TERCEIRA PARTE
A Cidade Universitária
CAPÍTULO III
"Homem, conhece-te a ti mesmo"
Faziam outros cursos alternadamente com o da Moral estatuída pelo Mestre Nazareno. Um deles ligava-se à Ciência Universal, que trouxe análises tão penosas quanto sublimes! Nestas, a necessidade de estudar a si próprio, aprendendo a se conhecer intimamente! Eram feitos exames pessoais aterrorizantes para o orgulho e para a vaidade de quem era examinado.
Também aprendiam a dissecar o caráter, a consciência, o que os fazer conhecerem mais a alma humana. O venerando educador Epaminondas de Vigo era o responsável por essa cadeira magnífica. Espírito com costumes rígidos e virtudes inatacáveis, transmitia mais que respeito, verdadeiro pavor! Sua presença fazia os alunos sentirem-se desnudados dos disfarces de qualquer atenuante inventado, pois nas suas mentes não passavam de rebeldes cuja insensatez obrigava trabalhadores abnegados do Mundo Espiritual a sacrifícios permanentes para os tirarem das trevas em se jogaram.
A vergonha que os açoitava na presença de Epaminondas era um suplício de natureza moral, que surgia nesta segunda fase dos suicidas, o preparo para futuras vidas reparadoras. O educador auxiliava a vasculharem suas próprias consciências, levando-as ao desdobramento pelas últimas existências no corpo material. Ter as almas vasculhadas por forças psíquicas fortíssimas abalava profundamente os seres, que sentiam desejos aflitivos e alucinados de fuga da sua presença.
Enquanto Aníbal de Silas fomentava sentimentos beneficentes de confiança num futuro com possibilidades de redenção, Epaminondas arrancava lágrimas e renovava angústias ao fomentar os estudos da Alma, levando a estados de sofrimentos cuja intensidade e complexidade, inconcebível à mente humana, conduzia os seres aos limites da loucura. Por essa razão era temido e exigia disciplina em seu método para o reconhecimento da inferioridade pessoal e consequente elevação moral, através da autoeducação! Mesmo dolorosas, tais aulas eram tão necessárias quanto o eram as de Aníbal!
Havia, também, um terceiro curso, que se resumia na aplicação prática dos valores adquiridos durante os estudos anteriores e era orientado para observância das Leis da Providência, tantas vezes infringidas. Tinha por mentor Souria-Omar e desenvolvia-se, geralmente, fora do santuário, isto é, do recinto da Escola, de preferência na crosta da Terra e nos domínios inferiores do Instituto. Aos domingos repousavam.
Ainda eram indivíduos com as faculdades espirituais pouco desenvolvidas e ainda abaladas pelo traumatismo vibracional provocado pelo suicídio. Não conseguiam trabalhar continuamente como os devotados instrutores. Descansavam e se divertiam em reuniões fraternas ou visitando outros Departamentos da Colônia, revendo velhos amigos e antigos mestres, como Teócrito, e, prestando solidariedade e conforto a irmãos mais desditosos do que eles.
Progrediam em conhecimentos obtendo noções de Arte Clássica Transcendental, e ensaiavam uma nova modalidade de servir a Deus e à Criação utilizando-se do Belo, empregando a Beleza!..
As tão importantes quanto apavorantes aulas do professor Epaminondas de Vigo se davam em um dos encantadores palácios da Avenida Acadêmica onde se instalava a Escola de Ciências da Universidade do Burgo da Esperança. Majestoso e severo em suas linhas arquitetônicas, ali se venerava Deus com todas as forças da Razão, da Lógica e do Conhecimento!
Exatamente idêntico ao recinto do Santuário onde se ministrava a Ciência do Evangelho, o novo Sacrário apresentava de diferente o célebre preceito grego ornamentando a tela indispensável, em todas as aulas, para a captação das vibrações do pensamento.
O tilintar de uma campainha atraía a atenção. Respeitoso silencio dominou o recinto. Todos os pensamentos se entrelaçavam com sentimentos homogêneos, enquanto ondas fluídicas harmoniosas de Mais Alto desciam em jorros de bênçãos iluminativas, protegendo, inspirando os sacrossantos trabalhos que se seguiriam.
