top of page
  • Foto do escritorGRESG

Em Busca da Imortalidade XI

A NOITE QUE VIROU DIA


Era muito tarde da noite quando fui chamado ao quarto dos meus pais. Câmara sagrada que somente a eles pertencia. Daí que hesitei muito em atender. Porém, mamãe chamava-me insistentemente.


– Venha Lucas. Venha rápido. É preciso que veja isso!


Vesti rápido meu roupão e com muito cuidado bati na porta aguardando a autorização para nele penetrar. Não demorou muito. Ao entrar deparei com minha mãe, em pé, próxima ao leito. Estava toda iluminada. Um brilho esverdeado que a deixava ainda mais bela do que era. Vi papai deitado e dormindo profundamente. Mamãe dizia repetidas vezes:


– É lindo... É tudo muito lindo!


Mas, o que era lindo ali? Por que minha mãe se iluminara toda?


– Aproxime-se Lucas. Aproxime-se.


Obedeci, sem nada entender.


– Está vendo meu filho, estão desligando os laços fluídicos do seu pai.


– Quem? Que laços?


– Fiquemos em silêncio Lucas. É preciso silêncio neste momento. Ele é sublime e importante para aquele que está sendo desligado.


Não entendia nada. Desde menino optei pelas ciências exatas onde as expressões fora dos conteúdos materialistas não passavam para mim de mera ilusão ou mesmo tremendo desejo que existissem por parte dos aficionados do espiritualismo. Tinha lido Fritjof Capra, porém achei tudo muito confuso e estranho. E ali, a única coisa diferente era a luz de cor esverdeada que saía de minha mãe. O que seria aquilo? Fiquei observando-a. Parecia estar realizando alguma operação em meu pai. Mamãe era cirurgiã muito conhecida e procurada. Pensei: ela deve estar ensaiando para uma cirurgia que deve ser muito complicada e que a aguarda. Sim, os movimentos com os braços e as mãos eram muito semelhantes à de um cirurgião em serviço. Às vezes via com ela DVDs instrutivos sobre a prática cirúrgica. Só podia ser aquilo. Mas, e a tal luz esverdeada que a cada momento se intensificava mais?


– Lucas, estamos nos aproximando do fim. Continue em silêncio. Disse mamãe.


Certa feita, jogando futebol com meus amigos, senti forte torção no tornozelo direito. Fui mancando muito para casa e, em lá chegando, mamãe pediu para que eu me deitasse e ficou massageando o local atingido. Ela não utilizou de nenhuma pomada. Apenas fechou os olhos e ternamente afagou-me no local da dor. Não sei o que aconteceu depois porque dormi um sono calmo e reconfortante. Na manhã seguinte não havia mais dores. Perguntei a ela que remédio passou. Ela me disse sorrindo:


–Ternura materna, filho. Só isso.


Posso dizer também que certa vez ao entrar no escritório lá de casa flagrei-a lendo algo sobre bioenergia. Gostei do nome, mas não gosto dessas práticas. Olhei para ela como a interrogá-la e ela me disse:


– Medicina do futuro. Estou me preparando para ela.


– Mãe, medicina trata de anatomia, fisiologia, e seus encaminhamentos. Isso aí não tem esses conteúdos.


– Como não tem Lucas? Olha, este livro vai ficar aqui sobre a mesa. Depois dê uma olhada.


Não. Não dei a tal olhada mesmo porque estava muito ocupado com minhas pesquisas, com a geometria analítica e os sistemas de coordenadas e dos princípios da álgebra e da análise proposto por René Descartes. Isso sim me interessava e muito. Mas bioenergia era muito abstrato para a concretude das minhas buscas.


Ali, aquele quarto, naquela noite recebeu-me de volta dos meus pensamentos e percebi que mamãe estava ainda mais iluminada. Agora não só o verde, mas também um azul celeste e fios dourados que pareciam entrelaçar o verde com aquele azul. Mamãe começava a sumir naquela teia multicor. Fiquei muito assustado. Tive vontade de sair dali, correr, buscar um lugar menos confuso para mim. Ao tentar fazê-lo mamãe fez um leve gesto com as mãos significando: fica! Outra coisa que percebi também que agora não só ela, mas o quarto também começava a se iluminar. E ficava tudo cada vez mais maravilhoso. Nada ainda havia conseguido me extasiar que não fosse meus estudos das ciências exatas. Mas, ali, confesso que as lágrimas começaram a brotar dos meus olhos. Alguém me disse e não foi minha mãe, disso tenho plena certeza:


– Chore Lucas. As vibrações superiores quando nos visitam mostram-nos a pequenez da qual ainda somos portadores e, como somos filhos da luz, sentimos ali, o quanto necessitamos peregrinar para sermos totalmente luzes, como muitos são ou estão a caminho de forma desperta.


E foi tudo muito rápido, uma fração de segundo apenas e pude apreender a informação como se ela encontrasse vias em meu ser para chegar rápido ao coração, alojando-se nele. Daí, mais chorei sem soluçar para não quebrar a harmonia do momento. Respirei profunda, mas silenciosamente e deu tempo para visitar minha infância, quando, minutos antes de minha irmãzinha Juliana morrer, senti forte sensação de alívio e ela me olhou, sorriu e disse:


– É assim mesmo que acontece!


Não entendi nada. O alívio que senti deve ter sido o de saber que mamãe em fim poderia dormir, já que passara muitas noites em claro com Juliana durante seu processo de meningite. Minha irmã tinha cinco anos quando morreu.


E por que eu me lembrei da morte da Juliana? De repente comecei a sentir a mesma sensação de alivio. Olhava mamãe, ou melhor, tentava olhá-la porque ela praticamente sumia naquela efusão de luzes e cores tão intensas que o quarto, às duas horas da madrugada estava parecendo dia.


– Pronto Lucas. Desligamos os laços. Aproxime-se filho.


Meio estranho, temeroso, incrédulo, sem jeito ou sem graça aproximei-me do leito ainda inundado de luzes e cores. Papai dormia suavemente. Foi quando mamãe pegou minha mão colocando-a sobre o peito de papai.


– Sente o coração dele bater?


Não. Eu não senti o coração do meu pai bater como nunca mais bateu. No dia seguinte, após o sepultamento do corpo mamãe me disse:


– Lucas, morrer é assim, retornar para a luz, de onde viemos. Voltamos como aqui vivemos e continuaremos a viver como seres individuais que somos. Seu pai cultivou a luz através dos seus atos em função do bem permanentemente e nada mais justo que a luz o tivesse buscado.


– Mas, e a senhora? O que fazia enquanto as luzes fizeram da noite um dia?


– Como sabe, sou cirurgiã e os que estão morrendo necessitam cirurgiões para ajudá-los a deixar a casa temporária do corpo físico. Seu pai teve um aneurisma e me pediu ajuda. Eu só o auxiliei e a Juliana, agora moça vistosa e terapeuta no além, foi quem realizou todo o trabalho.


Quanta coisa entendi ali. Morrer é nascer para a vida. Assim são os números que morrem após a equação ser definida, para surgirem numa equação além...


Foi assim que iniciei minha tese de doutorado quando me referia à incrível dança dos números que dão forma à vida e ao Universo.



“O dançarino cósmico não se mantém pesadamente no mesmo lugar; mas com alegria e leveza, gira e muda de posição. É possível falar apenas de um ponto por vez, mas isso não invalida o que se percebe dos demais”. Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
9 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page