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Parte 1 - Capítulo 1: "O Vale dos Suicidas"

Atualizado: 9 de ago. de 2023

RESUMO MEMÓRIAS DE UM SUICIDA

PRIMEIRA PARTE

OS RÉPROBOS

CAPÍTULO I

O Vale dos Suicidas

Janeiro de 1891. Eu estava preso em uma região horrível do Mundo Invisível, governada pelas sombras, com vales profundos, cavernas sinistras, demônios enfurecidos gritando... espíritos que foram homens um dia.

Não havia uma só árvore, ou qualquer paisagem que desse um conforto. Era tudo horror! O solo era coberto de uma espécie de musgo escuro, pastoso e fedido. O ar era pesado, asfixiante, gelado. Os espíritos que ali estavam se sufocavam ao tentar respirar esse ar, como se tivesse neles partículas que entrassem pelas vias respiratórias. Não havia o sol para aquecer, não havia o vento. Não havia paz, nem consolo, nem esperança: tudo era desgraça, miséria, assombro, desespero e horror.

O vale dos leprosos parecia um lugar de repouso consolador se comparado ao local que tento descrever. Pelo menos, no vale dos leprosos existia solidariedade entre os renegados! Os doentes podiam amar, fazer amizades, conseguiam organizar-se em uma sociedade, divertiam-se, prestavam favores, dormiam, sonhavam..., mas no umbral, de onde falo agora, nada disso era possível porque as lágrimas que se chorava ali eram ardentes demais para dar se dar atenção a qualquer outra coisa.

No vale dos leprosos existia o Sol para retemperar os corações, o ar fresco com seus orvalhos regeneradores, era possível contemplar o céu azul, sonhar, sentir o perfume das flores... E tudo isso era como dádivas celestiais para reconciliar o doente com Deus, fornecendo-lhe tréguas na desgraça.

Mas na caverna onde passei o martírio do além-túmulo, nada disso havia! Aqui, era a dor que nada consola, a desgraça que nenhum favor ameniza. Só havia o choro convulsivo e inconsolável dos condenados!

O infeliz que ali está, se auto acusa com culpa e remorso! Tem raiva e já não pode mais chorar, porque ficou exausto sob o excesso das lágrimas! O desapontamento, a surpresa daquele que se sente vivo apesar de ter arrojado na morte...

É a revolta, a praga, o insulto, é a consciência abalada, a alma ofendida pela imprudência das ações cometidas. É o inferno, onde se vê cenas repulsivas de animalidade e práticas das mais obscenas, que eu teria vergonha de contar.

Quem ali temporariamente vai parar, como eu, são falanges de suicidas que chegam, periodicamente, levadas pelo turbilhão das desgraças em que se meteram, ao se matarem. A maioria dos espíritos que ali estavam eram de Portugal, da Espanha, do Brasil e colônias portuguesas da África. Importante dizer que Suicidas são considerados a escória do mundo espiritual.

O Além-túmulo não é tão abstrato quanto pensamos na Terra. Ele é simplesmente a Vida Real, intensa. Com organizações sociais e educativas, e que servem de padrão para o progresso da Humanidade. É no Invisível, mais do que nos mundos materiais, que as criaturas humanas aprendem coisas que levam para o progresso do planeta.

Não pedirei que acreditem porque esse assunto não é para apenas se crer ou não, mas para levar ao raciocínio, ao exame, à investigação. O que desejo é que pensem para que ninguém tenha contato com o suicídio se atirando nos canais trevosos a que me expus. Fiz por não ter acreditado que a morte é a verdadeira forma de existir...

Nas camadas invisíveis que envolvem os mundos existe a matriz de tudo que se reflete neles. Não seria possível que nada tivesse, uma vez que Deus é a Inteligência Divina. Negar o que se desconhece, por se não encontrar à altura de compreender, é insano.

