Perguntas e Respostas
A bela senhora caminhava soberba pelos jardins da sua mansão. Nada lhe faltava. Desde criança teve criados e serviçais à disposição. Quarenta e cinco anos de total liberdade, quarenta e cinco anos de absoluta convivência com o ouro, o poder e os mandos. As doenças se amedrontavam ante sua presença, de sorte que nunca havia tomado remédios. Participava dos ofícios religiosos sem neles depositar atenção. Os rituais cansam, as cerimônias são longas e os cantos muito tristes. Não suportava os sons que vinham dos órgãos e muito menos a voz daquela soprano quanto cantava a “Ave Maria”. Dava-lhe a impressão que sua garganta iria explodir.
Senhora Santa, este era o nome daquela mulher. Com certeza seu pai desejava que a filha já nascesse com a aureola da santidade e por isto mesmo colocou aquele nome ao ver a menina tenra, pequena, transmitindo pureza. Não, ninguém tinha muito que reclamar dela. Era atenciosa com todos e ria e se divertia com as peripécias dos filhos dos empregados. Claro que não os tocava e dispensava seus afagos de criança. Um professor de línguas e outro das matemáticas ensinaram-lhe a ler e fazer contas. Somente o bastante para não ser considerada analfabeta e para folhear os livros importantes que seu pai comprava para enfeitar a biblioteca. E todos se maravilhavam daquelas estantes repletas de livros.
A vida era mesmo muito gostosa. À mesa os sabores refinados da fidalguia vigente faziam crescer os olhos e a barriga de Mdme. Santa. Deliciava-se com as carnes, os risotos, as tortas, doces, compotas, queijos e por aí vai. Depois, uma serva atenta penteava-lhe os cabelos, fazia suas unhas, escovava seus dentes e esfregava suas costas. Um dia, Sula, a serva, encontrou um pequeno caroço pouco abaixo do pescoço da Mdme. Apertou-o suavemente para ver se aquela senhora sentia algo. Nada. Mdme. Santa continuou quieta folheando sua revista de modas.
– Este. Quero este modelo para o casamento da Priscila. Agora só falta escolher os sapatos.
No dia do casamento da Priscila, Sula percebeu que o caroço havia aumentado um pouco e começava a endurecer. Toco-o novamente e Mdme. Santa não sentiu nada a não ser leves cócegas que a fez rir. Quando saiu, Sula foi procurar sua mãe e comentou com ela o que estava percebendo.
– Filha, cuide apenas do seu trabalho. Não se envolva demais com os patrões. Eles não gostam.
Sula desejava casar-se com Mariano. Aguardava apenas completar dezesseis anos como havia combinado com seus pais, por isto resolveu acolher o conselho materno e não dizer nada do que estava vendo na Mdme. Numa noite, Sula acordou assustada. Estava num local diferente. Haviam muitas camas brancas e pessoas deitadas nela. Uma senhora de cabelos cacheados, transmitindo sabedoria e paz aproximou-se dela.
– Que bom vê-la de novo aqui. Como está indo na nova vida?
– Nova vida? Eu só tenho uma. A que vivo.
Nádia, a senhora, deu leve sorriso, abraçou Sula e a convidou para um passeio pelo parque. Lá chegando, Sula pode ver o tamanho daquele prédio. Era muito grande e continha muitas janelas, muitas portas, torres e, de repente, tudo começou a ficar muito familiar para ela. Tomou as mãos de Nádia e perguntou:
– Que lugar é este?
– É um hospital. Aqui tratamos doentes da alma.
– E o que eu estou fazendo aqui? Não estou doente!
– Sim, Sula. Seu corpo ainda é novo. Agora, quanto a sua alma...
– O que tem a ver meu corpo e minha alma?
– Um é morada temporária da outra.
– Mas, o que eu vim fazer aqui?
– Relembrar.
– Relembrar o que?
– Você trabalhou muitos anos neste hospital. Era alegre, companheira e atenta. Formou-se em enfermagem espiritual e fez muitos amigos. Um dia encontrou, numa das enfermarias, antiga conhecida de muitas aventuras. Era portadora de sérias enfermidades e por muito tempo você tratou dela, até que a chamaram para novas experiências na crosta da Terra. Sua conhecida implorou que fosse com ela.
