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Eternos Peregrinos - Capítulo 1

Quatro Almas, Quatro destinos.

Estava tudo acertado. Renasceriam e cada qual deveria cumprir o seu papel. Na escola de preparação da espiritualidade aquelas quatro entidades haviam recebido o aval para o retorno. Seria mais uma encarnação difícil, pois que reencontrariam velhos desafetos, contudo, construídos por elas próprias.

O ano era de 1972. Numa grande metrópole brasileira quatro estudantes se reuniam para as devidas despedidas. Haviam terminado a faculdade e deveriam, cada qual, seguir o seu rumo. Desde crianças estudaram juntos. Mariana e Celso viveram uma intensa paixão adolescente. Carlos e Nilcéia preferiram ouvir músicas e tão somente estudar e crescer e sonhar. As escolhas profissionais foram totalmente diferentes. Mariana, médica. Celso, veterinário. Carlos, administrador e Nilcéia, advogada. Naquela noite deveriam se despedir. Todos haviam conseguido trabalho só que em locais totalmente diferentes, em cidades e circunstâncias opostas.

O romance de Mariana e Celso terminou quando Mariana encontrou Ricardo, estudante de medicina e formado com ela. Havia se casado fazia poucos meses e preparavam-se para exercer a medicina em pequena cidade no norte do país. Celso, ainda triste pela perda de Mariana, conseguiu trabalho numa próspera fazenda de Mato Grosso. Carlos aceitou o convite de um tio empresário e foi para o sul trabalhar com ele e Nilcéia permaneceria na capital exercendo a advocacia no escritório do pai do seu namorado.

Quatro almas, quatro destinos. O que encontrariam elas pelos seus caminhos? A Divina Providência nos coloca assim, pares e passos que necessitamos. Os pais daqueles jovens deram-lhes a carta de alforria e lá se foram cada qual para o seu canto, cada qual escrever a sua história.

– Doutora, tenho um grave problema.

– Qual é?

– Estou grávida.

– Isto não é problema.

– A senhora não sabe, doutora, o que é ter filho nesta pobreza daqui...

– Celso, a vaca está melhorando.

– Ela vai ficar boa, o senhor vai ver.

– Tomara. Aquela vaca é como se fosse minha filha!

– Carlos, por favor, veja para mim as planilhas de custo daquela nova fábrica.

– Sim, tio. Vejo num instante.

– Vamos progredir muito, meu sobrinho, muito...

– Excelência, meu cliente não deve todo este valor.

– Então me traga as provas. Processos precisam de provas.

– Mas, as provas apresentadas pela vítima são contestáveis...

– Dra. Nilcéia a justiça se faz através provas donde se pode concluir.

E cada qual cumpria seu papel social. Dois anos se passaram. Todos estavam perfeitamente adaptados às suas funções. Correspondiam-se por cartas ou telefonemas, contudo, cada vez mais se distanciavam. Novas amizades surgiram, novos fatos vieram enriquecer ou conturbar suas vidas. Mariana estava grávida. Seus pacientes enchiam sua casa de presentes. ​Eram roupas confeccionadas por mãos de fadas daquelas rendeiras. Cestos de vime para berços ou local de repouso. Promessas de doação de frutas, legumes e verduras. O rebento de Mariana seria mesmo muito bem recebido por ali. E tudo estava em paz na sua casa com seu marido muito amado. Carlos aprendia sempre e sempre a magia dos negócios com seu tio. Às vezes questionava a faculdade. Seu tio apenas sabia ler e escrever e fazer contas. E como as fazia bem! Celso havia aberto uma clínica veterinária e agora não atendia somente aos animais da fazenda e sim a toda uma comunidade de cães, gatos, papagaios, suínos... Nilcéia tornou-se excelente advogada de tribunal devido ao seu grande poder de convencimento e sua fala desenvolta e clara. Havia se casado com o dono do escritório, mesmo sendo ele um pouco mais velho que ela e pai do antigo namorado. Reencontros são assim mesmo. Nem sempre acontece o que prevemos. Celso também encontrou uma jovem, apaixonou-se e já era pai. Ela o fazia lembrar uma antiga camponesa dos idos da idade média. Carlos achou por bem conservar a fortuna familiar e acabou casando-se com sua prima, Auxiliadora, filha do seu tio.

O tempo passa. As encarnações são rápidas e tudo precisa acontecer num lapso muito curto. Vejam bem: infância, juventude e maturidade, depois a velhice. São quatro tempos onde aquelas quatro almas necessitariam cumprir seus destinos. Normalmente a vida nos dá oportunidades para nos prepararmos, depois...