O Homem ainda não sabe tudo sobre as profundidades oceânicas, mas lá existe um universo que assombraria pela grandiosidade e ideal perfeição! No próprio ar que respira, no solo onde pisa o homem encontra outros núcleos organizados de vida, obedecendo ao impulso inteligente e sábio de leis magnânimas fundamentadas no Pensamento Divino, que os aciona para o progresso, na conquista do mais perfeito!

Era eu, presidiário dessa cova do horror! E estava com uma grande falange de delinquentes, como eu. Ainda me sentia cego, me auto sugestionava de que era cego, e, como tal, me conservava. Na verdade, eu, pela minha inferioridade moral, que me sentia distanciado da Luz.

Agora a sensibilidade estava aflorada, o que me levava a experimentar também os sofrimentos dos outros espíritos em volta, esse fenômeno era ocasionado pelas correntes mentais que se despejavam sobre todo o grupo e vindas desse próprio grupo, por afinidade de classe. Sofríamos também as sugestões dos sofrimentos uns dos outros, além das culpas a que nos submetiam os nossos próprios sofrimentos.

Após a morte, antes que o Espírito se oriente indo para o lar espiritual que lhe cabe, passará numa "antecâmara", numa região cuja densidade e as configurações locais corresponderão aos estados vibratórios e mentais do recém-desencarnado. Nesse lugar ficará até que seja naturalmente "desanimalizado", isto é, que se desfaça dos fluidos vitais que agem em todos os corpos materiais.

A estada nesse umbral será de acordo com o caráter, as ações praticadas, o gênero de vida e de morte que teve a criatura desencarnada - Existem aqueles que apenas passam algumas horas, outros levarão anos. Podem ainda voltar à reencarnação sem terem se estabelecido no mundo espiritual.

No caso dos suicidas, ficarão no umbral, geralmente, o tempo que ainda lhes restava para conclusão do compromisso daquela encarnação da qual desistiu. Trazendo grandes cargas de forças vitais animalizadas, além de muitas questões mundanas, mais a desorganização mental, nervosa e vibratória completa, a situação desses infelizes é muito ruim e só uma ajuda existe agora: a prece! Se for ficar muito longo esse estágio, a reencarnação imediata é indicada, mesmo que muito dolorosa.

Às vezes, brigas brutais aconteciam. Irritados, por motivos insignificantes, nos atirávamos uns contra os outros em lutas violentas. Frequentemente fui ali insultado, apedrejado e espancado até que eu revidava de forma selvagem, sintonizando com os agressores.

A fome, a sede, o frio congelante, a fadiga, a insônia, a natureza aguçada nos seus desejos e apetites, a promiscuidade; tempestades constantes, a lama, o fedor, as sombras permanentes, o supremo desconforto físico e moral – esse era o panorama "material" no umbral.

Nem mesmo sonhar com o Belo, ou lembrar de coisas boas era permitido, mesmo àqueles que conseguissem fazer. Naquele ambiente superlotado de males o pensamento ficava enredado nas vibrações de dor e lamento. E não havia ninguém que pudesse atingir um instante de serenidade e reflexão para se lembrar de Deus e rogar por Sua misericórdia! Não era permitido orar porque a oração é um bálsamo.

Não sabíamos se era dia ou noite. A contagem do tempo parou no momento exato do suicídio. Daí para cá só assombro, confusão, enganosas induções e a sensação de que estávamos ali há muitos séculos. E dali não esperávamos sair, mesmo que esse fosse nossa maior obsessão.

Também não sabíamos onde estávamos e nem o que significava nossa situação - tentávamos, aflitos, sair dela, sem sabermos que tudo aquilo era fruto de nossa própria mente atordoada e de uma soma de vibrações de dor.

Procurávamos fugir de volta aos nossos lares, e corríamos desabalados. Então ímãs poderosos nos atraíam de volta. Outras vezes, tateando nas sombras, íamos por entre as cavernas e vielas, sem encontrar a saída.