Levantou-se Epaminondas de Vigo e estendeu-se pelo salão imenso lembrando das faculdades para novas conquistas morais, mentais, intelectuais e espirituais! Franzino, modesto e venerável, aquele ancião surgia qual gigante da oratória, expondo as bases de uma Doutrina Renovadora até então desconhecida, e cujos fundamentos se assentavam na Ciência Universal! Inicialmente explicou que em primeiro lugar seriam expostos os ensinos morais para, só então, atingirem outros esclarecimentos que seriam prejudiciais se, ministrados sem educação moral prévia.
Somente após 2 anos foi permitido o contato com Epaminondas, com quem fariam um curso rápido, por assim dizer preparatório, de Ciência Universal, denominada, em antigas idades - Doutrina Secreta.
Nos tempos remotos, anteriores ao advento do Missionário Celeste, os ensinos secretos só eram ministrados a indivíduos que, durante dez anos, pelo menos, dessem as mais rigorosas provas de sanidade moral e mental; que, em idêntico espaço de tempo, demonstrassem a própria reforma interior, isto é, o domínio das paixões, dos instintos, dos desejos em geral, das emoções.
Mas com a descida do Mestre Complacente das Esferas de Luz às sombras da Terra e às regiões astrais inferiores, o ensino secreto fora popularizado. Desde então, decretos divinos haviam ordenado que ensinassem a todas as criaturas terrenas e aos Espíritos em trânsito nas regiões astrais inferiores, pois o Pai Supremo, condoído das amarguras humanas, oriundas da ignorância, desejava fossem todos os seus filhos iluminados pelo sol das Verdades Eternas!
os prepostos da Luz começaram então a sustentar lutas insanas com os condutores das paixões inferiores, que se estendiam por quase dois mil anos, e que de todos os recursos já haviam lançado mão os obreiros do Messias a fim de instruírem os rebeldes com as Verdades Celestes, que teimam em não aceitar!
Por isso mesmo, novos decretos haviam descido de Mais Alto, para que o Ensino fosse ministrado mais ostensivamente, com toda a eficiência possível à Humanidade inteira e a todos os Espíritos errantes que desejassem aprender, virtuosos ou pecadores, pois que urgia auxiliar a regeneração do gênero humano, já que estava iminente rigorosa seleção, por parte da Providência, porque o planeta sofreria em breve o seu parto de valores, expulsando para mundos inferiores os incorrigíveis desde há dois mil anos, para conservar em seu seio apenas os mansos e os pacíficos, para, então, estabelecer-se, no planeta e em seus continentes astrais, a era de progresso!
Seriam passados rudimentos do Ensino Secreto, o bastante para fortalecerem os espíritos para a reparação que deviam à Lei, pois eram ainda muito frágeis, mentes traumatizadas pela violência do suicídio, submersos na materialidade! O Ensino seria concedido gradativamente, de acordo com suas capacidades, por essa razão os dividiam em turmas homogêneas.
Só conheciam a Doutrina Secreta em sua plenitude o Senhor Jesus de Nazaré e seus Arcanjos, falange de auxiliares, como que ministros. Esse ensino começava na Terra, em parcela pequena, para os homens em início do estágio evolutivo e se desenvolvendo até o Altíssimo. Por isso mesmo, era chamado Ciência Universal.
O aprendizado científico seguiu curso normal, alternando-se com os conhecimentos práticos através das aulas de Souria-Omar. Assim foi que o respeitável ancião ministrou o encantamento de presenciar o nascimento e progressão do próprio Globo Terrestre! O que superficialmente se conhecia, isto é, da Geologia, da Arqueologia, da Geografia, da Topografia, o ilustre instrutor presenteou com cenas vivas, em atividades reais, como se tivessem todos participado: a centelha em ebulição, as trevas do caos, os aguaceiros e dilúvios aterrorizantes, os grandes cataclismos, o advento dos continentes como o nascimento das montanhas majestosas. Épocas diversas surgiram diante de olhos deslumbrados, ante tanta beleza e majestade!
