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Parte 2 - capítulo 1: "A Torre de Vigia"

Atualizado: 9 de ago. de 2023

Resumo "Memórias de um Suicida"


SEGUNDA PARTE - OS DEPARTAMENTOS

CAPITULO I - A Torre de Vigia



Irmão Teócrito convidou para uma assembleia na sala de audição do Hospital aqueles que receberiam alta do tratamento a que se vinham submetendo. Acompanhado de Romeu e de Alceste, dirigiu-se ao grupo.


Manifestou a sincera satisfação pela conversão e submissão deles à Deus e a aceitação do Espírito como sendo originário da centelha Divina e destinado à evolução através da Eternidade!


Sinalizou, porém, que ainda são fracos e vacilantes, que muitas provas reabilitadoras serão necessárias para o trabalho do Progresso e a redenção definitiva, mas que ao mesmo tempo, um Pai misericordioso vela dedicadamente por seus filhos, pronto a estender Sua mão protetora.


Encerrava-se naquele dia o estágio no Hospital, pois suas condições orgânicas tiveram sensíveis melhoras, embora não estivessem curados. Ainda permaneceriam enfermos por muito tempo e estavam entrando agora em fase nova do tratamento, de ordem exclusivamente moral e mental.


“Infelizmente, na vida terrena suas ações não se afinaram com as atitudes necessárias à ascensão no mundo astral. Escravizaram o coração aos preconceitos e orgulho, contra a Lei de Deus.


Em tão viciadas condições, assimilaram apenas o que suas mentes estavam habituadas. Era importante tolerar sua fraqueza mental para ajudá-los em seu próprio progresso e aplicar a caridade. Infinitamente misericordiosa, a Providência Divina dá condições para dar o melhor tratamento para seu estado mental, auxiliando no que cada um ali precisava.


Assim, a ideia agora é levar o estado vibratório a suportar a nova trajetória como espíritos delinquentes. Uma vez recuperados, deverão trabalhar a prol da reabilitação. Suas permanências neste Departamento foram como o curso preparatório para a admissão em planos onde será preciso demonstrar todo o valor e boa-vontade de que são capazes! Uma nova reencarnação será inevitável e será necessário repetirem a experiência terrena da qual tentaram fugir com o suicídio.



Porém, são livres para preferirem agora ou mais tarde, depois estiverem mais bem preparados. Estão aptos para, em uma só etapa terrena, resolver alguns compromissos expiatórios mais urgentes -, o que será de muito proveito para seus Espíritos e muito meritório!


Então, se reencarnarem já, quitarão apenas uma pequena parcela da dívida que adquiriram; e mais tarde, resolverão o restante, porque estarão em melhores condições para resistir aos embates que tão vultoso expurgo exige.


Porém ainda é aconselhável retardarem um pouco a repetição do compromisso terreno para a reparação. Enquanto isso, poderiam, fazer um curso de iniciação, o que os habilitaria sobremaneira para a vitória nas experiências reabilitadoras, dolorosas.


Seriam oferecidos ensinos sobre Ciência da Vida, sob o prisma do Grande Educador Jesus, cujas doutrinas a Humanidade insiste em rejeitar, desconhecendo que, rejeitando-as, é a própria felicidade, que afasta!


Poderiam ter apreendido essa Ciência na Terra mesmo, porque lá existem

vários elementos capazes de iluminar cérebros e corações, impulsionando-os para o caminho da Verdade. Personalidades eminentes, com as credenciais das virtudes e da

sabedoria, capazes de orientar os homens para seus magníficos destinos de filhos da Divindade Suprema. Desceram eles das altas esferas espirituais, reencarnaram entre seus irmãos, os homens, diminuíram-se no sacrifício do corpo carnal, a fim de servirem aos soberanos desígnios do Criador através do Amor às criaturas menos evolvidas.


Jesus de Nazaré foi o mais eminente desses respeitáveis vultos que desceram à Terra,

recebendo das mãos do Todo-Poderoso o planeta e suas humanidades para levantá-las do abismo inicial, educá-las e glorificá-las nas irradiações da Luz Imortal!


Mas... há milênios a maioria jamais cogitou servi-los... passando indiferentemente, sem lhes examinar sequer o valor devido, e por isso continuando a permanecer no mesmo círculo vicioso em que estão vivendo... pois fracos, não resistem às tentações do próprio orgulho e necessitam de forças para recomeçar a caminhada...