Nádia não precisaria dizer mais nada. Sula recobrou um pouco da sua memória e viu quem era Mdme. Santa.
– Mas somos diferentes. Ela é patroa e eu simples empregada.
– A quem ela confia o corpo para ser tratado?
Sim, nenhuma outra pessoa havia antes penetrado o quarto daquela senhora e tocado em seu corpo.
– E o caroço? Perguntou Sula.
– Ele vai crescer. Ainda é tempo para ser tratado e curado. Para isto, nossa enferma necessitará ajuda permanente. Ficará acamada, perderá a vontade e a alegria de viver. Provavelmente vai blasfemar contra Deus e tentará por fim ao próprio corpo que para ela vai se tornar um fardo pesado e amargo.
– E quem vai ajudá-la?
– Vocês acertaram isto aqui antes do retorno.
– Mas, para tanto terei que renunciar a tudo o que desejo?
– Você diz Mariano?
– Principalmente ele.
Nádia fechou os olhos e suspirou fundo. Seus pensamentos voaram pelas vias da memória. Depois pegou levemente as mãos de Sula e carinhosamente lhe falou:
– Já pensou na renúncia de Jesus quando assumiu vir até nós?
– Mas, renúncia a que?
– O Mestre vive em dimensões inacessíveis aos nossos entendimentos. Numa comparação singela e pobre poderia dizer que a distância entre Ele e nós é a mesma que a de nós e um pequeno inseto que voeja à busca de sobrevivência. No entanto, vestiu-se de inseto para nos ensinar a criar corpos e asas maiores e transitar, com Ele, pelas dimensões do infinito, onde também é Mestre e Senhor.
– Eu só tenho quinze anos e sonhos de ser esposa e mãe.
– O desejo de Jesus é o de viver permanentemente ao lado do Pai, e desceu às cavernas escuras das nossas dores exatamente para nos curar. Vá minha filha, Mdme Santa necessitará muito de você. Seja para ela a amiga, a confidente, a enfermeira, a santa que nossa irmã ainda não é.
– E por que eu?
– Menina, guarde suas perguntas para quando as respostas puderem aparecer. Muitas vezes nos perdemos nas perguntas e deixamos o tempo passar. Ele passa e não nos preparamos convenientemente para recebermos as respostas que a vida sabiamente nos reserva. Ame, trabalhe e sirva. Este é o seu momento. Haverá outros em que poderá embalar-se nas venturas dos seus desejos realizados.
Sula despertou no corpo. Era manhã. Daquele dia em diante, apesar de não ter entendido o porquê de tudo, abraçou sua tarefa e ficou ao lado de Mdme, Santa até o dia em que a mesma retornou à pátria espiritual acometida de um mal que medicina alguma pode identificar. Houveram sofrimentos, imprecauções, angústias, perguntas e desânimos e Sula foi-lhe a companheira fiel.
Estão hoje ambas na espiritualidade. Mariano retornou às zonas infernais de onde havia saído. A encarnação pouco lhe valeu, ainda não estava pronto para Sula. Esta, por sua vez, aproveitou a sua e estendeu seu amor. E agora, Santa e Sula, irão encontrar-se com o diretor daquele hospital. Certamente ele vai entregar para ambas as respostas a todas as suas perguntas.
Assim é. Nossas perguntas, nossas respostas. Nossos tempos, nossos crescimentos.
“Ajudar não é impor. É amparar, substancialmente, sem pruridos de personalismo, para que o benefício cresça, se ilumine e seja feliz por si mesmo..”
André Luiz
Agenda Cristã - FEB - 2005 –Cap. 28
André Luiz, quantas vezes fiquei encantada com a procura dele incessante de conhecimento. Mais uma vez , maravilhada agora com esse texto que me respondeu um questionamento recente. Uma vez me disseram que o Mestre se apresenta quando o discípulo está preparado. Aprendendo que temos que não deixar dominar nosso ego. Tem vezes que ele é tão forte! Recebemos muitas bênçãos da vida mas às vezes não entendemos. Mensagem linda!