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Eternos Peregrinos - Capítulo 14

A Estranha Moça de Chico Pena

Chico Pena era criador de porcos. Sabia que a Bíblia fazia sérias restrições aos suínos, contudo eles davam a Chico muitos lucros. Criava-os com raízes e pouca ração. Era, por isto, também excelente agricultor de raízes. Dizia sempre que as rações existiam para facilitar a vida dos criadores, mas que o bom mesmo era o alimento puro, oferecido pela natureza. Recolhia os restos alimentares de algumas casas de conhecidos. Era o faxineiro daquelas residências. De vez em quando oferecia um leitãozinho para ser assado em ocasiões especiais. Assim, sua vida foi passando e foi cada vez mais se enriquecendo.

O dinheiro era guardado numa agência financeira recém inaugurada na cidade. Estava seguro, acreditava. O ruim era que os funcionários tinham acesso à sua conta, seus depósitos e sabiam, pois, do quanto tinha guardado. Temia que eles dessem com a língua nos dentes e que toda aquela cidade ficasse sabendo dos seus recursos acumulados. De vez em quando aparecia uma jovenzinha dos seus quinze anos na casa do Chico Pena. Pernoitava por lá uns três a quatro dias e depois ia embora. Com a mesma mala que chagava, saía. Porém, nem todos a via chegar e sair. O criador de suínos era solteiro, já um pouco envelhecido, e aquela presença feminina e juvenil, com certeza, aguçava a curiosidade de muitos. Quem seria ela? Donde vinha e porque esta intimidade toda com aquele homem sujo, calado e criador de porcos? Os porcos vivem numa sujeira tremenda e a moça era bonita, vistosa e muito limpa. Um contraste que Chico Pena não percebia e nem se incomodava.

Ninguém tinha coragem de perguntar. Na última visita, Sandro Meira, de vinte anos e filho de rico fazendeiro, até que deu umas olhadas para a pequena. Ela o olhou e sorriu, depois desapareceu por detrás daquela janela interminavelmente fechada. Sandro Meira era a esperança daqueles curiosos. Deveria ele aproximar-se dela quando da próxima visita e desvendar o mistério que já atormentava a muitos.

Passados meses eis que a menina retorna. As esperanças reacendem. Sandro Meira encontrava-se num torneio de gados, famoso por aquelas bandas. Um emissário foi designado para informá-lo da chegada da menina. Com certeza o galante menino tinha quantas pequenas desejasse e, principalmente naquele torneio. Os torneios estão sempre fartos de caça maridos ou caça aventuras. Ao saber, contudo, o jovem herdeiro arriou seu cavalo predileto e deu pressa em retornar, para a alegria geral. Chegando à cidade aproximou-se da conhecida casa e, como sempre, as janelas encontravam-se fechadas. Desta vez até parecia que haviam sido lacradas.

– A menina está mesmo lá dentro?

– Claro que está. Vi quando ela chegou e não saiu mais.

– E como sabe que não saiu?

– Ficamos de tocaia. Eu, Maricas e Gorda Menina. Cada uma ficava seis horas vigiando. A menina entrou e não saiu mais.

– E o Chico Pena, onde está ele? Está lá dentro com ela?

– Ora, claro que não! Continua a cuidar dos seus porcos e a vender e depositar na agencia financeira o dinheiro arrecadado. Deve de estar muito rico!

– Pode ser que a menina esteja preparando o seu futuro, falou Gorda Menina mastigando um rolo de fumo.

– É. Nada é impossível, pensou Sandro Meira.

Aquele jovem inexperiente fez-se presa daquelas velhas senhoras raposas e elas lhe traçaram o plano. Um plano perfeito, infalível. Na manhã do dia seguinte, um emissário dos Meiras apareceu na casa do vendedor de porcos e deu-lhe extenso recado. Chico Pena entrou para sua casa. Uma hora depois saia com pequena mochila contendo coisas. Pronto, o caminho estava livre. Chico Pena não iria retornar tão cedo. Então a ação seguinte era o ataque. Sandro Meira esperou pacientemente que o dia declinasse e já as primeiras estrelas surgiam no céu quando foi ter à casa onde se encontrava a menina. Bateu na porta. Ninguém atendeu. Chamou, não obteve resposta. Começou a se irritar. Bateu com mais força, gritou mais alto e nada! Nenhum som vinha de dentro da casa.

– Continua. A menina tá aí dentro. Gritou dona Maricas, de nariz de verrugas.