Dentre tantos que aqui ingressaram há três anos, muitos continuam sem condições de poder tentar. Alguns, presos às recordações das paixões, endurecidos no erro das descrenças e do desânimo, completamente incapacitados moral e mentalmente para os serviços do progresso normal, vão precisar ainda da tolerância e da caridade de Maria,

que tanto se compadece dos desgraçados.


Outros deverão, ao contrário, reencarnar imediatamente, a fim de corrigirem distúrbios gravíssimos que em seus corpos astrais permanecem, como resultantes da violência do choque recebido com a morte voluntária. Sem isso, nada poderão tentar, nem mesmo a repetição do drama que os levou ao ato execrável, drama que fatalmente será vivido novamente em um segundo momento.


São estes, aqueles cujo gênero de suicídio, muito violento, tirou a possibilidade de alívio através da terapia psíquica aplicada aos demais. O estágio na matéria, longo, proveitoso, será, como se percebe, a terapêutica urgente, visto que corrigirá a desordem vibratória, voltando o Espírito à lucidez propícia à nova etapa: as experiências de reabilitação, pois já se encontrará em estado de fazê-lo, com tendências para a vitória!


O suicida sofrerá a consequência espantosa do seu ato de desrespeito à lei do Grande Criador de Todas as Coisas!”


Ouvíamos atentamente, curiosos ante a perspectiva do futuro, temerosos da gravidade da falta em que incorrêramos, penalizados ao compreendermos a necessidade de deixarmos aquele caridoso abrigo. No entanto adquiríramos o mais precioso bem que um Espírito delinquente pode querer para lhe servir de farol nas estradas onde se viverá o seu calvário

de expiações: - elevados princípios cristãos do Amor e da Fraternidade!


Continuou, porém, Teócrito, satisfeito por perceber nossa atitude mental, que solicitava conselho franco:


"- Chegou a oportunidade de visitarem a Terra! Forneceremos guardiães e meios seguros de transporte. Uma vez chegados à crosta terrestre, convém que reflitam com prudência -orando e vigiando - e não se deixando arrebatar por antigos desejos e seduções, pelas vaidades, pela ociosidade tão comum nas baixas regiões do planeta.


Advertimos de que se darão mal se preferirem permanecer na Terra esquecendo dos amigos desta Colônia e do aconchego fraternal e cristão que aqui desfrutais.


Se voltarem a este lar, será facultado ingresso em outro Departamento deste Instituto, mais bem dotado do que a Vigilância e o Hospital, e para o qual subireis em busca de habilitações!


Antes de irem a Terra serão convidados a uma visita de instrução aos Departamentos que compõem os primeiros planos do nosso Instituto, pois a verdade é que não devem rever a Pátria terrena sem os conhecimentos que nossos Departamentos fornecerão: - estarão mais fortes para resistir às lembranças das antigas seduções...


Todavia, não se iludam com o que podem aguardar nessa peregrinação pela Terra: - lembrem de Jerônimo!... Há muitos anos já que deixaram os despojos carnais... Muitos já foram esquecidos por aqueles a quem magoaram com o suicídio... se não completamente,

pelo menos o bastante para se terem desinteressado.


Não julguem, portanto, encontrar alegrias nessa peregrinação! Sintam-se, porém,

despreocupados. Convosco não sucederá o que surpreendeu Jerônimo: - estão preparados para as possíveis decepções.


Agora, vão repousar... E que o Mestre Divino vos conceda inspirações..."


Na manhã seguinte, mudamos de residência. Joel conduziu-nos a um pavilhão anexado ao Hospital, espécie de albergue, onde se hospedavam os recém-desligados da grande instituição. Chamavam-lhe Pavilhão Indiano ou ainda Mansão das Rosas.


Sentíamos um bem-estar indefinível nessa manhã encantadora. Belarmino, que normalmente era sério e pensativo, estava risonho e comunicativo. João d'Azevedo confessava-se muito esperançoso e disposto a só realizar o que Irmão Teócrito aconselhou.


Quanto a mim, estava feliz, permitindo-me sonhar com os projetos literários para o futuro, pois tinha para mim que na próxima visita à Terra conseguiria estrondoso sucesso de além-túmulo, voltando às lides literárias que me foram concedidas outrora.


Então, estávamos longe de suspeitar o volume das árduas lutas que a jornada das reparações exigiria... O conforto, o carinhoso acolhimento recebidos daqueles abnegados servos do Bem, levava-nos a raciocinar que, afinal, o suicídio não fora tão cruel como quereria parecer...


Mário Sobral era o único que não se iludia, e falou: "- Que Deus assim vos conserve para sempre, amigos!... Minha consciência não me permite tanto!... Acusa-me, não permitindo tréguas ao meu desgraçado coração! O silêncio que nossos amigos guardam, acerca do crime por mim praticado, apavora-me mais do que se me acusassem diariamente, prenunciando-me represálias!...


