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Eternos Peregrinos - Capítulo 2

Flores Celestiais

Finalmente Ana Lúcia resolveu encontrar-se comigo. Fazia tempo que observava aquela moreninha de olhos verdes e cabelos longos. Tudo nela era bonito, porém o que mais me encantava era o sorriso. Aquele sorriso sempre dizia alguma coisa. Demorou muito para que ele fosse dirigido a mim. Era um jovem requisitado por muitas garotas. Podia mesmo escolher, mas meus olhos estavam focados em outra e que nem estudava no mesmo colégio que eu. Pior, era vizinha e eu ficava observando seus passos, suas saídas e chegadas. Estudava duas línguas além de fazer natação e ginástica olímpica. De forma que saía e chegava várias vezes ao dia, na semana e costumava também sair às noites na companhia dos pais.

Eu queria estar com ela, sair com ela, leva-la para tomar sorvete, passear em algum lugar que ela gostasse. Quem sabe o cinema, teatro... Mas a menina estava sempre séria e quase não me percebia. Porém um dia fui convidado para ir a um aniversário de quinze anos. E ela estava lá. Era a minha chance. Ficava sempre assentada e não dançava. Estava linda. Vestida com simplicidade, mas com critério e não se expunha como as muitas outras que se encontravam ali. Conversava com um senhor e, atenta, ouvia o que aquele homem dizia. Também era ele muito sério e conversavam animadamente parecendo ter a mesma idade. Tomavam refrigerantes e alimentavam-se com cuidado, sem excessos. Eu tinha que arranjar uma maneira de aproximar-me.

Minha tia Sueli conhecia a mãe dela então pedi à minha adorada titia, muito importante naquela hora, para ajudar-me. Claro que mulheres descobrem caminhos onde muitos de nós, homens, não vemos trilhas. Em pouco tempo lá estava eu junto àquele seleto grupo. Fui apresentando àquele senhor que era um tio de Ana Lúcia, residente em outro país e que estava a serviço da rede de TV para a qual trabalhava. A menina tratou-me muito bem. O difícil era acompanhar os assuntos que discorriam. Nunca poderia imaginar que ela gostasse de física, matemática ou qualquer daquelas matérias das exatas. Com certeza preparava-se para a engenharia. Tudo bem. Não me importaria. Sempre achei que mulheres devem seguir outras profissões, mas em se tratando de coisas do coração, abrimos exceções.

Aquele foi o melhor aniversário que tinha ido e eles me admitiram naquele círculo e me fizeram seus amigos e conversavam sobre meus ideais. Disse, em dado momento, que queria mesmo ser astronauta e caminhar pelo espaço. Foi ai que Ana Lúcia sorriu-me.

– O aventureiro de sempre! Disse olhando para o tio.

Aventureiro? Eu? Nunca havia confessado a ninguém aquele desejo remoto. Acho mesmo que o falei apenas para impressionar. Não deixaria meu país para seguir estudos em outras universidades. Gostava e gosto muito daqui. Porém, aquele momento impensado abriu caminho entre eu e Ana Lúcia e foi no término daquela festa que combinamos sair na noite de segunda feira.

As dezenove e trinta lá estava eu defronte sua casa. Dali a pouco apareceu sozinha.

– Vamos. Disse-me.

– Aonde vamos? Perguntei. Claro que minha mãe dobrou a mesada antecipando-a.

– Confie em mim.

E saímos conversando. Não sabia se pegava sua mão ou se passava meu braço por sobre seus ombros ou se apenas caminhava a seu lado e nem mesmo sabia que assunto falar. Enquanto pensava ela disse:

– Como gosto da minha juventude!

– Você só faz o que gosta?

– Não. Faço muito mais além.

Ana Lúcia falava por cifras, enigmas, símbolos, sei lá. Falava e calava. Acho que não aguardava respostas e sim deixava que sua voz ecoasse em sua mente ou coração. Depois voltava a dizer alguma coisa e permanecia pensando. Enfim chegamos defronte a um prédio branco denotando simplicidade.

– Chegamos. Vamos entrar.

Que lugar era aquele? Não foi difícil perceber que se tratava de uma igreja ou qualquer templo religioso. Era conhecida, pois muitos a cumprimentaram. Principalmente os mais velhos. Ana Lúcia aproximou-se de respeitável senhora de cabelos grisalhos.