Cavernas numeradas e pântanos circulados de muralhas de pedra. Parecia que estávamos sepultados vivos! Era um labirinto sem fim. Às vezes nem conseguíamos retornar às cavernas que nos serviam de domicílio e ficávamos ao relento até encontrar outro covil desabitado para nos abrigarmos. A impressão era de que nos encontrávamos presos no subsolo de um presídio cavado no fundo da Terra, ou nas entranhas de uma cordilheira.

Apavorados, começávamos a gritar em coro, como animais loucos, para que nos tirassem dali, restituindo-nos à liberdade! As mais violentas manifestações de terror seguiam-se e tudo quanto imaginar possa, dentro da confusão de cenas patéticas inventadas pela fobia do Horror, ficará muito aquém da real situação vivida por nós nessas horas criadas pelos nossos próprios pensamentos, distanciados da Luz e do Amor de Deus!

Às vezes, víamos nosso próprio corpo a se decompor sob o ataque dos vermes; a podridão da decomposição orgânica fazendo nossas carnes sumirem nesse banquete asqueroso.

Enquanto isso nós, seus donos, nosso Ego sensível, pensante, inteligente, que desse corpo se utilizara apenas como de um vestuário transitório, continuava vivo, sensível, pensante, inteligente, desafiando a possibilidade de também morrer!

Mas que castigo para aquele que ousou insultar a Natureza destruindo antes da hora a própria vida! Vivos ainda, nós, em espírito, diante do corpo podre, sentíamos todas as dores!... Doíam em nossa configuração astral as picadas dos vermes! Enlouquecia o nosso perispírito, ainda animalizado e cheio de energia vital, ao pensar sobre o que estava acontecendo com seu corpo – ainda havia apego.

Espíritos afinizados com o mal, obsessores que haviam alimentado em nossas mentes a vontade de nos matarmos, divertiam-se com nossas angústias, se aproveitavam da situação desesperadora e fingiam ser juízes a nos julgar e castigar, apresentando-se como seres fantásticos. Inventavam cenas satânicas, submetiam-nos a vexames indescritíveis, obrigavam-nos a compactuar com suas infames obscenidades! Na verdade, porém, não passavam de Espíritos que já foram homens, só que viveram no crime. Seguem vagando e atuando no mal até reencarnarem para expiação e progresso.

Todos os atos incorretos por nós praticados durante a encarnação, corporificam-se à frente de nossas consciências agora, como visões acusadoras. As vítimas do nosso egoísmo reaparecem para nós, nos causando remorso! Mas, acima desse lamentável acervo de atrocidades, existe a misericórdia do Deus Altíssimo que espera pelo nosso arrependimento.

O Vale Sinistro representa um local para qual o suicida vai por um movimento de impulsão natural, e fica por um tempo limitado, até que se desfaçam as pesadas cadeias que o ligam ao corpo físico, destruído antes da hora prevista. As poderosas camadas de fluidos vitais que lhe revestiam a organização física, adaptadas por afinidades ao perispírito e onde se aglomeram em quantidade suficiente para o compromisso da existência completa, são “drenadas” de outras formas quando se interrompe a vida antes do tempo, e isso traz as mais aflitivas dificuldades, até que se retome a possibilidade vibratória que lhe permita alívio e progresso.

Ainda sobre o suicídio, dependendo da sua motivação ou conhecimento, maior ou menor será a responsabilidade sobre o ato e a intensidade dos sofrimentos de quem sucumbe.

Por causa do magnetismo animal que existe em todos os seres vivos e das suas afinidades com o perispírito, as impressões e sensações penosas, vindas do corpo carnal, que acompanham o Espírito ainda materializado, chamaremos repercussões magnéticas. Trata-se de fenômeno idêntico ao que faz a um homem que teve o braço amputado sentir coceiras na palma da mão que já não existe com ele. Tais fenômenos são fáceis de observar.

Periodicamente, singular caravana de assistência visitava esse antro de sombras, à procura daqueles sofredores que já tivessem com pouco fluido vital, ao ponto de conseguirem a locomoção para as camadas do Invisível. Eram Espíritos que trabalhavam na fraternidade ao extremo, se materializando o suficiente para se tornarem percebidos à nossa precária visão e nos transmitindo confiança no socorro que nos davam.

