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Em busca da imortalidade VII

PRA QUÊ MORRER?


Um dia fui visitar um guru não oficial. Gosto mais desses. Os oficiais costumam ter uma carantonha muito fechada ou um sorriso enigmático no canto dos lábios que não me agrada nem um pouco. Era um domingo e como o próprio nome diz: o dia do senhor. Cheguei cedo, por volta das nove horas da manhã. O sítio distava uns sessenta quilômetros de onde eu morava. Era um local aprazível com árvores, grama, lagoa e muitos pássaros. Não sei por que, mas o meu guru tinha um dom especial de atrair pássaros. Quanto a mim era um barulhento corretor que fazia anúncios e mais anúncios exibindo e valorizando os produtos que desejava e necessitava vender. O mercado de imóveis é muito oscilante e quando conseguia uma boa venda tratava de fazer uma aplicação financeira que me garantisse em épocas de poucas vendas. Bem, essa pelo menos era uma atitude sensata, porque as outras...


Lá pelos meus vinte anos decidi que ganharia muito. Dinheiro, poder, mulheres, viagens e tudo o mais que surgisse e sempre regado a bebidas caras, daquelas que os magnatas consomem. Decidi também que só me alimentaria em restaurantes de alto padrão. Aqueles aonde só vão socialites ou pessoas que comandam o mundo. Era necessário fazer amizades promissoras. Juntar-se aos ricos podia significar ser um deles, Havia cansado de ser pobre e não me sentia nem um pouco orgulhoso de contar que havia nascido numa viela nalgum lugar escondido de uma metrópole tendo que catar papel na rua para ajudar minha mãe sustentar seus onze filhos. Não queria falar de pobreza, isso é coisa para os pobres. Estudei sim, disso não abria mão. Mas, não estudava para aprender e sim para receber diplomas e exibi-los em meus currículos. Formei em advogado, mas gostava mesmo era do mercado. Meu pai, aos 55 anos apaixonou-se por uma menina de 18 e lá se foi para o Caribe, em busca de uma aventura nas praias e nas propostas daqueles povos de pele morena, olhos grandes e muita dança e diversões. Era tudo o que ele queria. Nunca mais tivemos noticias dele.

Casar? Eu não. Casamento gera empecilhos, prisões, divisões. Não gostava disso. Nem mesmo a morena de cachos dourados que me convidou para tomar um sorvete num dia de intenso calor. Convidou-me para um compromisso mais sério, assim como ela, séria e de princípios morais altamente sofisticados. Ela desistiu de tentar algo comigo. Às vezes me arrependo, às vezes não. Não tive mais notícias dela. Creio que tenha se mudado em busca de um aprisco real enquanto que eu era apenas um casebre, ave estranha, não canora, sempre em busca do novo, esfuziantemente novo, diferente. Era preciso estar antenado com a sociedade!


Já estava com 45 anos e não tinha ficado rico e nem era pai, não tinha plantado uma árvore sequer e muito menos escrito um livro. Que descendência histórica deixaria quando morresse? Aliás, a morte começou a fazer parte dos meus pensamentos diários. Surgiu-me uma dúvida: será que eu estava me aproximando dela ou seria ela quem se aproximava de mim? Ou ambos? Isso me incomodava e qualquer pequena dor que fosse já imaginava ser o início de um grave tumor de proporções agigantadas. Eu bebia muito, virava noites jogando, fumando ou me relacionando com pessoas de baixo nível moral assim como eu, num cruzamento perfeito de vulgaridades mútuas. E o mais grave era que não abria mão daquela vida de auto estupro, auto sabotagem, auto aniquilamento físico e espiritual. Quando alguém tentava me alertar eu soltava a velha e conhecida frase e, no meu caso, recheada com o veneno das víboras:


– Da minha vida cuido eu. Cuida da sua. Falava raivoso, ofendido e desrespeitado!

Fra Agostinho, era assim que meu guru gostava de ser chamado, um dia me ligou:


– Preciso falar com você


Fra Agostinho tornou-se próximo de mim porque consegui fazer uma venda cruzada para ele. Possuía um belo apartamento e queria vendê-lo para adquirir o sitio onde morava. Os deuses do mercado indicaram-me com seus dedos longos, brancos e enrugado sonde se encontravam os favos e, assim, consegui o que ele desejava. Deste modo ficamos amigos.


Escolhi aquele domingo de maio para visitar meu amigo guru. Ao chegar ele me olhou com uma assustadora profundidade indagando-me:


– Para que morrer?


