top of page
  • Foto do escritorGRESG

Em Busca da Imortalidade I

Atualizado: 16 de nov. de 2020

OLHAR

Desejando os céus é preciso soltar-se da Terra. Esta verdade paira nos corações daqueles que passaram pelo momento da desencarnação. Muitos retornaram de olhos fixos no chão, querendo-o a qualquer preço, sofrendo por ele, importunando-se por perdê-lo. Porém, uma nova dimensão descortina para os que tem “Olhos de ver e ouvidos de ouvir”.

Luana e Janaína eram irmãs gêmeas. Renasceram juntas e retornaram juntas. A diferença foi o retorno. Enquanto os familiares e amigos se sensibilizavam perante seus corpos inertes naquela câmara mortuária, o outro lado gravava uma história digna de ser contada. Luana olhava em derredor. Seu corpo, agora frio e inerte, pedia-lhe que o agradecesse pelos vinte e um anos que lhe serviu de templo. Janaína, esbaforida corria de um lado para o outro e quase se engalfinhava com Mateus, seu namorado ali presente, tão estático quanto o corpo de Janaína. A morte pegara a todos de surpresa. O teto desabou e não teve jeito. As irmãs deixaram esta vida abraçadas.

Luana chamava Janaína que não a ouvia. Luana estava muito preocupada com a irmã que, desde cedo, clamava por cuidados extras. Era aventureira, brigona, reclamava de tudo, xingava com tamanha naturalidade que os pássaros voavam assustados quando a viam emitir suas palavras malsãs. Luana, ao contrário, a tudo olhava e observava. Gostava de ler grandes escritores como Machado de Assis, Leon Tolstoi, Chico Xavier...

Janaína, de quando em vez, corria os olhos em alguma revista de moda ou de fofocas televisivas ou ainda de celebridades famosas que expunham seus comportamentos vulgares em trajes de gala. Cedo conheceu Mateus e o aliciou para os amores além do previsto para tenras idades. Correu riscos, rabiscou muros, paredes, bebia e comia e não pagava e ria dos seus feitos como se a sociedade devesse entender seu conturbado mundo. Mundo esse que ela não desejava mudar.

Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno”. Luana lia Quincas Borba de Machado de Assis e chamou Janaína para ler com ela, ao menos essa frase do Capítulo 141 da referida Obra. Janaína até que se esforçou por entender, mas se disse estafada, enfadada e bravejou dizendo que não tinha olhos para ler aquilo. E mais, perguntou que diferença faz ler algo assim tão complicado...

Naquela câmara mortuária toda a diferença se verificou. Luana estava calma. Sabia das desencarnações, sabia de André Luiz, Emmanuel, Humberto de Campos e tantos outros. Vida curta sim, mas muito bem proveitosa. Amou alguém? Sim, claro que amou. Além dos seus pais e familiares próximos amou também Hernandes Prada. Uma relação sem atropelos, conflitos ou entregas desesperadas movidas pelas paixões desarvoradas e passageiras. O moço estava viajando. Residia outro país em busca de aprofundamentos acadêmicos.

Em dado momento a família se aproximou dos corpos e alguém aproximou ainda mais para proferir uma oração final. Luana orou com ele. Janaína gritou impropérios que assustou aos outros que já estavam enterrados fazia tempo. Eu não quero, não aceito, não vou. Dizia como se dona da verdade fosse. Como sempre se julgava no auge e na potência do seu ego inferior.

Chegou o Ministério Divino. Era necessário romper os últimos laços. O amigo espiritual chamou a ambas. Luana caminhou solene. Janaína disse que nem arrastada iria. Vontade estabelecida, vontade aceita e cumprida. Cada qual define seu futuro. Desligaram Luana e foram com ela que nem viu o que aconteceu depois. Houve choros? Lamentos? Quem chorou? Quem lamentou? Ninguém? Ou quem? Qual importância tinha agora, ela que como ave livre retornava ao seio acolhedor das dimensões espirituais harmonizadas com a luz? Janaína ficou. Agarrou-se à urna e ordenava que seu corpo acordasse, pois que era seu dono. O corpo, coitado, não via mais e tampouco conseguia ouvir aquelas injuriosas ordens. Janaína ficou. Aguardava a volta do seu corpo físico à vida. Não sabia nada sobre a morte. Ou melhor, se havia vida após a morte.

Não nos cabe julgar as escolhas. Cabe-nos tão somente olhar com olhos profundos de observador o que se passa com quem aproveita ou não a vida corpórea para amadurecer conhecimentos e retornar em paz.

A paz de Luana um dia veio resgatar a dor de Janaína. Ao ver a irmã, Janaína a abraçou implorando socorro. Luana a levou. Eis a vitória da vida sobre a morte.


“O conhecimento da eternidade nos torna magnânimos; a magnanimidade leva à ampliação da visão; a visão ampla traz a nobreza; a nobreza é como o céu”.
Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
146 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page