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Em Busca da Imortalidade V

DESTRONANDO A TORTURA

Desde criança fui inveterado cinéfilo. Gostava dos épicos e os assisti a todos. O que era produzido pela indústria hollywoodiana encontrava em mim um crítico quase especializado nas rodadas com amigos em encontros literários. Sim, gostava muito de discutir literatura, teatro, música e, claro: cinema. Ficava empolgado com as lutas corporais travadas por antigos exércitos e esperava ansioso pela cartada final, a estratégia, a vitória e o abate inexorável do inimigo. Espoliações, rescaldos de guerras, prisioneiros feitos escravos e belas moças sendo levadas para o cativeiro do sexo. Tudo aquilo provocava em mim um frenesi difícil de conter. E me transportava para a tela e me via no cavalo do herói ou na pele do vencido suplicando piedade. Era um tumulto só em mim onde as emoções dominavam-me por completo e, não raro, tinha que sair da sala de projeção para respirar ar puro. Meus amigos, uns riam das minhas peripécias e outros se preocupavam comigo.

–Juan, não se aproxime tanto dessas histórias do passado.


Nem sempre ocorreram assim. Nem sempre retratam justiças. Havia um credenciado Junguiano que me alertava: cuidado com os complexos do inconsciente! Quanto a mim isso pouco importava e buscava ávido, informações sobre novas produções. Um dia um amigo brasileiro mudou-se para os Estados Unidos da América e foi trabalhar num dos famosos studios de Hollywood. Como o invejei, até que certa manhã de verão na incrível Copacabana recebi uma ligação telefônica dele.


– Juan, quer vir para os Estados Unidos trabalhar na produção hollywoodiana?


Quase enfartei. Minha infância foi vivida no morro e desci de lá quando consegui um diploma de nível secundário indo trabalhar em uma escola, aproximando-me da biblioteca onde puder ler muitos livros e fomentar minha vida literária. Fiz alguns ensaios que foram publicados em jornais de pouca circulação. Porém, sentia muito orgulho disso. Certa vez convidaram-me para participar de encontros com pessoas famosas e, com eles, aprendi muito sobre a arte de ler, escrever e, principalmente: ver.

– A pessoa que não sabe ver é pior que aquela que não sabe ler ou escrever. Dizia sempre um antigo professor de renome da cidade do Rio de Janeiro.

O convite era um voo para mim, contudo, estava engajado em vários projetos de trabalho. A função a ser exercida naquele local era muito simples, porém possibilitava-me encontrar com as grandes estrelas que aprendi a amar e admirar através das telas. Mas, e daí? Seria mesmo importante para mim? Fazer parte de uma fábrica de ilusões enquanto o que realizava no Brasil era de grande importância social?

Pensei muito e agradeci ao convite do meu amigo. Ajuízo hoje que a sensatez imperou e continuei com minhas atividades por aqui. Dois anos mais tarde, porém, veio a surpresa. Ao entrar na sala de projeções para assistir talvez ao milionésimo filme, vi meu amigo participando da história interpretando um personagem secundário, porém decisivo naquela trama. Ele não havia me dito nada. Fazia tempo que não nos correspondíamos. Penso que ele se aborreceu com minha negativa. Assisti impactado àquele filme e seu nome surgindo nos créditos finais. Ah, saí dali, sem sair. Era como se tivesse ficado, pensando, pensando.Em casa refleti muito.

– E se tivesse aceitado o convite, será que não estaria também naquela ou em outra película? O bichinho do arrependimento começou a incomodar. Não imaginamos o que seja fazer parte de uma indústria dessas. De repente, pronto! Acontece e o anonimato termina começando o estrelato e daí novas experiências, novos momentos.

Entretanto, eu estava feliz com o que realizava aqui, com minha vida pessoal, com meus amigos. Nunca fui de beber alcóolicos em demasia e, drogas alucinógenas, nem pensar. Gostava mesmo era de ouvir Vinícius de Morais, Toquinho, João Gilberto, Tom Jobim, Nara e tantos outros que revolucionaram a música popular brasileira. Gostava da Cecília Meireles, Mário Quintana e lia avidamente Machado de Assis. O grande e inestimável escritor brasileiro. Partindo para os Estados Unidos não teria tido a chance de vê-los, ouvi-los e conversar com eles, aprendendo sempre.

A vida nos coloca nessas situações nas quais você decide. Sua decisão pode levar aos céus ou aos infernos. De novo o telefone tocou:

– Juan, viu o filme que participei?

– Amigo quanto tempo. Vi sim. Você está ótimo. Parabéns.