Não é possível que meu comportamento equivocado passe despercebido à Lei. Se sou criminoso para comigo mesmo, suicidando-me, também o serei pelo mal praticado em outrem...


Sabes, Camilo?... Há já algum tempo venho sentindo as mãos entorpecidas... aéreas... vazias... como se houvessem sido decepadas... As vezes procuro-as, confuso, pois deixo de senti-las. Enquanto me pergunto o que poderia provocar isso, vejo Eulina abatida sobre o canapé, contorcendo-se com as bofetadas com que lhe torturei o rosto... a sofrer por minhas mãos assassinas... que lá estão, separadas de meus punhos, estrangulando-a!


Essa visão um é prenúncio do futuro: - ao reencarnar, como afirmam Alceste e Romeu que acontecerá, para expiar meu duplo crime, irei mutilado, sem as mãos... porque elas estão ocupadas noutra parte, a serviço do crime... elas se desonraram, estrangulando uma pobre mulher indefesa... Já nem sequer as tenho, Camilo!... Não as sinto, não as vejo... foram sepultadas com o corpo de Eulina... e a fim de reavê-las, honradas e redimidas da mácula, precisarei padecer o martírio de uma existência terrena destituído delas, a fim de aprender no sacrifício, nas torturas inimagináveis daí consequentes, na vergonha da anormalidade humilhante.


O direito de filha do Criador Supremo ninguém poderia arrebatar a Eulina!... Eu matei Eulina!... E, agora, ouço meu Espírito impregnado de remorsos, a voz austera e comovente da Consciência.


Carlos e Roberto de Canalejas prontificaram-se a nos acompanhar na visita de instrução sugerida pelo experiente diretor do Departamento Hospitalar. Opinamos por iniciá-la justamente da Torre de Vigia que, defendia um posto avançado de vigilância contra investidas nocivas de múltiplos gêneros, até mesmo das emanações mentais inferiores, provindas do exterior.


A extensão a percorrer era grande. Um carro singelo recolheu-nos, pois não podíamos nem cogitar a possibilidade de nos impulsionarmos com o pensamento, praticando a volitação. A certa altura da viagem, quando já bem distanciados do Pavilhão Indiano, Roberto dizia a Mario Sobral:


"-O desânimo é mau conselheiro. Que importa, aliás, uma existência de trinta, sessenta anos de sacrifícios, com o corpo mutilado, se através dela é que reconquistaremos a honra espiritual, a paz que nos falta à consciência, para a realização salvadora que nos identificará com a Lei que infringimos?!... Não temas os serviços da expiação, Mário, uma vez que todos nós, os que erramos, carecemos dela para desobrigarmos a consciência,

Tens o Futuro diante de ti a fim de auxiliar-te na renovação moral de que necessitas!

Se, portanto, é necessário renovar a experiência terrena em corpo mutilado, a fim de que

aprendas nas dificuldades daí originadas a te servires de todo o conjunto do envoltório

carnal somente em sentido dignificante, não vaciles, enfrenta o sacrifício! pois estás

convencido de que erraste, e por isso certamente entenderás justo o assumires a

responsabilidade dos atos que praticaste em detrimento de tua própria individualidade,

pois a honra espiritual e a dignidade moral do Espírito assim o exigem!


E se souber clarear o teu ser com a confiança em Deus, a esperança na Sua paternal bondade, alimentando-o de coragem e resignação, poderás até mesmo sorrir à desgraça, deparar encantos ao longo do calvário que viverás!"


A veemência com que o jovem doutor emitira suas advertências parecia reanimar nosso amigo, que silenciou, mostrando-se sereno o resto do dia.


Pensativo, murmurei, sem prever que seria compreendido:

"- Onde estará o pobre Jerônimo..”

"- Vosso amigo Jerônimo de Araújo Silveira encontra-se detido no Isolamento – respondeu Carlos de Canalejas -, por infringir os regulamentos hospitalares.”


"- Por que dão a essa dependência esse nome de Isolamento?..." -interpelou Mário receosamente.


"- Porque para ali são enviados aqueles cujo procedimento se contrapõe às disciplinas exigidas pelos regulamentos do Hospital, os inconformados, que abusariam da

liberdade, sem serem, todavia, verdadeiros rebeldes... Será uma como prisão... Mas esse nome é repugnado pelos diretores da Colônia.”


"-Jerônimo encontra-se, pois, detido?..."


