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Em Busca da Imortalidade X

FANTASMAS EXISTEM?


A meninada brincava solta na praça que ficava na Gamboa, no Rio de Janeiro. Já estávamos nos aproximando das 6 da tarde. Hora do Ângelus. Sabíamos que quem não rezasse o Ângelus teria uma noite pecaminosa e assim os fantasmas tinham direito de fazer suas visitas em nossos quartos e até dormirem conosco, encostando em nós suas mãos geladas, seus pés cadavéricos e suas caveiras tenebrosas e assustadoras. Assim corríamos para nossas casas e íamos diretos para os oratórios pedir bênçãos para uma noite bem tranquila. As meninas, medrosas como sempre, chegavam lá pelas 5 da tarde e já iniciavam seus petitórios. Não sei se para serem protegidas durante a noite ou também para que a Santa Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo arranjasse para elas um ótimo moço para se casarem, porque moças encalhadas naquela época davam muito o que falar.


Eu tinha nove anos e minha vizinha de seis uma vez tentou me fazer jurar que iria casar-me com ela. Claro, segurança garantida. Não jurei, desaforo! E nem me casei com ela. Aliás, para minha felicidade ela foi embora para a Suíça quando tinha dez anos e deve ter se arranjado por lá, porque nunca mais tive notícias dela. Meados do século XIX no Rio de Janeiro fervilhavam as lendas de casas mal assombradas, de casarões da Tijuca sendo visitados por antigos donos já falecidos, da mula sem cabeça, do Saci Pererê, das fadas, duendes e ondinas que saiam do mar para visitar o pessoal que passasse por perto.


Não preciso nem dizer o quanto isso era assustador. Crianças não foram feitas para conviverem com essas coisas. Isso deve fazer parte só das vidas dos adultos. Assim pensava. Um dia meu vô Juvenal que morava lá em casa me pediu para ir à oficina buscar uma blusa que ele havia esquecido lá. Já eram 7 horas e estava um escurão de dar medo. Contudo, vovô era tão amigo e prestativo que não dava para negar um pedido dele. E lá fui descendo as escadas que davam para o porão onde ficava sua velha oficina. Ali tudo era velho. Tinha uma cadeira tão velha, de espaldar alto, que parecia uma estátua branca de tão esquisita e ficava bem atrás da porta de entrada como a vigiar quem chegava e quem saía. Peguei a lamparina e lá estava eu sozinho naquele amontoado de destroços pedindo ajuda para voltarem a funcionar. De repente virei o rosto e me deparei com um fantasma. Sim. Era um fantasma de verdade. Ele me olhava direto nos olhos e, antes que dissesse alguma coisa assombrosa, saí correndo e gritando, quase deixando a lamparina cair, o que poderia causar um grande incêndio.


–Vovô... Vovô... Tem um fantasma lá em baixo na sua oficina.


–Fantasma? Que fantasma é esse, Quinca?


–Tem, tem sim. Juro que tem. Olha como estou suado e tremendo até agora.


–Você foi ao oratório às 6 horas?


–Fui. Fui sim...


–E rezou direitinho?


Balancei a cabeça afirmativamente e sai correndo para o meu quarto e me escondi debaixo da cama para o caso daquele fantasma resolver me procurar e dormir comigo; Fiz de novo todas as orações que a falecida vovó tinha me ensinado, claro que com todo o cuidado de não pensar nela. Vai que ela resolvesse aparecer para me tranquilizar e me assustar muito mais ainda? O Nando tinha me explicado que devemos amar muito nossos familiares enquanto estão vivos para que eles não venham nos atormentar quando morrerem. E também que não devemos ficar de mal com os mais velhos que já estão mais perto de morrer. Se eles morrem de mal conosco pode ser que venham ajustar contas e aí a coisa fica muito preta. Preta de verdade! A melhor coisa era deixar a vovó lá pelas bandas dos mortos mesmos. Assim pesando, peguei no sono e tive um sonho.


