top of page
  • Foto do escritorGRESG

Parte 1 - Capítulo 7: "Nossos amigos - os discípulos de Allan Kardec"

Atualizado: 9 de ago. de 2023

Resumo Memórias de Um Suicida

Parte I – Réprobos

CAPITULO VII – Nossos amigos - os discípulos de Allan Kardec



Nos intervalos entre uma reunião e outra não voltávamos à Espiritualidade. Logo, ficamos neste trabalho com os encarnados cerca de dois meses – tempo necessário para as reuniões de recuperação e iniciação, onde apenas os princípios e conceitos morais e filosóficos eram examinados, sem a prática dos mistérios.


Como suicidas, no entanto, poderíamos levar perturbação às pobres criaturas encarnadas das chegássemos perto, ou receber delas influenciações prejudiciais ao delicado tratamento. Evitávamos por isso permanecer em quaisquer recintos habitados por almas encarnadas.


Convém esclarecer que éramos entidades em vias de reeducação, e, por isso, submetidas a regras muito severas de conduta.


Éramos então conduzidos a locais pitorescos, nos arredores das povoações, e onde se tornasse difícil o ingresso dos homens e tendas eram levantadas, invisíveis a olhos humanos, mas perfeitamente reais para nós.


À noite terna melancolia adoçava nossas amarguras de exilados do lar e da

Família. Voltando das reuniões espiritas, meditávamos rememorando as lições sobre a existência do Ser Supremo, enquanto profundas elucubrações dilatavam nosso raciocínio, apesar da extrema pobreza moral em que nos encontrávamos!


Não raramente, na noite clarificada pelos astros, nossos amigos discípulos de Allan Kardec – médiuns, doutrinadores, evangelizadores – cujo altruísmo e boa vontade tanto contribuíam para alívio de nossas inquietações, visitavam-nos, assim que seus corpos físicos repousavam em sono profundo.


Ficavam conosco piedosa e amorosamente, pois tinham livre acesso em

nosso aldeamento de emergência. Ampliavam explicações em torno da doutrina, revelando-se respeitosos crentes na paternidade de Deus, na imortalidade da alma e na evolução do ser para o seu Todo-Poderoso Criador!


Grandes entusiastas da Fé, convidavam-nos ao amor a Deus, à esperança na

Sua paternal bondade, à confiança no porvir por Ele reservado aos homens, à coragem para vencer.


Iniciados no Espiritismo Cristão, não excluíam a necessidade de grandes reparações e testemunhos dolorosos! No entanto, a serenidade e a conformidade acalmam qualquer choque em seus corações! Voltados para o seio de Jesus, abriram o entendimento às doces influências celestes, e agora marchavam confiantes, certos da vitória final!


Com visível bom-humor narravam que dentre eles havia quem fosse cumprir o dever em suas reuniões sem ter almoçado, por escassez de recursos, mas sem por isso sentir-se desgraçado, pois esperava que o Pai Supremo lhe remediaria a situação, tão rápido quanto possível.


Esse convívio com os trabalhadores espíritas resultou em grandes afeições e

simpatias indestrutíveis. Nós, desencarnados, nos sentíamos sinceramente agradecidos pelo interesse que nos dispensavam.


Com efeito, no decurso de nossas atividades mediúnicas tivemos ensejo de fazer sólidas relações de amizade com habitantes do plano invisível. Em determinada fase de nossa existência, quando testemunhos dolorosos e decisivos nos foram impostos pela Lei das Causas, pequena falange de antigos sofredores e que havíamos auxiliado antes, inclusive alguns suicidas e dois ex-obsessores que se tornaram nossos amigos durante trabalhos práticos para a cura de obsidiados, tornaram-se visíveis em certa visita que nos fizeram, oferecendo préstimos para nos suavizarem a situação. Nada sendo, porém, possível, porquanto a situação era irremediável, misturaram com as nossas as suas lágrimas, visitando-nos frequentemente e assim nos proporcionando grande refrigério com a prova, que nos deram, de tão benévola afeição. - (Nota da médium)



Tínhamos licença para segui-los seus trabalhos de beneficência, que nos serviam de incríveis lições. Não compreendíamos como poderia alguém dedicar-se ao bem alheio com tão elevadas demonstrações de desinteresse e amor fraterno.