– Mariana, você matou o meu filho!

– Carlos, minha filha se matou por causa da morte do cachorro que o senhor não cuidou direito!

– Celso, onde está o dinheiro que lhe entreguei para o pagamento dos empregados?

– Nilcéia, vou processá-la por desacato a autoridade e apropriação indébita.

Turbilhões de coisas começaram a acontecer nas vidas daquelas pessoas.

– Dona Marta, sua filha tinha leucemia. Fiz o que pude...

– Afonso, eu avisei que o cachorro não ia resistir. Ele estava muito velho e doente. É natural.

– Tio, eu fui roubado. Já fiz a ocorrência policial. Não fiquei com o seu dinheiro.

– Senhores, por favor, apenas estou cumprindo o meu papel de advogada. Necessito palavras para defesas e dinheiro para as custas. Não apropriei nada de ninguém. Marlos emprestou o dinheiro e agora nega.

O marido de Mariana resolveu fugir covardemente. Aproveitou a oportunidade e saiu com Jane, antiga paciente com quem mantinha relações extras conjugais. A antiga camponesa de Carlos encontrou velho soldado medieval e alistou-se na cruzada contra os bons costumes sociais. A prima do Celso não acreditou na versão do marido e o taxou de ladrão e o abandonou e Nilcéia foi presa e cumpriu pena. Resta ainda saber sobre o filho de Mariana que nasceu paraplégico e cego. O filho de Carlos com a camponesa tinha hábitos de namorar meninos e isto muito o entristecia. Nasceu ainda uma filha de Nilcéia. A menina tornou-se alcoólatra aos doze anos e depois toxicômana e prostituta. Celso e Auxiliadora não tinham filhos, mas haviam comprado uma pequena propriedade e agora ele não tinha como terminar de pagar e pensava em vender, porém a prima, mais esperta, ganhou os direitos sobre ela na justiça, claro, orientada pelo pai.

Quatro almas, quatro destinos em desalinho. Estavam desnorteados, contudo resolveram antigas questões reencarnatórias. Eram passados todos eles dos sessenta quando se reuniram novamente.

– Estranho, depois de tudo sinto-me aliviada. Disse Mariana, cujo filho morreu ainda menino.

– Lembram-se dos nossos sonhos adolescentes? Eram bem diferentes do que nos aconteceu, disse Carlos, que conseguiu pagar centavo por centavo a dívida da antiga propriedade.

– A verdade é que amadureci muito nos anos que passei presa. Como precisamos melhorar o sistema carcerário neste país. Vou lutar por isto, disse Nilcéia, órfã da filha morta por overdose.

– Sofri muito nesta minha vida, uma coisa, porém aprendi: sempre há uma explicação para tudo. O suicídio daquela criança por causa do cachorro morto me fez ver como nossas emoções estão enlouquecidas. Luto muito para melhorar as minhas, disse Celso olhando para o infinito.

Naquela noite não beberam como de costume. Houve um instante de paz e concórdia, harmonia e sonhos. Mariana deu as mãos a Celso e depois se beijaram. Nilcéia olhou para Carlos e lhe disse olhando nos olhos:

– Sempre te amei, porém não me olhava!

Carlos abraçou sua amiga de infância, a menina querida dos seus sonhos adolescentes e que nunca houvera tido coragem de falar. Reviu-a correndo pelos jardins da sua casa e lembrou-se do dia em que lhe comprou um sorvete e o aproximou dos seus lábios e o sorvete separou suas bocas que bem podiam estar unidas.

Aquelas quatro almas haviam finalmente encontrado seus destinos, estavam livres e podiam brincar com o azul do mar, par com par. A reencarnação lhes ensinou isso e tudo voltou, depois de ter cumprido o seu tempo.

“Cada espírito é um mundo vivo com movimento

próprio, atendendo às causas que criou para

si mesmo,no curso do tempo, gravitando

em torno da Lei Eterna que rege a

vida cósmica.”

Irmão Jacob

Voltei, FEB, 2005 – Cap.17

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2 Comments


geira
Sep 15, 2020

Shirley, o segundo capítulo trata de ternura e ajuda. Renunciar para elevar a quem amamos. Aguarde. Abraços Guaraci

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shirleyperisse
Sep 10, 2020

Gostei muito do cap I . Esperando o próximo !

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