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Em Busca da Imortalidade IX

Atualizado: 25 de nov. de 2020

FORNALHAS DA INCOMPREENSÃO


Quem pode avaliar a dor de um desencarnado que deixa o corpo completamente desinformado, iludido e absolutamente cego perante o entendimento da vida depois da morte? Não quero comentar aqui sobre caixão, velório, enterro, choros, etc. Isto é de praxe. O que desejo falar é sobre o Espírito. O que deixa definitivamente o corpo físico e vai em direção à continuidade da vida que ele desconhece. Assustadora continuidade principalmente para quem espera o nada depois da vida. Digo a vocês que a decepção é muito grande. Decepção por não ter logrado o êxito de ter suicidado, pronto, acabou. Sou um suicida, tenho que confessar.


A vida andava muito estranha. Nada dava certo. Dinheiro pouco, esposa com amante, filhas se perdendo e filhos envolvidos com traficantes. O prato estava servido numa mesa oca, obscura e sem pés. O homem do passado acabou sucumbindo. O homem admirado, forte, valente que não temia nenhum touro ou leão, que bradava em bom tom ser o senhor dos céus e da terra, que animava reuniões tristes, que cantava feito pássaro livre, que brincava de beber alcoólicos e não cair, etc... etc...


Ah, não posso esquecer-me de contar. Depois de ser admirado e disputado por várias moças, inclusive a Odete, prendada, elegante e portadora de alto nível de honradez, que, claro, desprezei. Hoje entendo porque desprezei a Odete: é porque suas vibrações espirituais excediam as minhas que eram de baixo nível, beirando a futilidades e decisivamente inferiores às dela. Daí que a achava antiquada e fora da curva. Da minha curva, é claro! Sabem que ela se casou depois de mim com tal Vitorino que era pregador espírita. Ali sim, os encaixes vibracionais aconteceram, porque o tal moço era de uma honradez de fazer inveja a quem deseja ser.


Encontrei a Tânia. Taninha como eu a chamava. Essa sim era da hora! Topava qualquer parada e ria das prosaicas anedotas da vida depois da morte dizendo mesmo que permaneceria para sempre no corpo porque era poderosa, superiora e outras bobagens mais. Agora sim, estava feita a vida para mim. Curtimos muito. Viagens, praias, noitadas na farra. As crianças foram chegando. Claro que as babás cuidavam delas. Eu tinha ótimo emprego, podia pagar “serviçais” enquanto eu e a Tânia buscávamos outros ares. Mas, um dia... Encontrei a Tânia brincando de traidora. Brincando não. Traindo mesmo! Daí a choupana começou a desabar. Tive ao mesmo tempo desairosas notícias dos filhos. Minha santa mãezinha sempre me alertava, mas eu sempre lhe dizia que estava no comando da situação. Triste falácia dos estão ladeira abaixo e não percebem.


Tudo perdido. Odete era feliz, muito feliz. Tânia jurou que só me traía de vez em quando, os filhos desprezaram minha paternidade por achar-me vulgar demais e eles mesmos seguiam meus infelizes passos. Incoerências... As contas estavam avolumadas. Empréstimos bancários tomavam todo o meu salário. Era um decadente profissional, portanto, demitido. Sem créditos, mulher e filhos, fiquei à deriva buscando algum porto. Um dia procurei a Odete no Centro Espírita. Lá estava ela. Ao ver-me sorriu um sorriso triste e apenas falou:


– Sabia que este momento aconteceria.

– Posso conversar com você? Perguntei.

– Vou indicá-lo ao atendimento fraterno aqui da Casa. Não participo deste trabalho, portando não estou apta a auxiliá-lo. Mas, digo a você que ouça com atenção o que lhe for sugerido e siga com fé as propostas que virão.

– Mas, não pode ser você?


Eu não percebia que meu tempo com ela havia passado.


– Vitorino foi promovido e teremos que mudar de cidade. Infelizmente não poderei auxiliá-lo. Busque a paz e siga-a.


Depois fiquei sabendo que foi Pedro o Apóstolo quem nos deixou este valioso conselho. Odete se foi.


