O Homem, a Moça e a Estrada
Eram seis horas da manhã. Naquele dia muitas coisas diferentes estavam programadas para acontecer. Janaína levantou-se as cinco preparando-se para a viagem. Seriam mais de duzentos quilômetros a serem percorrido e depois, um dia estafante a aguardava. Aquela mulher começara cedo suas labutas. Desde criança mostrava-se totalmente independente e não temia sair sozinha de casa, ir ao mercado, ao shopping ou qualquer outro local que necessitasse estar. Sua capacidade de controle era notável e, dificilmente seria enganada por alguém ou em qualquer dos seus objetivos principais. Suas amigas sempre tiveram nela uma líder e, na escola era sempre a primeira aluna. Na adolescência nunca se deixou levar pelas ondas perigosas que invadem esses corações infantes. Teve apenas um namorado e o observava sempre e conduzia o relacionamento de modo a não prejudicar-se ou prejudica-lo. Sabia que casamento é coisa séria e ainda distante das suas metas.
Assim, terminada a faculdade estava apta ao trabalho. Contava vinte e seis anos e era excelente administradora de empresas. Fora contratada por uma grande cadeia de lojas e as gerenciava em todo o país, no campo da estratégica de funcionalidade das mesmas. Criava sempre novas formas de atendimento, absorção de mão de obra e atração do cliente. Era um fenômeno no campo administrativo. Seus superiores investiam continuamente no seu potencial, pois tinham nela alguém de extrema confiança e capacidade. Naquele dia em especial, Janaína devera ir a uma das filias que apresentava problemas de caixa. Sabia que era uma missão difícil e perigosa, uma vez que o gerente daquela loja ocupara, anteriormente, o cargo que agora é de Janaína. Temia represálias. Mas era seu dever.
Ligou o motor do veículo, colocou música suave, abasteceu o tanque e se pôs a viajar. Sua mente astuta e trabalhadora não a deixava distrair. Ia montando suas estratégias. Já havia percorrido cento e vinte quilômetros quando percebeu que algo de estranho estava acontecendo. O carro, semi-novo, não desenvolvia a velocidade requerida. Alguma coisa o travava. Naquela parte da estrada tudo era deserto, portanto perigoso. Pensou em parar e dar uma olhada no motor, pois que entendia alguma coisa. Teve receios. Tentou telefonar pedindo ajuda à empresa de seguros, o celular, porém estava fora de área. O carro cada vez mais diminuía a velocidade e Janaína teve que parar rápido no acostamento para não ficar exposta à estrada, pois o carro definitivamente parou.
Estava só. O movimento não era tão grande assim. Quinze minutos depois apareceu lá longe, na curva, um automóvel preto. Era a salvação. Janaína sinalizou, mas o carro passou veloz. Duas horas depois e após inúmeras tentativas em vão, a moça resolveu trancar o carro e sair andando. Sabia que a cerca de vinte quilômetros havia uma pequena cidade, onde, certamente encontraria recursos mecânicos. Uma caminhada longa que iria atrasar sua chegada ao destino final. E era urgente a solução daquele problema. Mas, incidentes acontecem. Assim pensando pôs-se a caminhar. Ia só naquela estrada. Era bela, muito bem vestida e calçava sapatos altos o que dificultava ainda mais seu caminhar. Já havia vencido cinco quilômetros aproximadamente quando, do nada, surgiu à sua frente um homem estranho, mal cheiroso, dentes completamente estragados e roupas rasgadas.
– Moça, a senhora caiu dos céus. Preciso da sua ajuda.
Janaína guardou, desde a infância, uma frase da sua mãe e a colocava sempre em prática:
– Cuidado com estranhos.
Aquele homem era-lhe, em todos os sentidos, completamente estranho. Porém, ele a abordara e se não o atendesse poderia sofrer algum tipo de represália e estava só. Apenas de vez em quando passava um veículo e ninguém parecia disposto a ajudar estranhos. Aquilo era assunto para ela. Ela, sim, deveria ajudar aquele estranho. Enquanto pensava montou uma frase básica:
– O que o senhor deseja?
– Venha comigo. Minha casa é logo ali.
– Não posso. Estou com pressa.
– Ah dona, não me abandone não. Preciso muito de ajuda.
Janaína não tinha ligações religiosas. De verdade sempre duvidou das pregações que via ou via na televisão ou rádio. Sabia da existência de um Ser superior, mas nunca se interessava em saber quem era e como agia. Este assunto não a interessava. Era uma mulher prática, sonhava enriquecer-se, tornar-se importante nos negócios e na vida. E, para tanto, buscava cumprir sua parte com honestidade, pois entendia ser este o melhor caminho. Estava sem saber o que fazer quando ouviu uma voz vinda de algum lugar estranho:
– Vá.
Poucos minutos depois estavam os dois lado a lado por uma estrada vicinal total e medonhamente deserta. Cantos estranhos de pássaros estranhos amedrontavam cada vez mais e o homem seguia calado com seu mau cheiro e suas unhas de gavião, sujas e ameaçadoras. Havia uma mata densa à frente e uma trilha em descida.
– É por aqui.
Teve vontade de voltar correndo. Já havia tirado os sapatos e caminhava com muita dificuldade enquanto que o homem, pés cascudos, nem sentia as pedras ou o calor do chão. Não demorou muito e Janaína percebeu que seus cabelos se soltaram e, por não serem sedosos, avolumaram-se em sua cabeça, rebeldes que eram. A blusa de cima a incomodava e foi preciso removê-la. Um grande susto motivado por um uivo de algum animal fez com que Janaína deixasse cair a blusa e os sapatos e o homem lhe disse:
– Depressa moça. Os lobos podem aparecer.
