Um Novo Portal
Elisa já havia conhecido o Portal das Estruturas. Ele leva a uma infinidade de definições antigas que somente o tempo e as atenções poderão oportunizar sua total descoberta.
– Talvez nunca seja descoberto totalmente, pois ele avança a cada segundo! Falou Elisa.
A divina Dama a convidou para um passeio diferente. Junto a elas ia Severo, guardião experiente. O Portal das Virtudes estava localizado no centro da Ilha. Era filho da amada Ilha. Elisa precisava conhece-lo. Não há como explorá-lo. Suas ramificações surgem e desaparecem na medida em que há o que pensar e fazer. Eles fortalecem nossas decisões. Potencializam-nas para o bem ou para o mal. Lá, fora da Ilha, chamam-no de Arquétipos.
Elisa fora informada pela Divina Dama que este Portal não se conhece exatamente, apenas suas expressões. Somente quando o entende é que conseguimos eliminar todo o mal existente no indivíduo e no mundo. Severo também informou que de todos os Portais existentes na Ilha este é o mais difícil e complicado.
– O que surge e desaparece costuma não deixar pegadas. Disse o Gnomo daquele Portal.
– Então não devo transpô-lo? Indagou Elisa.
Não obteve resposta. Contudo percebeu que para transpô-lo necessitaria cuidar-se primeiro. Assentou-se num banco de papel. Nele existia várias histórias. A linguagem não era para ser lida e sim sentida. Quando Elisa percebeu isso, perpassou de leve sua mão numa daquelas linhas e uma canção muito suave surgiu, vinda de dentro do Portal. A voz era de um Menestrel. Sentiu vontade de conhecê-lo.
– Não se deve encantar-se pelo cantar, simplesmente. Pode ser de alguém com profundas tristezas que canta para espantar os seus males. Falou-lhe a Divina Dama.
Elisa não respondeu. E, na sua pós infância e ainda recebendo as reverberações da mesma, pensou em passar suas mãos em outra linha, daquele estranho banco.
– Ainda não resolveu o primeiro e já quer acumular-se do segundo? A voz vinha de dentro do Portal.
– E como vou entender o cantar?
– Sinta-o. Responderam-lhe.
– Como?
– Pelo Coração.
Como criança Elisa colocou a mão no peito e auscultou-se.
– Sinto batidas – Tum tum – Tum tum. Somente isso.
Agora um silêncio constrangedor se fez. Os silêncios possuem suas formas de expressão. Ou acalentam ou assustam. Depende de quem os ouve.
– Vê-se que ainda não esqueceu a infância, Elisa.
– Mas, eu sou uma menina!
– Menina-Moça. É diferente.
– Não posso nem, por um instante, ser menina somente?
– Pode. Mas, terá que voltar à sua pequena Ilha que na verdade ainda não é Ilha, apenas começo. É isso que deseja?
– Não.
– Então ouça o Coração.
De novo a mesma canção se fez ouvir. Elisa não percebeu nada de novo ou diferente.
– Abre seu Coração. Ele está bem fechado.
– Abrir? Com uma faca? Mas, assim vou morrer.
– Primeiro que a morte é uma ilusão e segundo que não precisará de faca alguma.
– Estou confusa. Você está me deixando confusa.
– A velha transferência. Própria da infância.
– Transferência?
– Quando se é criança costuma-se transferir culpas para manter-se ego inferior.
– Culpas? Ego inferior? O que é isso?
– Elisa, você está diante um novo Portal. Nele só adentram pessoas livres.
– Mas, eu sou livre!
– De certas coisas da infância. Bom para começar, contudo, ineficiente ainda para prosseguir.
– E o que devo fazer?
– Abrir o Coração.
– Como?
– Vou ajudar você. Feche os olhos.
Elisa obedeceu. De novo a canção e agora estava muito distante. A menina quase não a percebia. Gradativamente a canção foi chegando mais próxima e, finalmente, chegou ao ponto onde a ouviu pela primeira vez e, estranhamente, ia chegando cada vez mais próxima até que, de tão próxima, Elisa, viu-se dentro da canção e sentiu suas nuances, suas texturas, suas harmonias e... Sua linguagem!
– O que fala a canção?
– Estranho. Não é o mesmo que diz o Menestrel. Sussurrou Elisa.
Um turbilhão de ondas inundou a menina. Elas abafaram definitivamente a voz do cantor e Elisa cantou sua canção:
– Quero a paz que faz a pessoa livre.
Quero a harmonia que faz a pessoa sorrir
Quero a alegria que faz a pessoa ir
Quero a beleza que transpõe a incerteza
Quero o bem que acalme o mal
Quero, qual Menestrel, ser a canção
Que trago em mim, desde que nasci.
Elisa cantava e flutuava feito pluma em meio àquelas cordas em seus infindos volteios e cores que se alternavam em belos quadros, no caleidoscópio do seu existir. Elisa dançava e pensava:
– Não quero nunca mais sair daqui. Quero viver este momento pelo resto da minha vida. E já se preparava para assinar este acordo quando foi despertada por uma voz muito forte:
– Elisa, isso é só o começo!
De inopino a menina voltou ao seu plano de menina. Não viu mais o banco de papel, apenas a entrada do Portal e, agora, conseguiu distinguir uma frase ali contida:
– Cuidado. Não o penetre sem antes conhecer-se.
E uma visão surgiu-lhe. Estava no Templo de Apolo, na cidade de Delfos. Atrás do Templo uma enorme muralha e nela muitos ditos e máximas de velhos sábios. Uma se destacava:
Conheça-te na ti mesmo.
Elisa se lembrou de que já havia estudado sobre o Templo e suas Máximas Délficas. E essa era uma boa lembrança, a ser guardada bem próxima da consciência, de fácil acesso e de grande repercussão na acústica da Elisa – Menina-Moça! Elisa estava próxima ao Portal das Virtudes – Filho da alma da Ilha!
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