Os médiuns, e demais iniciados cristãos encarnados, poderiam passar a fazer parte da falange de trabalhadores da Colônia, tornando-se colaboradores da Legião dos Servos de Maria. Se eram verdadeiramente dedicados ao ministério apostólico, não se limitariam às sessões semanais de cunho secreto no núcleo a que pertenciam. Ao contrário, dilatariam o raio das ações. Pela noite adentro, transportavam-se a grandes distâncias, em corpo astral, associando-se a seus mentores e guias para nobres realizações.


Durante os dois meses de nossa convivência na Terra, tive ocasião de segui-los

algumas vezes, com nossos afetuosos amigos de Canalejas e de Ramiro de Guzman que, encaminhados por instrutores espirituais, visitavam hospitais, abeirando-se dos leitos e para ministrarem alívio e vigores novos com aplicações magnéticas vitalizantes aos enfermos, valendo-se da sonolência em que os viam mergulhados.


Com eles também ingressamos em domicílios particulares, para servir e aprender, pois entendiam que também aqui existiam corações a consolar, Espíritos enfraquecidos a reerguer e aconselhar!


De outras vezes solicitavam nossa cooperação para consolar grandes infelizes, isto é, pessoas encarnadas que atravessavam testemunhos dolorosos, e cuja tendência para o desânimo e a desesperação poderia tornar-se fatal. Levavam-nos então para a sede da agremiação a que pertenciam e contávamos nossa dolorosa experiência, falando da sinistra aventura que o desânimo nos reservara arrastando-nos para o abismo do suicídio!


Ao fim de dois meses, porém, fora ordenado o regresso da falange à Colônia do Astral. Com profunda comoção abraçamos esses amigos, prometemos-lhes gratidão eterna e visitas frequentes assim que as circunstâncias permitissem. Eles por sua vez prometeram continuar interessando-se pelo drama que nos aprisionava, orando ou nos transmitindo suas expressões de amizade através o pensamento.


Durante estes dois longos meses sobre a crosta terrestre, os guardiães

não nos concederam a devida autorização para visitarmos nossa Pátria, mas, deram-nos, no entanto, a conhecer estes amigos prestativos e gentis, discípulos do nobre mestre da Iniciação.


Passaram-se dois anos, longos e trabalhosos, durante os quais muito

choramos sob o peso de remorsos, analisando diariamente o erro cometido contra nós mesmos, contra a Natureza e as sábias Leis. Voltamos algumas vezes a assistir a outras reuniões nos gabinetes terrestres, visitando nossos amigos e lhes falando por via mediúnica.


Por esse tempo relacionara-me com um amável aparelho mediúnico, isto é,

um médium, o qual me visitava através dos pensamentos e irradiações benévolas que dirigia a nosso favor. Era compatriota meu, o que me sensibilizou.


Perscrutador, corajoso, impávido, quase imprudente, entusiasta das Ciências Invisíveis, ia ao extremo de rondar as muralhas de nossa Colônia, em corpo astral, durante o repouso noturno ou em expressivos transes mediúnicos, intentando atrair-nos para comunicação direta conosco, o que preocupava soberanamente nossos instrutores e a direção da Colônia.


Não lhe permitiam a entrada por ser perigoso para ele contato tão direto com

ambiente privativo de réprobos, mas ofereciam guarda e assistência para o retorno. Tão amável amigo possuía, é certo, conselheiros e guias, e o livre-arbítrio para agir como lhe aprouvesse, uma vez que lhe fora recomendado não ultrapassar os limites apropriados ao exercício das faculdades mediúnicas.

Ele, porém, arrojava-se imprudentemente, pelo Invisível adentro.