– Confessa Juan, não sentiu inveja ou tristeza de não ter vindo morar aqui?


Claro que senti, mas não poderia dizer isso a ele. Afinal não sabia com quais intenções ele havia me formulado aquela pergunta. Respirei fundo e disse:


– Olha, dei um jeito na inveja e na tristeza e abracei você, parabenizando-o.

Ele ficou um tempo sem nada dizer. Depois balbuciou algo como:

– O preço da fama é muito caro!


Logo despediu. Não me disse qual o preço que ele teve que pagar para estar no elenco daquele filme. Apenas deixou no ar uma vibração muito preocupante. E, a vida de novo me surpreendeu. Era uma manhã de sol na bela cidade do Rio de Janeiro quando recebi outra ligação:

– Juan, sempre soube que você ama cinema. Preciso de alguém que vá aos Estados Unidos fazer várias entrevistas com personalidades cinematográficas. Como sei que domina bem as palavras, o assunto e o inglês estou convidando-o para fazer uma série de reportagens para o nosso jornal. Aceita?


Pela primeira vez meu nome seria estampado num grande jornal. Pela primeira vez estaria frente a frente com meus ídolos. Pela primeira vez veria de perto aquelas mulheres lindas que não me deixavam casar por não encontrar alguém que se assemelhassem a elas.

– Viajo aquando?

Tirei uma licença no meu trabalho e lá fui eu para uma aventura. Sim... Uma aventura! Conversei com muita gente famosa, encontrei meu amigo, entrevistei e ouvi tantas histórias que me deixaram abalado. O que mais eles temiam era a morte. Claro, depois dela terminaria o estado da ilusão. Perderiam toda a possibilidade de conviver com aquela fama e se assustavam só ao ver um caixão, um cemitério, um crematório ou coisas relacionadas. Eles não eram felizes e por isso se excediam em comportamentos querendo tudo em uma única encarnação. Muitos, quanto mais buscavam fugir da morte, mas ela se aproximava deles. E, quando um grande vulto do cinema deixava o corpo físico, era como se todos morressem um pouquinho. A relação era:

– Se este monstro consagrado morre o que será de mim?

– O que adianta a fama se não a levamos no caixão?

– Sou mortal. Imortal é apenas meu nome. Não estarei aqui para dar vida ao nome. Então não valeu a pena.

Voltei para o Brasil com muito material e de boa qualidade jornalística, porém com o coração muito apreensivo. Também pensei:

– Se personalidades mundiais do cinema ou não, morrem. O que será de mim?


Ali, naquela viagem onde fui à busca de sonhos e ilusões deparei-me com a realidade da morte. Nunca havia pensado nela. Estava com 45 anos e era muito novo para abraçar tal tipo de pensamento.

De cinéfilo profissional passei a amador e depois a mero espectador de fitas que trabalhassem apenas conteúdos psicológicos. Adeus épicos, adeus lembranças do passado, adeus vida de Maya. Fui à Índia e conversei com monges. Fiquei pouco tempo por lá. Havia trabalho aqui. Um dos monges me disse:


– Há pessoas que vivem fomentando a tortura da morte. Não seja você um deles, porque na verdade você está morto e não entende. Então, busque destronar de você esta tortura!

Entendi sim. Viver aqui apenas nas propostas que este mundo oferece é muito pouco, pouquíssimo. A morte é a verdadeira chave para a porta do mundo maior. Aqui, ensaios pequenos e nas mais das vezes recheados de temores. Lá a amplidão dos horizontes, dos conhecimentos superiores, das belezas que envolvem a alma num frenesi de harmonias.


Os épicos me prendiam. Agora me libertei deles. Quero ser novo e, sendo novo, preparar-me para o grande dia do retorno. Sei que necessitarei voltar muitas vezes ainda, como me confidenciou o monge, mas o farei mais amadurecido. Hollywood me mostrou o que não conseguia ver através da suas gigantescas e extasiantes produções que me extasiavam. Agora, vendo um filme, observo minhas emoções e sentimentos sem que eles me assaltem. Também entendi quando o velho professor que não está morto e sim vivo para os esplendores da vida real nos dizia:


A pessoa que não sabe ver é pior que aquela que não sabe ler ou escrever


“A agonia da ultrapassagem das limitações pessoais é a agonia do crescimento espiritual. A arte, a literatura, o mito, o culto, a filosofia e as disciplinas ascéticas são instrumentos destinados a auxiliar o indivíduo a ultrapassar os horizontes que o limitam a alcançar esferas de percepção em permanente crescimento”.
Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell


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