– Dona Conceição este é o Eduardo.

As duas se olharam profundamente. Havia cifras naqueles olhares. Um leve sorriso escapou dos lábios daquela senhora e vi que Ana Lúcia deixou escapar uma lágrima. Depois ambas se abraçaram e dona Conceição afagou seus cabelos. Depois dirigiu-se a mim:

– Seja bem-vindo à nossa casa, Eduardo. Jesus espera por você.

– Jesus?

– Sim, meu filho. Ele aguarda sua chegada para um trabalho.

Não entendi nada. Como Jesus iria chamar-me. Eu nem era tão íntimo assim da Bíblia e tinha desejos comuns de todo homem. Jesus era casto e eu não desejava seguir este caminho. Odiava a idéia do celibato. Queria casar ter mulher e filhos, depois netos e morrer rodeado deles. Enquanto pensava Ana Lúcia pegou minha mão e levou-me até uma cadeira que se encontrava vazia, assentou-se em seguida ao meu lado. Ela pegou minhas mãos, pude notar a suavidade da sua pele e já estava absolutamente tocado pela ternura do seu olhar e do seu sorriso indescritível. Dali a pouco dona Conceição dirigiu-se para uma mesa que se encontrava na frente e, pedindo silêncio, fez uma prece. Parecia que meu corpo todo se iluminou e pude ouvir a respiração daquela menina e até seu hálito perfumado enquanto repetia baixinho a prece daquela senhora. Senti-me livre daquele corpo e saí dele e comecei a andar por aquele salão e o vi repleto de pessoas que me olhavam sorrindo. Eram homens e mulheres vestidos de forma diferente. Usavam roupas de ir a festas dos salões palacianos. Eram belos e transmitiam luzes. Um deles aproximou-se de mim e disse:

– Que bom Eduardo. Enfim nos encontrou.

Depois caminhei por entre todos e fui próximo à mesa onde se encontrava dona Conceição ainda em prece. Atrás dela estava um senhor belíssimo com as mãos espalmadas por sua cabeça. Estava de olhos fechados e senti uma necessidade enorme de olhar para Ana Lúcia. Lá estava ela, contrita em prece, enquanto que o outro Eduardo estava a seu lado de olhos fechados.

Terminada aquela oração, outro senhor tomou a palavra e abrindo um livro que se encontrava sobre a mesa começou a ler uma parte da Bíblia que eu já ouvira algum dia e dizia que eram abençoados os mansos porque herdariam a Terra. Aquilo era muito confuso para mim de sorte que outro senhor se aproximou e convidou-me a um passeio. Saímos e ele me mostrou uma pétala de rosa totalmente diferente das que conhecia.

– Está vendo esta pétala? Ela foi desfolhada e precisa encontrar sua rosa.

– E o que ela tem que fazer? Perguntei.

– Atrair a rosa para si. Respondeu.

– E onde está a rosa?

– Dentro do seu coração. Um dia você desfolhou-se e agora precisa rejuntar-se.

– E o que tenho que fazer?

– Ana Lúcia é rosa completa e ela o ensinará.

Quando terminou de falar, senti um leve torpor e acordei ali, próximo àquela menina de apenas dezesseis anos. Eu tinha dezessete. Percebi que as nossas mãos continuavam unidas e ficamos assim de mãos dadas e vi que tudo nela era a representação da rosa e que suas mãos eram suaves como pétalas.

Ana Lúcia despediu-se de nós aos setenta e cinco anos. Tento ainda rejuntar outras pétalas que ela sabiamente ensinou-me como fazer. Bendita casa espírita. Bendita noite. Bendita mediunidade. Bendito Evangelho. Hoje tenho filho e netos e, com certeza, desencarnarei rodeado por eles. Benditas flores que se desprendem dos jardins celestes para unir pétalas desfolhadas. Bendita oportunidade de renascer. Obrigado Ana Lúcia. Obrigado a você que já pertencia ao reino dos redimidos e que veio apenas para reconduzir-me ao caminho correto da vida. Demonstrações assim de amor, de sacrifício e renúncia nos mostram como somos protegidos e amparados pelas Divinas Leis de Deus.

“O bem que distendemos pelo caminho é eterna

semente de luz que plantamos no solo do

futuro, por onde um dia chegarão

nossos pés.”

Victor Hugo

Parias em Redenção, FEB, 2004 – L. 3 Cap.8

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