Não era assim um sonho esquisito nem amedrontado. Eu estava na oficina do vovô acompanhado de um anjo com asas e tudo! Acho que as asas foram frutos da minha imaginação. O anjo pegou minhas mãos e me disse:


– Joaquim, eu amo você e você me ama e sempre estivemos juntos. Mas, agora eu fiquei e você foi. Mais tarde, quando você casar e tiver filhos eu vou renascer como sua neta e minha tarefa vai ser fazer muitas palestras explicando que não existem nem mortes e muito menos fantasmas. Existem pessoas vivas que voltam para casa e, de vez em quando, visitam os amigos que deixaram na Terra, assim como eu estou visitando você agora. Onde moro, estudo e me preparo para quando nascer novamente ser ótima filha e trabalhadora de Jesus.


Gente, leitores e leitoras, isso era para me fazer sair correndo do sonho e acordar feito tresloucado no meio da noite e ir correndo dormir no cantinho da minha mãe. Não acham? Pois é, só que não aconteceu nada disto. Eu estava encantado com aquele anjo e pedi a ele ou ela que me visitasse toda noite antes de dormir, mas que não fosse no sonho e sim de verdade. Eu queria ver seus olhos, seu sorriso, suas faces lindas. Ah, eu estava me apaixonando por aquela anja! Ela sorriu e disse:


–Joaquim, já pensou você apaixonado por um fantasma? Logo você, que morre de medo deles?


–Ah, mas você é um fantasma bem diferente, linda que só!


Peguei a mão angelical dela e coloquei sobre meu peito:


–Tá vendo como meu coração está acelerado?


Ela sorriu e me fez um carinho no rosto. Ah, ninguém sabe o que é receber no rosto o carinho de um anjo.


– Mas, Joaquim eu trouxe você aqui na oficina do seu avô para mostrá-lo uma coisa. Tá vendo o fantasma que assustou você?


Sim ,eu via o fantasma. Ainda estava lá e agora no meu sonho! Ah esses fantasmas não tomam jeito mesmo!


–Olha bem. Não é um fantasma e sim uma boneca grande estragada que seu avô vai consertar amanhã.


–Meu Deus, é só uma boneca e eu quase me sujei todo de tanto medo!


– Guarda bem o que vou falar para você: Não existem mortes ou fantasmas. Existem pessoas que viveram na Terra e depois retornam para suas casas. Você morava comigo na nossa casa lá na linda colônia espiritual. Agora você está aqui vivendo longe de mim porque precisa resolver um probleminha seu com outra pessoa. Um dia será meu avô, vai ficar bem velhinho e vai retornar para a nossa casa e eu também vou ficar bem velhinha e também vou retornar para a nossa casa e vamos continuar por muitos e muitos séculos, juntos e felizes!


–Amém. Foi a única coisa que consegui dizer para aquele anjo que foi sumindo, sumindo até desaparecer.


–Quinca, acorda menino. Tá na hora de buscar o leite.


Era minha mãe. Nunca contei meu sonho para ninguém. Só para vocês agora. Depois que me levantei, fiz minha higiene e antes de buscar o leite, tarefa minha, fui à oficina do vovô e lá estava ela, a boneca, do jeitinho que vi no sonho. Acabaram ali meus medos dos fantasmas e passei a dizer para todo mundo que eles não existem e que devemos sempre andar no caminho do bem que ninguém, nem vivo nem morto vai fazer mal para nós. Enquanto caminhava para buscar o leite pensava:


– Bem, agora é crescer, namorar, ficar noivo e casar e ter filhos e esperar que eles cresçam e se casem para que algum deles me dê uma neta.

Ah, como esperava por isso!


“A mente meditativa está unida na representação de mistérios, não com o corpo cuja morte é apresentada, mas com o princípio de vida contínua que por algum tempo o habitou e que durante este tempo foi a realidade revestida na aparência”. Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
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