é o início. Muitos pontos um caminho que traz de volta ao início. Elisa refletiu muito e olhou a equação e viu que elas, uma sequência de números, formavam um caminho. Eram números estranhos, numa sequência aparentemente ilógica. Três, dez, um, dezesseis e por aí se ia a sequência que depois juntava alguns daqueles números numa soma e num resultado estranho. Thor a observava sorridente. Apesar de sua cara de mal, era amigo e queria ajudar sem interferir. Elisa pensou, pensou e depois desistiu de entender a formula, voltando para casa um pouco decepcionada. Aquilo era demais para sua cabeça de menina recém saída da infância, ainda sentindo os tremores da adolescência.
Ao chegar em casa deparou-se com todas as pessoas daquele quadro da sua família. Um deles se destacou, enquanto os outros ficaram em silêncio.
– Ora Elisa, sua desistência não nos faz representar na sua Ilha.
Era um homem de bigodes e espessa barba morena. Elisa não o reconheceu.
– Ora menina, os quadros de família não mostram só a família! Há muito mais neles.
Elisa ficou observando e esperando algo mais que ele dissesse.
– Você não deseja nos ter em sua parede nobre. Por isso desistiu.
– Não é bem assim, senhor barba morena. É que não consegui ainda decifrar a fórmula para se fazer um prego. E como vou dependurar este quadro sem um prego? O martelo já sei como encontrar.
– A fórmula é bem simples. Seu segredo está nas voltas. O prego que fixa precisa das voltas que o robustece.
E, como num passe de mágica, um enorme prego surgiu na sala. E era tão grande e translúcido que Elisa viu os volteios das moléculas formando e robustecendo o prego.
Dito isso desapareceu com toda a família, levando com ele o quadro. Elisa, praticamente, não necessitaria mais do prego e nem da fórmula, contudo...
Na Ilha do Sol tudo necessita ser descoberto. Assim, Elisa guardou a fórmula. Podia ser que dela necessitasse algum dia, noutra construção. Foi caminhar pela trilha das Hortênsias. Era preciso tirar a sandália e sentir o calor da Terra tocando a planta do pé. Isso é bem terapêutico e Elisa bem o sabia. Afinal, aquela menina vinha de longe, da sua infância, adolescência, onde conseguiu apreender bastante.
Bem à frente, depois de uma curva encontrou um quiosque. Era um nicho aplausível com cadeiras de espaldar alto, confortáveis, pedindo para serem usadas. Escolheu uma e sentou-se, não porque estivesse cansada, mas para experimentar aquele conforto. Todos precisamos experimentar o conforto. Ele nos gratifica e sustenta. Bastou assentar-se para que ao seu lado a fórmula surgisse altaneira e vestida de cor púrpura que é a cor do início.
– Sou o começo, o caminho e o fim. Ninguém pode me abandonar em sótãos ou porões. E, imitando a proposta da Esfinge, disse solene:
– Decifra-me ou te devoro!
Uma canção se fez ouvir e a fórmula ordenou que seus números se transformassem em bailarinos e bailarinas que flutuavam compondo uma dança harmônica e ideal. À medida que dançavam, formavam numa tela ao lado, várias formas de objetos. Quanto mais objetos, tanto mais outros surgiam numa sequência elegante e múltipla. Elisa levantou-se e dançou com os números e se fez criança, adolescente, madura, velha, nuvem, pó, densa e estruturada para depois retornar: Elisa!
Era um espetáculo naquela Ilha do Sol. A menina proprietária, envolveu-se com a dança de tal forma que dançou várias horas sem se cansar. O Concerto Divino ali presente, entoou os sons da percussão e a Fórmula era a Maestrina e os números os pares de Elisa e os insetos ali presentes a plateia atônita, mediante tanta beleza. Elisa era a própria fórmula. Sem saber como, mas era a fórmula!
Ninguém foge à substância que é formada por pontos, caminhos, voltas. Onde o ponto é o fazer, o caminho é o resultado obtido e as voltas guardam o acréscimo das experiências para, em seguida, buscar novo ponto para novo início. Assim, fazer é preciso. Boas escolhas é imperioso. Aquela era a fórmula para se construir um prego e que podia se transformar em outras fórmulas para construir outras coisas, dependendo das sequencias dos números e da colocação estratégica dos átomos na profunda engenharia geométrica pela dança das cordas! Eis o princípio da impermanência – o que somos e onde estamos.
Elisa fez o caminho de volta para sua casa. Agora seguiu a trilha das tulipas que se assemelham a cálices. O simbolismo do cálice depende do tempo e da cultura. É um símbolo muito forte que Jesus utilizou como comunhão da Sua energia. A tulipa e o cálice são progressões gêmeas e neles cabem o que se deseja colocar. Só que o que colocar deve ser absorvido. Essa a magia do cálice. Ele é dócil no aceitar e severo no exigir.
Era Dinar, o Cavalo Pégaso, que seguia Elisa de forma invisível, quem confidenciou a ela essa conversa sobre tulipas e cálices. Elisa estava feliz. Na sua Ilha tudo contribuía para que aprendesse, agora que havia saído da infância e adolescência! Elisa percebeu ainda que podia construir o que desejasse bastando, para isso, entender as fórmulas e a dança dos números na pista da geometria. Nunca a geometria foi tão importante para Elisa. Ela conforma a lógica, dando-lhe sentido e estrutura.
Elisa era uma pós adolescente desperta. Isso a distinguia. Isso a iluminava. Isso a protegia. Lembrou o Divino Anfitrião quando distribui o alimento espiritual e a energia, simbolizados no pão e no vinho, naquele magno banquete de despedida. Só é possível estar na Ilha do Sol estando ao lado e com o Magno Representante de Deus. Elisa bem o sabia, pois, assim, as fórmulas tornam-se crianças!
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