Muitas batidas e gritos e nada. A casa era deserta. De dentro não vinha nenhuma réstia de luz que saísse pelas frestas das portas e janelas. Só restava um jeito: arrombar a casa. Mas isto criaria problemas com a polícia e os Meiras não suportavam encrencas policiais. Sandro Meira teve então uma idéia, compartilhada com as três raposas felpudas. Subiria no telhado e entraria por cima, pelo forro. Gorda Menina tinha uma velha lanterna que trouxera do arraial do Sobragê quando seu falecido suicidou por não suportar mais sua presença detestável. Um menino de mandados foi até a venda do seu Agostinho e trouxe as pilhas. A lanterna, mesmo velha, funcionou e Sandro subiu numa escada que estava descansado nos fundos daquela casa. Calculou que o local escolhido dava para a cozinha. Destelhou aquela coberta e foi ter num velho forro quase caindo de podre. A lanterna o ajudava e assim, divisou o alçapão. Abri-o e viu o fogão muito limpo e arrumado, as cinzas com certeza ainda quentes e o cheiro de casa arrumada.

– De fato a menina deve estar aqui mesmo. Um homem não arruma casa tão bem assim. Pensou.

Com cautela, escorregou pela parede e foi ter na parede de cima do forno daquele fogão à lenha. Contendo a respiração, desceu até o chão e pôs-se a pesquisar o lugar nunca dantes penetrado por ninguém, a não ser seu morador e sua visita desconhecida.

Caminhou por um corredor. Viu dois aposentos. Um estava aberto. Penetrou nele e viu velha cama com velhas coisas, velho cofre, velhas canetas e lápis e papéis amarelados. Na parede, retratos de velhas pessoas, morridas com certeza. Uma em especial deu um pouco de medo em Sandro. E se aquela senhora resolvesse pular daquele quadro e cobrar-lhe explicações por aquela violação? Armou-se de coragem, mesmo sabendo que os espíritos não morrem e que costumam vigiar suas casas, quando seus corpos ocupam lugar nos cemitérios locais. A sala era pequena e sem muita graça. Porém estava limpa e arrumada. Havia um pequeno ambiente que Sandro julgou ser a dispensa da casa. Mas, o outro quarto estava fechado, trancado por dentro. Se chamasse sua voz denunciaria sua presença. O que fazer? Aguardar pensou. Certamente a ocupante do quarto sairia em algum momento para seus rituais fisiológicos. Assim fez. Assentou-se em confortável cadeira de balanço que se achava na sala e começou a pensar em sua vida e no que estava fazendo ali, numa propriedade alheia. Lembrou o seu quarto, seus pertences e simulou uma violação dos mesmos por alguém estranho com o único intuito de descobrir sua vida e seus segredos. Quase se retirou, mas o pacto com as raposas não permitiu. E assim continuou. Velho relógio contava os segundos e velho cuco cantava as horas.

Era manhã quando acordou. À sua frente, farta bandeja com sucos e frutas, café, bolos e pães convidavam-no para o repasto matinal. Perfume inebriante inundava o ambiente e uma voz suave cantava lá dentro uma canção de absoluta paz. Quis levantar-se e correr em direção àquele som. Ao tentar, a bandeja quase se soltou do lugar e quase caiu derramando seu conteúdo. Sandro, então, alimentou-se como devia e percebeu que naquela bandeja estava tudo aquilo que gostava de comer quando acordava. Somente sua mãe e a empregada sabiam dos seus gostos. Quanto mais pensava, mais se intrigava. Após o repasto, verificou que a voz emudecera. Caminhou lentamente pela casa e não viu ninguém.

Deveria ir embora e sem decifrar o enigma quando resolveu retornar ao quarto do Chico Pena. Deu um grito e quase caiu duro para trás. Aquele retrato onde tinha uma senhora do passado havia se modificado e nele, agora, uma jovem de quinze, bela e vivaz sorria o sorriso dos amantes que não esquecem seus queridos e os protege até que juntos possam continuar suas jornadas.

Sandro Meira retornou para sua casa e Chico Pena para a sua. Tempos depois a casa financeira entregava às senhoras piedosas dali vultosa quantia deixada por aquele criador de porcos. Em seu testamento encontraram a ordem de oferecer às crianças desamparadas dali o fruto de todo o seu trabalho. Era uma prova que Chico Pena deveria cumprir. Morar sozinho, sem um amor que cuidasse dele. Terminada a prova retornaria aos braços daquela que um dia desprezara e que o buscava de volta com todas as forças de um espírito que ama. Assim o fez. E se reencontraram para novas etapas.

Sandro Meira casou-se com Agostina, outra história de reencontros, e foi absolutamente fiel à sua companheira e tiveram muitos filhos. As raposas morreram e foram confabular com as bruxas que moram nos abismos da nossa escola terrena. Velhas repetições de erros.

“O amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amar...”

Irmão X

Contos desta e doutra Vida - FEB – 2006 – Cap. 13

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