Uma das vezes que visitamos nossos amigos brasileiros, fomos vistos facilmente por ele, que se rejubilou sinceramente, enquanto me davam ordens de algo dizer-lhe por via mediúnica, como recompensa à sua grande dedicação!


Apesar de todas as novidades, continuávamos hospitalizados, submetidos a tratamento meticuloso e exercícios complexos para correção dos vícios mentais. Conhecíamos já a lógica da Reencarnação - fantasma que apavora qualquer Espírito delinquente e a um suicida em particular.


O assistente que mais assiduamente estava conosco era o jovem médico espanhol Roberto de Canalejas. Ele e seu pai, Carlos de Canalejas, mereciam as mais efusivas demonstrações de amizade e respeito.7


Roberto, porém, não era entidade muito evoluída tratava-se de Espírito em marcha franca do progresso. Viera para o estágio de Além-túmulo há mais de 100 anos, após encarnação reparadora difícil, na qual a dor de brutal traição conjugal despedaçara-lhe o coração e a felicidade que julgara fruir.


Roberto tivera o lar destroçado por traição da esposa e vira a filha querida morrer, aos sete anos, vítima da nostalgia pela perda materna, agravada com a tuberculose herdada dele próprio, seu pai, que a adquirira durante abnegadas pesquisas em enfermos, pois, como médico, dedicara-se a humanitários estudos em torno do problema.


Sofrera humilhações e mil situações difíceis, por causa do casamento desigual que fizera. O destino levara-o a apaixonar-se irremediavelmente pela encantadora Leila, filha do Conde de Guzman, o nosso muito estremecido amigo da Vigilância!


Se unira pelo matrimônio a ela, apesar da desaprovação do pai, pois Roberto de Canalejas, na verdade, não passava de pobre e obscuro filho adotivo de um fidalgo generoso, só tendo herdado o status mas não a fortuna.


No último quarto do século XVII Roberto tivera uma existência no centro da Europa, tornando-se suicida em 1680. Por essa dolorosa razão, no século XX ainda sofria consequência do ato, pois o seu drama conjugal ocorrido na Espanha, na primeira metade do século XIX, não fora mais do que a experiência da qual fugira com o suicidio!


Esse nobre amigo aparecia no Além-túmulo tal como existira na última existência,

passada na Espanha: - estatura mediana, barba negra e cerrada elegantemente

terminada em ponta, acompanhada de bigodes bem tratados; cabeleira volumosa e farta, tez branquíssima, quase nívea, olhos negros, grandes, pensativos, lembrando ciganos andaluzes, e mãos longas indicando o exercício continuado do pianista.


Ele próprio revelara-me essa síntese de sua vida. Fizera-o no intuito de elucidação, porquanto ao suicida cumpre reparar a fraqueza.



“Quem sabe algum dia possa eu voltar a visitar a Terra e, através de um aparelho mediúnico, narrar aos homens algo interessante intercalado com as luminosas doutrinas que começo a aprender?... Quem sabe poderia eu transmitir aos antigos leitores as radiosas novidades que aqui defrontei, romanceando-as com aspectos reais da vida intima - tão humana e tão instrutiva - de Espíritos que aqui eu conheci?”


É muito meritório para um Espírito desejoso de progredir o romper as barreiras do túmulo para relatar aos homens as impressões colhidas na Espiritualidade.

Mas é mais fácil penetrarmos um antro de obsessores e convencermos um endurecido à volta a uma reencarnação expiatória do que conseguirmos vencer a mente de um médium para transmitir centelhas das claridades que aqui nos deslumbram! Não existem muitos médiuns dispostos a tão melindroso gênero de tarefa!... e quando aparece algum dotado com as necessárias aptidões, é deseducado da moral cristã – elemento indispensável ao fim idealizado.


Daí preferirmos as almas simples, os humildes e pequeninos, mas que, por sua vez, não dispõem de grandes cabedais intelectuais e exigem de nossa parte perseverança, dedicação e trabalhos exaustivos para algo revelarmos aos homens através de suas faculdades!


