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Elisa na Ilha no Sol - Capítulo 7

Passo a Passo

Havia um carro de bois e o candeeiro que o conduzia. Dentro, muitos sacos com cereais a serem transportados a uma longa distância – uma légua. Elisa ia dentro, como guardiã da mercadoria e entregadora responsável da mesma ao seu destino. Seu coração falava de amores e deveres. Era mocinha e queria se casar e que não demorasse tanto, afinal, já completara doze anos e não desejava ficar para titia como a Tia Augusta, ranzinza por não ter se casado. Tia Augusta não sabia cozinhar nem cozer e muito menos arrumava a própria cama quando se levantava. Era um empecilho dentro de casa, além de arrotar veementemente enquanto se alimentava e ainda mastigava com a boca aberta, fazendo sons suínos que incomodavam a todos. Gorda como quê, não tinha roupa que cabia naquele corpo disforme e, quase sempre, usava uma túnica feita de saco alvejado que o senhor Nicolino vendia para ela, a preço de banana. Nenhum homem desejou tê-la como esposa e, muito menos, mãe dos seus filhos. Elisa, definitivamente, não queria isso para si.


Desde cedo tratou de trabalhar e já tinha feito seu enxoval. O noivo cuidaria de construir a casa e os móveis. Os adornos e utensílios seriam com ela.


– Menina de valor. Diziam.


– Bendito o noivo que a desposar.


Enquanto isso Tia Augusta se movia lentamente em seu corpo de elefante e em suas rabugices que espantavam. Nem descascar uma laranja conseguia, tendo que pedir a coitada da Zefina, sua empregada, para fazer.


O carro de bois se ia levando a encomenda. Elisa sorvia uma pasta feita de abacate com banana que ela adorava. O açúcar das frutas é o bastante e não engordam ou causam diabetes. Essa palavra diabetes não era de uso comum e muitos se iam por ela, sem saber da sua existência. Sempre morreram pessoas no mundo. E sempre renasceram também, cumprindo o ciclo da vida. Chegaram ao local da entrega. Era um mercado de Secos & Molhados, comuns naquela época. Descarregaram os sacos e Elisa, contava, juntamente com o comprador que logo efetuou o pagamento e Elisa comprou umas coisinhas. Trocas naturais no comércio que nos ilude que compramos e vendemos.


De volta à sua casa, correu ao seu cômodo de dormir. Estava exausta. Antes pegou a bacia e a encheu de água morna e tomou um banho delicioso, lavando seus longos cabelos com essências naturais, colhidas nos vastos jardins da sua casa. Antes de se deitar fez uma prece de agradecimento pelo dia e rogou um boa noite.


– Boa noite. Disseram todos para todos e foram dormir.


Elisa despertou. Estava no Portal das Boas Lembranças da sua Ilha. Olhou em torno e tudo era calmaria. Fez grande esforço para não sentir saudades daquele tempo de pré-construtora da própria vida. Afinal, aquele tempo terminou com sua morte num leito, enquanto nascia seu quinto filho e a parteira não deu conta da eclampsia que se pronunciou severa.


– Passos apenas. Pensou.


– A Evolução é feita de Passo a Passo. Falou alguém.


– De conquista a conquista. Completou Elisa.


Essas reflexões são necessárias e conformadoras. É preciso refletir, principalmente quando as lembranças surgem fortes, emergindo de algum lugar de dentro, buscando a aragem de fora. Quase sempre se inundam lembranças com água salgada que fluem dos olhos. O que chora ao se lembrar, ainda não se resolveu com o que passou. Isso não é bom. Impede o ser de ver e contemplar de cima – no eterno presente. E é para lá que caminha a humanidade. De forma que no Portal das Lembranças Elisa colocou pedestais para secar ao sol aquelas que necessitam das lágrimas para acontecer. O sol as transforma em pedras preciosas que acalentam ao invés de atormentar. Pedras Preciosas contém energias que ajudam, enquanto os molhados exigem cuidados para que não se oxidem. Pura questão de química. Muitas Pedras Preciosas fazem ricos aqueles que as detém. Lembranças com potencial de chegar a Pedras Preciosas devem ser cultivadas e transformadas não em entulhos que incomodam a emoção.