Trajados de branco, apresentavam-se caminhando pelas ruas lamacentas do Vale, de um a um, numa fila disciplinada. À altura do peito de todos, pequena cruz azul-celeste, o que parecia ser um emblema.

Na frente vinha um pequeno pelotão de lanceiros, como batedores, seguidos de Senhoras. Vários outros lanceiros milicianos rodeavam os visitadores, tecendo um cordão de isolamento, protegendo contra qualquer hostilidade que pudesse surgir do exterior. Traziam uma bandeira branca, escrito em azul celeste: LEGIÃO DOS SERVOS DE MARIA.

Os lanceiros, ostentando escudo e lança, tinham o rosto bronzeado e trajavam-se com sobriedade, lembrando guerreiros egípcios da antiguidade. Chefiando a expedição, destacava-se um homem respeitável, vestindo um avental branco com insígnias da medicina. Cobria-lhe a cabeça, porém, em vez do gorro característico, um turbante hindu, com uma tradicional esmeralda, pedra dos médicos.

Os lanceiros entravam nas cavernas habitadas, examinando seus ocupantes. Curvavam-se, cheios de piedade, junto das sarjetas, levantando aqui e acolá algum habitante tombado sob o excesso de sofrimento; retiravam os que apresentassem condições de poderem ser socorridos e colocavam-nos em macas. Voz grave e dominante, de alguém invisível fazia a chamada dos prisioneiros a serem socorridos, pelos seus nomes próprios, o que fazia que aqueles que se encontrassem em melhores condições, se apresentassem sem a necessidade de serem procurados. As vozes amigas e protetoras eram transmitidas através de ondas delicadas e sensíveis do éter, através de equipamento magnético mantido para fins humanitários em determinados pontos do invisível, isto é, justamente na localidade que nos receberia ao sairmos do Vale.

As macas, transportadas cuidadosamente, eram guardadas pelo cordão de isolamento no interior de grandes veículos que acompanhavam a expedição. Esse comboio era formado de meios de transporte primitivos, carros atados uns aos outros e rodeados de persianas muito espessas, impedindo ao passageiro olhar para fora. Brancos, leves, eram puxados por cavalos também brancos, nobres animais cuja extraordinária beleza e elegância. Nos carros, também o mesmo emblema azul-celeste e a legenda respeitável.

Geralmente, os infelizes assim socorridos encontravam-se desfalecidos ou alucinados. Depois de rigorosa busca, a fila marchava em retirada até o local em que se postava o comboio, igualmente defendido por lanceiros hindus. Silenciosamente cortava pelos becos e vielas e afastava-se desaparecendo de nossas vistas enquanto mergulhávamos outra vez na pesada solidão... Em vão clamavam por socorro os que se sentiam preteridos, incapacitados de compreenderem que, se assim sucedia, era porque nem todos se encontravam em condições vibratórias para emigrarem para regiões menos hostis.

Em vão suplicavam justiça e compaixão. Os caravaneiros não respondiam; e, se mais algum audacioso tentasse assaltar as viaturas a fim de atingi-las e nelas ingressar, dez, vinte lanças faziam-no recuar, interceptando lhe a passagem.

Então, um coro hediondo de uivos e choros sinistros, de pragas e gargalhadas satânicas, o ranger de dentes comum, a elevação das suas raivas ao incompreensível no linguajar humano. Assim ficavam até que suas condições lhes permitissem também a transferência para localidade menos trágica...

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2 comentários


Cleuza Santos
Cleuza Santos
12 de set. de 2020

Sugestão.Publicar os demais capítulos semanalmente o momento ajudar para uma meditação consciente sobre o rumo que damos às nossas ações e vida. Obrigada.

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shirleyperisse
10 de set. de 2020

Excelente ajuda para quem anda na solidão.

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