A vida de qualquer homem ou Espírito é sempre fértil situações de aprendizado, porque reflete a luta da Humanidade contra si própria, através de longa jornada em busca da redenção! Mas nada se compara a um suicida, pois ele colocou-se em situação anormal, que afetou até a mais insignificante fibra da sua organização psíquica, assim como o seu destino!


No entanto, as suas nobres intenções, sua perseverança, o amor ao trabalho, o anseio pelo bem e o belo poderão operar milagres.


"- Pudesse eu, Camilo, evitar as dores da expiação para minha pobre Leila, chamando-a para o meu convívio e apagando as nódoas do delito com o perdão.


Contudo, ela mesma nada quer aceitar de mim antes de ressarcir o seu próprio débito em uma reencarnação de sofrimentos, a fim de poder considerar-se digna do meu amor e do perdão de Deus!


Sua consciência entenebrecida pelo erro foi o austero juiz que a julgou e condenou. Bem quisera eu aproximar-me dela no entanto, não posso nem mesmo aproximar-me porque, se me percebe, apavora-se e procura fugir.”


“- E onde Leila se encontra presentemente?”


Levantou-se calmo, aproximou-se do esplêndido receptor de imagens, sintonizou-o cuidadosamente para a crosta terrestre e esperou. Tudo indicava tratar-se de um lar brasileiro dos mais modestos. Uma menina aparentando cinco anos de idade, cujas feições concentradas e tristes indicavam a violência das tempestades que lhe tumultuavam o Espírito, entretinha-se com seus modestos brinquedos de criança pobre, parecendo mentalmente preocupada com reminiscências que se embaralhavam aos fatos presentes, pois falava às bonecas como se conversasse

com personagens cujas imagens se desenhavam quais contornos a "crayon" em suas vibrações mentais.


Roberto contemplou-a tristemente e, voltando-se para mim, que me apossava do ensinamento deslumbrado ante a majestade do drama cujos primórdios me

davam a conhecer:


“- Aí está! Reencarnada na Terra de Santa Cruz... onde será seu

doloroso calvário de expiações... Vive agora fora dos ambientes que tanto amava!...Leila desapareceu para sempre na voragem do pretérito!... Seu nome agora é outro: - chamam-lhe Maria... Para o mundo terrestre será linda e graciosa criança, inocente e cândida como os anjos do Céu! Perante a consciência dela própria, porém, e o julgamento da Lei Sacrossanta que infringiu, é grande infratora que cumprirá merecida pena, é a adúltera e suicida, pois Leila foi também suicida, que renegou pais, esposo, filhos, a Família, a Honra, pelas paixões inferiores.


Glória a Deus, que encobre dos homens encarnados o cortejo sinistro de seus erros pretéritos!... Que seria da sociedade humana se a cada criatura fosse facultada a recordação de suas passadas existências?!... se todos os homens conhecessem o pretérito espiritual uns dos outros?!..."


De repente, grito indefinível, misto de pavor, emoção e vergonha, A menina acabara de pressentir Roberto, vira-o como refletido nas ondas telepáticas, pois os remorsos segredavam à sua consciência ser ele a grande vítima dos seus desatinos, e, em prantos, procurara refúgio nos braços maternos, sem que ninguém compreendesse a razão da súbita crise...

O assistente de Teócrito isolou apressadamente o impressionante aparelho.


Nessa mesma tarde iniciei os apontamentos para a preparação destas humildes páginas... Quem sabia lá o que a misericórdia do Altíssimo reservaria para mim?...Talvez me não fosse de todo impossível escrever como outrora... Não possuía eu agora alguns amigos terrenos capazes de me ouvirem e compreenderem?... Sim! Eu melhorara muitíssimo, graças ao eficiente tratamento usado no Hospital Maria de Nazaré... Afirmava a Esperança radiosa que fortalecia o meu Espírito!

279 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page