O carro de bois rangendo pelo caminho entoava o princípio de uma canção. Elisa precisava compô-la utilizando-se das notas totais que só entenderia após entoar novas canções. Se ficasse presa ao carro de bois, bom naquela época, não entenderia o som das aeronaves ou naves espaciais. Chegar à Ilha do Sol é muito difícil, entende-la é bem trabalhoso, sabendo-se que, uma vez, conquistada, jamais se sai. Uma outra lembrança emergiu:


Era o dia da festa das colheitas. Elisa era garbosa e delicada camponesa. Vestia à caráter para aquela festa e estava graciosa como uma pétala que se salta da flor e flutua em busca do seu novo abrigo. Outras Elisas buscavam elísios ventos que as levassem para o local das honrarias onde reinam as esposas e mães. As festas das colheitas sempre prenunciavam novos lares. E era isso que as perpetuavam. Os deuses já não se interessavam tanto pelas oferendas. Uma carroça chegou. Todos os olhares para ela. Desceu o seu condutor. Todos os sentidos voltados a ele. Caminhou feito trovão que sacode a Terra. Elisa sentiu-se atraída por aqueles passos e gestos, mas permaneceu em seu posto. Afinal, Elisas necessitam aguardar. Mais tarde, ao cair do sol ele se aproximou. E o tempo não esperou outra festa das colheitas para que Elisa formasse com ele um novo lar, para novos filhos; filhos e filhas de outrora que retornavam. E foi uma vida de muitas aventuras e superações. Se havia leite, faltava pão. O arroz não encontrava o seu feijão e a carne seca secava continuamente. As barrigas lamentavam e emitiam seus sons quase em desesperos. Elisa corria de um lado a outro, inventando fórmulas com aquelas raízes e vegetais que pouco nasciam naquela terra árida ou queimada pela neve. Faltava cobertor e velas ou resinas que prodigalizasse luz. As festas continuavam e as Elisas sonhavam. Às vezes é bom que a realidade não penetre o reino das ilusões. Se o fizesse espantaria as necessidades de cada um na busca do seu caminho.


Foi uma lembrança amarga. Elisa escondeu dela as muitas garrafas de bebida ingeridas pelo andar de trovão de outrora. Tornou-se alcoólatra e preguiçoso também. Elisa devia a tudo conduzir e o fez e morreu em paz vendo os rebentos encaminhados.


Há lembranças que marcam um passo dentro dos passos e não devem ser distorcidas ou abandonadas. Todas as lembranças guardam em si um passo certo ou torto, mas que se juntam a outros passos onde o torto vai sendo consertado. Ninguém foi criado para ser eternamente torto. Chega um dia que o torto vira tortura e a tortura vira gemidos que viram novas propostas. Bendita harmonia que não suporta o torto!


Aquela lembrança marcou bem fundo a intimidade de Elisa por isso construiu um pedestal diferente para coloca-la secando ao sol para virar Pedra Preciosa. A superação gera Pedras de grande poder energético que suplanta toda fantasia ou calamidade. Assim, não se destrona as lembranças pérfidas e sim as transforma em fortalezas próprias. Naquele Sol daquela Ilha, tudo se transubstancia onde o mal vai se modificando. Onde a treva vai cedendo à luz. O Mestre de Elisa e de todos já o havia dito. Onde o frio vai se transformando em temperado uma vez que, por analogia, somos todos, os temperos do mundo se assim o desejarmos. Elisa, passo a passo aprendia e apreendia tudo isso.


Naquele dia não teve vontade de ter mais lembranças. Havia muitas e todas elas dotadas de conteúdos que precisavam ser vistos e revistos e realocados em Pedras Preciosas, uma vez que na Ilha do Sol, a energia é que move conscientemente todas as coisas, uma vez que é o Espírito que as coordena. Elisa estava se transformando em Espírito Consciente. Mas, ela ainda viu rapidamente outra lembrança:


Era tocador de flautas encantando crianças. De vila em vila, aldeia a aldeia, tocava e cantava e alegrava, enquanto garantia a próxima refeição. Cada refeição era conquistada por encantamentos. Encantar é viver a doce felicidade de ser um promissor da alegria!

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