As imagens que se eternizaram, retidas nas ondas vibratórias do éter luminoso, a reprodução do que se passara na Terra desde a sua criação, guardada, fotografada, impressa nas vibrações da Luz, eram selecionadas pelos magos da Ciência Transcendente, captadas e transportadas até nosso conhecimento através de processos e aparelhamentos cuja sensibilidade e potência magnética já hoje o homem não ignora totalmente.
Processo vulgar no Mundo Invisível, essa forma de captação da imagem, dos acontecimentos, levará um dia o homem à mesma possibilidade, como ao conhecimento dos próprios planos do Astral intermediário. Uma coisa única acelerará tal conquista da Ciência para a Humanidade: - o domínio da Moral nas suas sociedades, o império da Honradez!
Reforçou ele a realidade das vidas sucessivas, suas leis, suas consequências benéficas, sua finalidade sublime. Apontou a jornada espinhosa do Espírito nessa ascensão para o Alto, submetido aos renascimentos em corpos carnais, dos labores ininterruptos num e noutro plano! A Vida Espiritual tem realidades que derrubam velhas convicções filosóficas, destroem preconceitos religiosos, modificam conceitos científicos que as tradições materialistas haviam ensinado a conservar.
A fim de bem conhecerem certas particularidades da personalidade humana partiram, então, com seus mestres, em caravanas de estudos práticos. Souria-Omar era o catedrático dessa nova modalidade. Foram nos Departamentos Hospitalares, observando a constituição dos corpos astrais dos irmãos ali detidos, ajudados por Teócrito, e por Roberto e Carlos de Canalejas. Desciam à Terra, periodicamente, em estágios de algumas horas, pelos hospitais e Casas de Saúde, estudando o fenômeno dos desprendimentos, assim como pelas casas particulares e até prisões, à espera de sentenciados à pena capital.
O intuito eram as análises em torno de todas as modalidades de separação de um Espírito do seu invólucro carnal temporário, desde o feto, expulso ou não, voluntariamente, do órgão gerador materno, até o condenado pela justiça dos homens à morte! Cada caráter, cada personalidade ou gênero de enfermidade, como a natureza do desprendimento, novos esclarecimentos.
Frequentemente era imposto aos estudantes que acompanhassem o desligamento penoso do espírito. Então, era ali que Souria-Omar dava suas aulas magistrais. O aprendizado implicava a contemplação de muitas desgraças alheias, grandes dores, angústias, misérias e desesperações. Mas era também preciso aprender, com esses espetáculos, o domínio das emoções, impor serenidade às forças mentais tratando, antes, de refletir, para aplicar esforços no sentido de auxiliar e remediar situações, sem perder tempo precioso com lamentações estéreis e lágrimas improdutivas.
Semelhantes impressões atingiram o seu clímax quando se viram obrigados à observação dos desprendimentos prematuros ocasionados por suicídio! Então, a loucura que os atacara outrora subia das profundidades e irrompiam a contragosto, afligindo-os com um pretérito que se transmutava em presente, desorientando-os, fazendo-os resvalar para a alucinação coletiva! Era quando toda a energia e a caridade dos Guardiães entravam em ação, impondo silêncio às emoções,
Precisavam apresentar pontos dos conhecimentos adquiridos, criar exemplos, extrair análises, tudo para melhor aproveitamento do aprendizado.
Eram estudadas as seguintes matérias:
- Gênese planetária ou Cosmogonia
- Pré-História
- A evolução do ser
- Imortalidade da alma
- A tríplice natureza humana
- As faculdades da alma
- A lei das vidas sucessivas em corpos carnais terrenos, ou reencarnação
- Medicina Psíquica
- Magnetismo
- Noções de magnetismo transcendental
- Moral Cristã
- Psicologia
- Civilizações terrenas
As matérias eram alternadas com as aulas de Evangelho, ambas correlatas e enriquecidas com a prática e a exemplificação, o que frequentemente ocasionava grandes angústias e momentos tenebrosos de desespero. Situações críticas e vexames aumentavam sobre o grupo. Logo no primeiro dia de aula, terminada a peça oratória Epaminondas de Vigo foi lançando uma advertência que nunca mais se apagaria do íntimo dos presentes:
- Nenhuma tentativa para reerguer a moral será eficiente quando se continua preso à ignorância de si mesmo! Será indispensável, primeiramente, averiguar quem é, donde vem e para onde vai, para se convencer do valor de sua própria personalidade e se dedicar à sua elevação moral, devotando a si mesmo toda a consideração e apreço. Até aqui todos terão caminhado cegamente, por etapas de vida na Terra e no Astral, movimentando-se em círculo vicioso, sem conhecimentos nem virtudes que podem induzir ao progresso. Levados pelos desejos impuros da matéria, passivos aos impulsos das paixões ou embrutecidos pelos instintos, tem-se ignorado que o Todo-Poderoso concedeu a todos sua Essência Divina e cabe a cada um cultivar sob as bênçãos do progresso, até que floresçam e frutifiquem na plenitude da vitória para que todos estão destinados..."