Tudo ficava cada vez mais perigoso e sombrio. Janaína teve vontade de tirar também a blusa e a calça. Elas apertavam seu corpo e dificultavam a desenvoltura do seu caminhar. Sempre colocava um short e uma camiseta por baixo, de modo que não ficaria nua. Mas, aquele homem não inspirava a menor confiança. Mais à frente havia um riacho sem ponte e deveria atravessá-lo a pé ou a nado. Janaína aprendera natação na infância. O homem já o havia atravessado, pulando como maçado nas pedras submersas que ele bem sabia onde estavam. Janaína não teve outra solução. Escolheu um local mais caudaloso, tirou a blusa e a calça e saltou e nadou feito peixe e alcançou a outra margem onde o homem já a esperava. Aquela voz vinda de algum lugar era firme e falava sempre:
– Vá.
Estava agora descalça, de short e camiseta, molhados. Não fazia frio ela só estava assustada ao mesmo tempo em que necessitava ir. Entraram pela mata. Ali o perigo seria maior. Janaína tinha um belo corpo e, naqueles trajes, possivelmente atrairia aquele homem faminto de tudo, como parecia ser. Duas horas depois, avistaram um casebre de sapé e pau a pique. À sua frente algumas aves buscavam e não encontravam o que comer.
– Chegamos.
A moça supôs que encontraria no interior daquela vivenda pobre e mal cuidada alguma pessoa agonizante pedindo socorro. Qual nada. A casa estava vazia. O homem aproximou-se dela e disse:
– Senta.
Havia um pedaço de lenha serrada. Era o banco ou cadeira. Janaína não tinha escolhas. Sentou-se.
– Moça, venho de longe. Não conheço nada. Apareci aqui sem saber como. Estou perdido. Encontrei estes trapos que visto nesta casa horrível. Ouço vozes e elas me mandaram trazer você aqui para resolver minha situação.
Janaína ficou paralisada. O que poderia ela fazer ali. Que solução deveria dar àquele homem. Precisava ir, cuidar dos seus compromissos. Aquele dia já havia sido perdido, mas teria outros e muitos outros. Quem era aquela figura estranha. Pensou em fugir, mas como? Quem a ajudaria? A mata era densa e havia perigos de animais ferozes. Havia o rio sem ponte e ela estava quase desnuda e já fazia frio. Num relance viu alguns galhos e um isqueiro. Acendeu pequena fogueira para se aquecer e pensar. O homem a olhava detidamente. Depois começou a se despir e ficou apenas de short e, assim, pareceu-lhe menos assustador. Aquelas roupas estranhas que o anfitrião usava a incomodava. Estava acostumada a ver homens de short ou sungas no clube que frequentava então não se assustou com aquela presença. O mau cheiro vinha das roupas que usava e teve vontade de atirá-las ao fogo. Foi quando teve outra idéia. Pegou aquelas roupas e as levou a um afluente daquele riacho conhecido. Lavou-as. Depois as colocou para secar. O homem buscou algumas frutas e raízes que Janaína acolheu enquanto ele preparava o fogo para cozinhar as batatas. Sem se comunicarem foram ajeitando as coisas. E, não demorou muito para que aquele casebre tomasse jeito e forma de um local propício a ser habitado, mesmo que simples.
A noite já se prenunciava. Ela viu que não adiantava sair. Então, prática como sempre, escolheu um canto para dormir.
– Suas roupas ainda estão molhadas. Vou sair. Tire-as e seque-as perto do fogo. Quando se vestir me chame. Disse o homem e depois saiu.
Era estranho, mas Janaína começou a confiar nele e assim fez. Completamente nua aguardou que as roupas secassem e uma hora mais tarde, vestiu-as novamente. O homem surgiu. Havia tomado um banho e usado algum tipo de bálsamo para lavar-se. Estava bem mais apresentável. Cada um foi para o seu canto e dormiram.
Na manhã do dia seguinte, Janaína acordou com uma cesta de frutas enfeitada de flores bem ao seu lado. Levantou-se e alimentou-se. Precisava sair e conhecer melhor aquele local. Queria encontrar aquele homem, queria conversar com ele, saber um pouco mais da sua vida e de como viera parar ali. E, por mais que o procurasse não o encontrou jamais. Havia desaparecido. Janaína tomou o rumo da estrada. Encontrou o carro, entrou nele e o carro funcionou normalmente.
– Não conte a ninguém. Tem experiências que são para cada um. Entenda a que viveu. A voz voltou a falar-lhe.
Aquela virtuosa administradora de empresas entendeu que a melhor administração que podemos fazer é a das nossas próprias vidas. Pois não se sabe em que estrada e em que momento um estranho pode aparecer e modificar nossas trajetórias, desnudando-nos de nós mesmos. Dali por diante procurou saber mais sobre Deus e O encontrou em páginas confortadoras e esclarecedoras do Evangelho de Jesus e dedicou-se também a administrar seus patrimônios espirituais, pois se sentiu herdeira do cosmo.
“Ora, reforma íntima nada mais é do que o desenvolvimento contínuo e progressivo das perfeições latentes que jazem no nosso espírito .”
Ney Lobo
Estudos de Filosofia Social Espírita - FEB – 1992
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