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Em Busca da Imortalidade IV

  • Foto do escritor: GRESG
    GRESG
  • 9 de nov. de 2020
  • 6 min de leitura

PASSANDO PELA VIDA


Corria o ano de 1768. Estava na Europa, na Suíça, onde o frio cortava. Os Alpes encantavam e muitas pessoas desejavam estabelecer-se num clima de maior harmonia e compreensão. Bastava de tantas guerras, ocupações, generais e seus exércitos. Era tempo de modificar o ser humano para um convívio melhor entre si, num clima favorável ao estabelecimento da paz. Tao difícil paz onde muitos desejam guerrear, experimentar armas novas, estratégias incríveis, corações acelerados, adrenalina correndo no corpo e gritos de vitórias ou de morte! Assim foi forjada a história da humanidade. Homens guerreiros dos tempos findos renascidos em tempos após buscando perpetuar suas mostras de valentia, da absurda intoxicação de selvagerias. A Europa foi o destino de muitos daqueles touros do passado que se vestiam de pele e tinham cabelos compridos e nas mãos a arma da destruição. Morriam, renasciam, voltavam a morrer e não apendiam. E a natureza sempre bela, cordata, em paz com o Criador, acolhia aquelas almas, sempre, sem reclamar. Debalde, o gelo dos Alpes insistia por bradar aos corações em trevas que observassem a brancura dos seus montes, buscando a claridade em suas almas.


Era simples camponês com desejos de estudar. Havia tempo, espaço, mestres, lições e educandários. Porém, havia também o autoritarismo que definia quem e em qual lugar. As pessoas não eram livres. Nem homens, nem mulheres. As fábricas recém-construídas chamavam para suas prisões. Os homens do dinheiro mais queriam dinheiro, mais abarrotavam seus bolsos com cédulas, moedas papéis e propriedades. Sorriam exibindo seus grossos bigodes e suas barrigas gordas. Molhavam as mãos com suas salivas e contavam as cédulas e sorriam feitos mendigos de alturas e alvuras espirituais. Procurei um deles. Às vezes costumavam apadrinhar meninos sonhadores como eu. Usei de estratégia:


– Senhor Matteo, presumo que seus bens se avolumarão mais e mais. Sua perspicácia nos negócios acenam para uma vida ainda mais enriquecida com castelos, propriedades rurais e fábricas que darão empregos, muito empregos. Estou certo?


– Menino, por que me diz essas coisas?


– Porque posso ajudá-lo.


– Ajudar-me? Pois diga como. É ainda uma promessa, um pequeno camponês.


– Sim, o senhor está certo. Mas, crescerei. Isto é da natureza de todos nós.


Ele me olhou de cima em baixo e deve ter pensado:


– Como pode um menino de dez ou doze anos dizer essas coisas? Deve ser muito esperto!


Enquanto isso eu tentava magnetiza-lo com meu olhar penetrante. Tinha aprendido isso com um homem esquisito que veio do Oriente. Ele já tinha morrido.


– O que deseja de mim, menino?


– Que o senhor pague meus estudos e depois trabalharei nas suas riquezas. Vou aprender como administrar bens de ricos senhores e como ajudá-lo a progredir, aplicando bem seus recursos financeiros.


Claro. Ganhei. Fui estudar e me formei. Havia muito trabalho. Dediquei-me a ele e sepultei o corpo do senhor Matteo que se foi muito enriquecido. Na hora da sua morte me disse:


– Nicollas, quero que se case com a Melina. Ela não sabe administrar nem mesmo o corpo e vai aparecer um aproveitador para tirar tudo de minha única filha.


Melina tinha nascido fazia pouco tempo. Senhor Matteo casou-se depois de enviuvar e, enfim conseguiu a filha que tanto queria. Melina não dava mostras de ser alguém muito inteligente. Gostava de correr feito louca pelos prados e rir sem parar. Acho mesmo que era um tanto desmiolada ou doente da cabeça. Estava com doze anos. Babava muito e quase ninguém observava a menina, nem mesmo os caçadores de dotes ou algo assim. Sobrou pra mim e juro que não tinha a pretensão de ficar rico. Depois que senhor Matteo morresse queria correr mundo, conhecer outras gentes, conhecer a América, o Oriente, a África. Mundo grande que eu queria conquistar. Mas, como negar isso ao meu padrinho? E, num dia cinzento, casei-me com Melina que não me agradava nem um pouco. Era agora senhor de toda aquela fortuna e tinha que continuar ali, utilizando de estratégias e mais estratégias para conservar e ampliar gigantesco patrimônio.