Convidou um dos penitentes que se achavam mais próximos, nas arquibancadas, a entrar no círculo erguido em sua cátedra. Amadeu Ferrari, um brasileiro de origem romana, natural do interior do Estado de S. Paulo, suicidara-se aos trinta e sete anos de idade, a fim de escapar da vergonha da prisão por ações imprudentes, e da ameaça de um câncer que começou a intumescer sua região glótica.
Pôs Amadeu à sua frente e perguntou seu nome com autoridade. Súbito mal-estar o dominou e quis fugir da terrível responsabilidade do aprendizado, de repente grande e delicado demais! Iriam passar coisas irremediáveis, que marcariam uma nova era e tiveram medo!
Epaminondas de Vigo era mais direto e os fazia refletir, o que doía, enquanto o jovem Aníbal de Silas, com suas exposições consoladoras em torno da Boa-Nova, tinha um verbo manso que carinhosamente lembrava os feitos do Nazareno.
O ancião reforçou que Jesus é o Grande Mestre que traz o conteúdo que estudarão para colherem méritos futuros. Ele é o chefe supremo dessa Escola. Voltou-se para o paciente e fez algumas perguntas, desde onde morava até por que procurou abandonar seu destino confiando-o à ilusão de um suicídio.
Questionou se não sabia que estava cometendo um crime contra Deus Pai, e se achou que iria aniquilar os elementos de Vida existentes nele.
Visivelmente contrafeito, Amadeu tentou esquivar-se, mas, senhor de uma serenidade desconcertante, Epaminondas insistiu na interrogação a Amadeu Ferrari sobre por que desejou fugir de tudo e de todos enquanto havia firmado compromissos.
Ele questionou se estaria novamente sendo confrontado por um tribunal e ouviu que o tribunal que todos enfrentam é o de suas próprias consciências e a dele estava agora despertando da longa letargia que o levou às mais deploráveis inconsequências! E imprescindível a orientação de Epaminondas para que os estudantes aprendam a se despojar do orgulho que os tem cegado e impedido que reconheçam a si mesmos.
Aníbal continuou: "- A miséria, a enfermidade, o desânimo, foram a causa... Cometi uma falta grave, frente a tão dolorosas circunstâncias... Não tive outro recurso a não ser o que fiz... A prisão e a doença... Sinto-me desonrado por ter lançado mão dos recursos que me foram confiados... apesar de que, tudo que fiz era tentando recuperar a saúde, pois a ameaça de um câncer desorientava-me, justamente quando estava prestes a casar... Era a prisão ou a morte...” O câncer, o roubo e o ideal de amor desmoronado o fizeram preferir o suicídio!
Amadeu sabia que foram grandes crimes, mas sentia-se ainda mais confuso, apesar de muitos esclarecimentos recentes... Questionava-se por ter se colocado nessas desgraçadas circunstâncias. A confusão em sua mente e as intuições pavorosas o faziam imaginar um passado assustador.
Dois ajudantes fizeram-no sentar-se diante da tela espelhada, colocando-lhe um diadema idêntico ao usado pelo mestre para as palestras. Epaminondas pediu à assembleia que ficasse atenta que a história que veriam desse irmão é também a história de cada uma ali. Pela mesma razão não deveriam comentar o que presenciariam, apenas deveriam observar a lição fornecida para aplicá-la em suas vidas...