Fui pego de surpresa. O que responder? Fiquei paralisado, assustado, indignado. Não havia me deslocado de casa para ir até ele para falar de morte. Já andava muito assustado com ela. Naquele domingo tinha planejado outros regalos para minha alma em desterro, ladeira abaixo. Talvez até debochar daquela figura gurulesca, estranha! De novo ele perguntou:


– Prá que morrer?


Continuava sem entender nada quase que suplicando uma explicação para aquela maneira tão descortês de receber em casa uma vista num domingo pela manhã. Passou as mãos em meus ombros e me encaminhou para um local aprazível por debaixo de frondosas árvores, talvez seculares, a contar histórias nas sedimentações dos seus grossos troncos. Um inesquecível café da manhã me aguardava ali. As xícaras eram feitas das raízes de galhos e toda a refeição foi colhida ali no sitio, ou seja: maravilhosamente gostosa e saudável. Broas, bolos, cural, sucos... Tentei dizer alguma coisa enquanto me deliciava com tudo aquilo e ele me disse:


– Silencio. Respeitemos o momento. Nossos corpos assim exigem.


Eu comia em locais agitados, cheios de poluições de todo tipo, muitas vezes dando estridentes gargalhadas de piadas dementes onde a indignidade humana era posta na berlinda, enquanto negócios eram arquitetados, ganhos, lucros, promessas de encontros com aquela casada com tal. Encomendas de vinhos, uísque e outros venenos engarrafados, além da vasta tabacaria rica em atrativos. Falar mal da infelicidade alheia era o meu prato favorito. Acho que para justificar minhas próprias projeções inferiores e vis, vilanias contra mim mesmo.


– Morrer é bom.


Assim começou meu guru, mais tarde após nos acomodarmos num quiosque à beira do lago, ouvindo sons naturais daqueles pássaros em festa.


– Morrer é bom? Perguntei.


– Estranho, a vida é boa, pensei.


–Sim. A vida é boa falou Fra Agostinho lendo meus pensamentos e completou:


–Morrer, contudo pode ser melhor.


Olhei para ele como a pedir uma explicação e ele, remexendo seus guardados pessoais, ínsitos em suas experiências anteriores disse-me com brandura:


–Não há morte que resista a uma vida de lucros reais. A morte não terá sentido quando estivermos realmente vivos onde nos encontrarmos. Estar vivo num corpo físico representa uma pequena faceta da vida fora do corpo físico que muitos insistem em dizer que seja a morte. Há os vivos fora do corpo físico, nas dimensões espirituais, que temem a morte no corpo físico. Estar aqui representa apenas um lado da moeda. Viver buscando o entendimento da vida de lá significa elevados padrões de sabedoria. Há os que buscam a morte, estando aqui. Há os que estando aqui, preparam-se para vida que se encontra depois daqui. Em lá chegando já realizaram os pré requisitos para o alvorecer dos aprendizados que libertam a consciência. Morrendo um pouco aqui, a cada dia nas impuras sugestões do vil, do insano, significa intoxicar-se para chegar do outro lado necessitando tempo enorme para a destilação dos gases mortíferos que mataram o corpo. Aqui é apenas um dos meios para a vida que é de todos e a todos aguarda.


Eu me matava um pouco a cada dia. Quando morresse certamente iria necessitar de anos a fio para minha desintoxicação que já se mostrava numa tosse insistente, num andar quase cambaleante, numa visão dos erros, quase irresistível. Eu estava me matando e como seria minha vida quando deixasse esta vida? Tinha uma alternativa: acreditar no nada depois da morte. No sono profundo que nunca desperta.


– Então não valeria a pena viver. De novo Fra Agostinho leu meus pensamentos.

Um daqueles pássaros de penas escuras veio e ficou bem próximo de mim. Piou e se foi. Sempre soube que isso era prenúncio de morte. Quem iria ali morrer? Pensei. De novo Fra Agostinho, lendo-me disse:


– Você. O pássaro veio convidá-lo para a sua morte.


– Morte? Só tenho 45 anos!


– Isto, tempo bom e necessário para morrer. Sepulte para sempre sua vida de gozos terrenos impuros e ressuscite para quem você realmente é: filho amado e abençoado de Deus.


No capítulo sobre vida e morte saí dali pensando seriamente sobre para que morrer para a felicidade, para a paz e para a luz.


“O celeste é como o caminho. O caminho é eterno. Não temei o desaparecimento do corpo”. Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
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