Não quis saber de conversa fraterna nenhuma. Minha conversa seria com ela. E, sabem o que eu queria? Simples, queria que ela viesse morar comigo. O interessante que os mendigos da alma custam para entender sua real situação. E mais ainda, custam a entender que necessitam ajuda. Mas, se estava ruim, por que não piorar? O amante da Tânia deu um tiro na coluna dela deixando-a paraplégica. Ou seja: aos meus cuidados, porque ele se mandou para não ser preso. E não foi, acreditam? Deve estar se escondendo por ai nalgum buraco de tatu. Mas, por pouco tempo. Meus filhos exigiram que eu recebesse a mãe deles de volta. Eles mesmos em nada ajudaram e eu tive que ser o enfermeiro daquela que havia me traído. Consegui um emprego de pouco ganho financeiro e alternava minha vida entre o trabalho e os cuidados com Tânia, presa numa cadeira de rodas.


Vocês acreditam que um dia quando chegava em casa mais cedo do trabalho eu a encontrei com outro homem, mesmo naquele estado de limitação física? Tive uma vontade muito grande de matar. Não eles, mas eu mesmo. Estava farto. Tinha que dar um fim naquilo. E foi o que fiz na certeza que tudo acabaria e eu voltaria ao pó como dele havia ter saído, conforme os textos que li na Bíblia.


Interpretação errada. Tem que saber ler aquele livro para não decodificá-lo erradamente. Bem, estava morto e vivo ao mesmo tempo. E, o que fazer? Uma dor aguda no peito. Era uma dor que não parava que me deixava sem ar que me fazia correr feito louco a ponto de ir a um hospital do plano físico e berrar nos ouvidos de um médico que precisava de ajuda e ele nem me olhar. Tentei esbofeteá-lo, mas ele nem se mexia. Gritos na minha cabeça, muito gritos. Não sei de onde vinham. Chamavam-me de suicida, de perdedor, de infame e covarde ser humano. Sentia ainda forte cheiro de podridão que me causava náuseas e horror. Pensava:


– Mas, eu que sempre cuidei daquelas pessoas que compunham minha família?


E eles, quem seriam eles? Percebi depois que não adiantava ficar culpando ninguém, nem fazendo presságios dos seus infortúnios futuros. O grande infortunado do momento era eu. Sem forças, sem saídas, apenas um traidor de si mesmo: um suicida.


Foi triste, muito triste. Mas, sempre quem apareceu? Ela, minha santa mãezinha. Tomou-me pelos braços e me disse severa:


– Augusto, eu sempre alertei você. Estou tentando ajuda-lo, mas seu cartão de crédito por aqui está sem nenhum depósito.


Chorei muito até por me lembrar de quantos cartões eu tinha na minha carteira e os utilizava sem nenhum critério, usando valores monetários na aquisição de valores materiais.


–O que fazer mãezinha? Perguntei soluçando.


– Consegui um lugar para você ficar. Não é ainda o ideal, mas respeite o local. Muitos infortunados como você são ali acolhidos e depois fogem tresloucados. Espero que você não faça o mesmo.


Sim, fui para a bacia das almas penadas angariando um pedaço de paz. Tinha vontade de correr dali. Eram dores sobre dores, lamentos intermináveis, gritos desesperados, vômitos, sofrimentos sem fim, inenarráveis. Fiquei sabendo que só não fui para o vale por tempo indeterminado em situação de absoluta penúria moral porque alguém orava por mim. Sabe quem? Sim, ela, a Odete. Bendita alma. Ah se eu tivesse sido menos vaidoso. Menos orgulhoso interlocutor das sombras internas e externas! Mas, cada qual colhe o que planta. Pensem nisto antes de admitir ou desprezar alguém em suas vidas. As fornalhas da incompreensão queimam muito e, se não fosse a misericórdia do Altíssimo, o que seria de nós, suicidas?


“Tudo está em mudança; nada morre. O Espírito vagueia, ora está aqui, ora está ali, e ocupa o recipiente que lhe agradar”. Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
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