Postou-se em atitude de prece e concentração e seus ajudantes se juntaram para auxiliar mentalmente. Poderosa corrente fluídica se estabeleceu até que, de repente, Epaminondas de Vigo impôs a Amadeu Ferrari a volta ao passado, num minucioso exame de consciência, passando suas vidas terrenas, a fim de que compreendesse em toda a sua plenitude a razão das dolorosas provas em que se viu, às quais não se resignou e que, achando que iria resolvê-las, comprometeu-se mais ainda com o suicídio!
Em sentido contrário, passando do suicídio para o início da existência, ele estava em diferentes condições. ! Os motivos daquela pobreza vinham de uma encarnação anterior. Amadeu fazia todos os esforços para se remediar e foi obstinado no trabalho e na força de vontade; lutou contra aquele câncer que o torturava lentamente e viveu um repúdio de amor que absorveu suas últimas forças, tirando definitivamente seu desejo de viver!
A cortina do presente abriu-se... O primeiro véu da Consciência foi tirado para mostrar, numa outra existência, um drama imenso ser revelado, que não atingiu apenas a uma ou duas personalidades, mas a uma coletividade, implicando uma raça heroica e sofredora. Amadeu Ferrari apareceu descrito por sua própria mente no ano de 1840, como traficante de escravos negros de Angola para o Brasil... Era, então, de nacionalidade portuguesa e enriquecia no comércio abominável, infligindo martírios incontáveis. Truculento no mau trato aos negros, ordenava chicoteá-los pela mais insignificante falta ou mesmo por nenhuma, infligindo-lhes castigos como a fome e a sede, a tortura e a separação das famílias.
Certa vez, em sua fazenda, desonrou uma jovem escrava negra, mal saída da infância. E porque o pai, velho escravo de sessenta anos, num momento de desespero diante do cadáver da filha o acusou pelo suicídio da moça, mandou os capatazes queimarem sua língua no ferro em brasa. Enquanto os presentes aprendiam uma grande lição, Amadeu se reconhecia como era: portador de paixões inferiores e múltiplos defeitos.
Debatia-se violentamente, acovardado pela consciência desorientada pelo remorso. Pedia perdão em expressões de dor e arrependimento, que o deixassem voltar à qualidade humana para ver suas próprias língua, boca e a garganta irem acabando, chegando ao ponto da que fez o escravo chegar. Pediu ainda que sofresse o pela fome e sede, sem que nem mesmo pudesse falar a fim de se queixar. Que todos se afastassem dele com asco, deixando-o expungir sozinho esta nódoa infamante
O nobre orientador impôs silêncio ao pecador e o balsamizou com fluidos apaziguadores. Em seguida respondeu que seria inevitável seu retorno às reencarnações expiatórias, para a remissão das culpas. A pobreza, o câncer e o perjúrio, agravados pelo ato do suicídio, fará com que mais de uma encarnação será necessária para cobrir as agravantes.
A lição continuou a se desenrolar e passaram anos após a morte do velho escravo. O grande senhor o esqueceu, voltou à Europa, feliz, tendo enriquecido e sendo considerado na Terra de Santa Cruz. Mas, ao desencarnar, se debateu, atacado por hedionda falange de fantasmas negros sedentos de vingança, todos pedindo contas pelos martírios que sofreram! Aprisionaram seu Espírito nas florestas tenebrosas, martirizaram-no, apavoraram-no com a reprodução das maldades que praticou e o deixaram entregue a si mesmo, em pleno desamparo. A fome, a sede e outras necessidades básicas se juntaram para torturá-lo ainda mais.
Vagou desesperadamente, presa das mais absurdas alucinações, flagelado pela mente, só alimentada pelo mal até ali. A cada súplica que tentava proferir, o choro dos escravos que morriam separados dos seus entes queridos era a resposta! O estalar do chicote sobre o lombo nu dos negros cativos da Fazenda; a visão dos seus filhos, criados com amor, relegados à fome e ao mau trato, o lamento de agonia de alguém que sucumbia no pelourinho da mansão, o grito daqueles que se atiravam aos açudes, às correntezas dos rios, levados pelo terror ao trato que recebiam.