Melina evitava-me. Talvez por medo ou por sonolência mental. Respeitava sua opção. Dormíamos em quartos separados e para agradar a sociedade aparecíamos juntos, de mãos dadas. Ela estava com dezessete anos e não se engravidava. Começaram a falar. Numa noite tive uma conversa franca com ela:


– Por que você não me quer como homem?


– Não gosto de você.


– E de quem você gosta?


– De mim.


Respondeu secamente e foi para o quarto deixando-me ali, rico e solitário naquele salão imenso de uma casa muito grande onde moravam dois estranhos. O tempo foi passando. Certa noite ouvi um barulho estranho. Fiquei a espreita. Será que algum bandoleiro tentava se infiltrar em nossa casa para roubar alguma coisa? Foi quando, a porta do meu quarto se abriu e vi um vulto enorme, encapuzado, que entrou e cravou em meu peito um punhal, extraindo-me a vida física. Tudo consumado. Meu corpo jazia imóvel naquele leito. Na manha seguinte Melina foi acordada pelos serviçais em alvoroço. Claro, o patrão estava morto. Morto? Às escondidas eu estudava o magnetismo e sabia muito bem que o corpo morre, mas o Espírito não. Esperto como era, não podia deixar de entender o que de fato aconteceu. Não roubaram nada. Então o homicídio não havia sido cometido por um ladrão de bens materiais. Ou, quem sabe: ele queria mais, muito mais? Ou era alguém contratado para matar?


Fizeram um velório sem graça. Melina muito queria que tudo terminasse em cinzas ou pó. Baixado o corpo na sepultura, retornei com ela para casa tentando ouvir o que ela pensava. Nada. Não ouvia nada ou ela em nada pensava. Chegamos em casa e, pela primeira vez entrei com ela no seu quarto. Estirou-se na cama e dormiu sem sair do corpo. Ficou presa a ele. Dias e dias se passaram. Até que numa noite daquelas estava assentado em minha poltrona preferida quando a vi penetrar na sala, fora do corpo físico. Era diferente, muito diferente, outra pessoa, outra figura.


– Ué, o que faz aqui? Você não morreu?


– Só o corpo morre. O Espírito não.


– Que quer dizer com isso? Que continuamos casados? Pois fique sabendo que meu verdadeiro amor está chegando. Mandei matar você para ficar com ele. Agora vai embora da minha casa.


Olhei para ela com muita piedade. Os assassinatos são muito brutais e mais ainda quando praticados por uma mulher que deveria trazer nas faces a ternura das mães.


– Não precisava fazer isso. Era só me dizer que eu deixaria o caminho livre para você. Agora se complicou com as Leis Divinas e, certamente, não será feliz.


– Naquele corpo doente não consigo expressar-me como sou. Não consigo pensar direito, mas tenho vontades e desejos e fiz o que desejava.


Fui embora dali. Muitos anos mais tarde retornei. Melina estava cada vez pior e agora jogada num quarto isolado da casa enquanto seu marido vivia aos faustos com amigos e mulheres, gastando toda a fortuna do senhor Matteo. A vida tem sua continuidade. Cuidado com o que faz por aqui cujo tempo é diminuto muito embora não acredite nisso. Senhor Matteo fez um curso para ser pobre. Viu que sua fortuna não lhe trouxe os bens que tanto buscava. Renasceu numa vila muito pobre e, aí sim, foi muito feliz. Casou-se com nobre dama que também vivia na pobreza e tiveram um lindo filho que deram o nome de Antenor. E sabem que era o Antenor? Eu. Antigo filho do senhor Matteo que retornava aos seus cuidados de pai. Melina ainda busca alguém que a acolha e, enquanto isso cuida da suas enfermidades mentais, ela que sempre brincou de fazer o que bem desejasse fazer, encontrando parceiros do mesmo naipe. E os velhos generais com seus guerreiros e exércitos? Muitos deles estão indo para outros cenários deste Universo em busca de outras lições. Certamente irão matar e morrer até entenderem que a vida é algo sublime e não deve ser levada aos fios das espadas ou aos pontais dos punhais. Aqui apenas passamos pela vida física enquanto nos aprumamos para a vida imortal, permanente, que não passa nunca!


“Somos perseguidos, dia e noite, pelo divino ser que é a imagem do eu vivo, presente no labirinto fechado de nossa própria psique desorientada”. Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
 
 
 

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