Amadeu sentia tudo e tentava fugir enquanto encontrava novamente suas vítimas a chorarem, agonizantes, desesperadas... Até que, certa noite em que se sentia exausto, em pleno terror, e depois de muitos anos, eis que viu o escravo Felício caminhando ao seu encontro, com uma tocha que clareava os caminhos trevosos. Felício vinha lentamente, sereno, grave, não mais torturado pelo ferro em brasa, porém, compassivo, estendendo-lhe a destra, no intuito de erguê-lo e o levou. O velho escravo perdoou o algoz, intercedeu por ele junto à Divina Complacência, e partiu para libertá-lo das garras dos que não lhe haviam perdoado...
Ao mesmo tempo, o grupo na assembleia apreciava o que drama se estendia enquanto o mestre emitia conceitos, levantando a psicologia das personagens apresentadas e lecionando com sabedoria a tese magnífica em que eram iniciados. E acrescentou que as sociedades brasileiras sofrem e continuarão sofrendo pelas consequências das crueldades cometidas em pleno domínio da era cristã. A escravização de seres humanos, tratados pior que os próprios animais, para a extração de posses que lhes suprisse o as paixões!
Se não foi crime individual e sim coletivo, será a coletividade que expiará e reparará o grande martírio infligido a uma raça tão necessitada do amparo da civilização cristã. Sob a Cruz ressoam ainda, ecoando aflitivamente na Espiritualidade, os brados angustiosos de milhares de corações torturados. Por isso a grande Pátria sul-americana continua se debatendo contra problemas complexos, suas sociedades em pelejas dolorosas consigo próprias, vergados sob aflições coletivas, relegados à indiferença das classes favorecidas.
E assim prosseguirão até que a Voz Celeste as oriente para a paz e a reconciliação individual. Entre os escravos que, choraram frente à opressão, nem todos traziam os característicos íntimos da inferioridade nem apresentavam caracteres primitivos! Grandes falanges de romanos ilustres, do império dos Césares, dolorosamente arrependidas das monstruosas séries de arbitrariedades cometidas em nome da Força e do Poder, pediram reencarnações na África infeliz e desolada, a fim de testemunharem expiações, trabalhando o orgulho que a poderosa raça romana adquirira com as glórias mundanas.
Agora, após suplicarem o disfarce carnal em envoltórios negros, desumanos senhores do mundo gargalhavam enquanto os oprimidos gemiam e se apraziam com o martírio e o sangue inocente dos cristãos. Daí a doce, mesmo sublime resignação dessa raça africana digna, por todos os motivos, de admiração e nosso respeito. Daí a passividade heroica que nem sempre se escorou na ignorância e num estado inferior, mas também no desejo ardente e sublime da própria reabilitação espiritual!
E o escravo Felício, redimido de uma série de culpas calamitosas, voltou a Roma em Espírito, terminado que foi seu compromisso entre a raça africana, e retornou à sua antiga falange de itálicos e . . . A palestra parou enquanto viam Amadeu Ferrari cair de joelhos, deixando escapar um grito indefinível, só experimentado por entidades em condições deploráveis, enquanto um choro violento o sacudia.
Abrira-se uma porta lateral silenciosamente, a um sinal de Epaminondas, e Felício aparecera, sereno, grave, encaminhando-se para seu antigo senhor de outras vidas... Estarrecido, Amadeu contemplava-o de olhos pávidos, já agora conhecedor de todo o seu passado de Espírito...
E lentamente Felício transformou-se, sob o poder da vontade e deixou-se ver agora, na atual qualidade de Rômulo Ferrari, o pai de Amadeu!... Retornando às falanges, ali reencarnou para prosseguir no caminho para a redenção completa, sob os auspícios do Cristo, a quem perseguiu no passado.
Recebeu então nova chance de progresso, sob novo nome; e foi cedo ainda para a Terra de Santa Cruz, levado por indefinível sentimento de atração, constituindo família ali e consentindo piedosamente em ser pai do antigo algoz... Agora, continuaria auxiliando-o a expurgar da consciência uma nova infração: - a do suicídio.
Quando, pensativos e silenciosos, o grupo deixou o recinto do Santuário, uma reflexão sobre a bênção da Lei da Reencarnação!
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