"- Perfeitamente!... A seu próprio benefício e para o bem daqueles a quem ama..."


Mário agitou-se, impressionado, voltando a perquirir:


"- Como é possível compreender-se, Dr. de Canalejas, que Jerônimo, esposo

amantíssimo, pai extremoso, se encontre preso, enquanto eu, duas, três, dez vezes

criminoso, permaneço entre bons amigos?!..."


"- És um Espírito sinceramente arrependido, Mário, que te deixas aconselhar pelos responsáveis por tua tutela diante de Maria; que desejas ser devidamente guiado a

normas salvadoras, disposto aos mais rudes sacrifícios a fim de apagar o

passado culposo... enquanto Jerônimo obsidiou-se com a inconformidade e a incompreensão, apegando-se a todas as recordações do passado, avesso à cogitação de elementos para suavizar a situação, que seria bem outra se se desse à prudência da resignação! ...


Não deveria constituir surpresa a existência de prisões aqui, no além-túmulo.

Pensamos aqui, muitas vezes, depois que chegamos a compreender as atuações dos Espíritos inferiores, sobre o que seria a Humanidade terrestre se não existissem repressões nas sociedades espirituais, uma vez que, mesmo havendo-as, hordas sinistras de malfeitores do plano invisível atacam toda hora os homens que lhes favorecem o acesso, contribuindo para suas quedas e para a desordem entre as nações!


Jesus referiu-se a esse importante fato várias vezes. Por sua vez, a Terceira Revelação, que, na Terra, há já alguns anos vem apresentando notícias do Mundo Invisível, mostra impressionantes detalhes a respeito da palpitante realidade, como verdades dignas de respeito!


Calei-me, rememorando efetivamente as muitas referências que obtivera a tal respeito quando homem, através de leituras. Considerava as filosofias religiosas, em geral, fontes suspeitíssimas do interesse coletivo que as ideara, só considerando os Santos Evangelhos, os quais reputava excelentes códigos de Moral e Fraternidade, estatuídos, com efeito, por um Homem Superior, porém, excessivamente místico para poder ser imitado por criaturas com tantos obstáculos. Para o meu doentio entendimento, cheio de ignorância presunçosa, falira ele próprio na prática das normas que expusera, pois deixara-se vencer, enquanto a Humanidade continuou resvalando os abismos.


De Canalejas, porém, continuou:


"- Ao demais, por que não existiria deste lado da vida prisões e rigores se há cá maior percentagem de delinquentes que do lado de lá?!...


Grandes erros existem contra os quais não há penalidade estatuída na jurisdição humana, mas os quais sobremodo pesam nos incorruptíveis estatutos da Justiça de Além-

Túmulo! Além disso, quantos crimes deixam de receber corretivos na Terra, por não

haver para eles penalidades na jurisdição terrena?!

Poderia o homem viver à revelia da Justiça, ao sabor das próprias inconveniências?!... Porventura julgais que a morte transforme em bem-aventurados a quantos se excederam na prática de desatinos no mundo material?... Enganais-vos! O homem que viveu como ímpio,

desafiando diariamente as leis divinas com atos desarmoniosos em desfavor de si

mesmo, do próximo e da sociedade, em chocante desrespeito ao futuro espiritual que o

aguarda, entrará como ímpio, como réu que é, no mundo das realidades, onde será

punido pelas consequências lógicas e irremediáveis das causas que criou!”



Deslizava o veículo, já se aproximando do destino. Silenciamos, pensando no que acabáramos de ouvir. Tão simples, tão real se apresentava aquele mundo astral, que sua mesma realidade, sua impressionante simplicidade contribuía para a confusão de nos julgarmos homens, quando éramos Espíritos!


A Torre de Vigia aparecia incrustada nas camadas acinzentadas da cerração, como as antigas fortalezas da Europa. Majestosa e sugestiva, pavor a quem lhe desconhecesse a finalidade.


Acompanhados dos guias, obtivemos passagem livre em seus pórticos. Comoção penosa e vibrações de angústias surgiram em nosso ser, pois aquele ambiente pesado e sombrio relembrava o Vale Sinistro.


A Torre era, como sabemos, dependência do Departamento de Vigilância, mas trabalhava em harmonia com a direção geral daquele Departamento, em coesão perfeita de ideias e fraterna solidariedade. Seri ao posto de maior responsabilidade de toda a Colônia, porque ficava em zona perigosa do astral inferior, rodeada de elementos nocivos e perturbadores, sendo dever seu a estes combater, desviar, impedindo o assédio de Espíritos assaltantes, encaminhar infelizes perseguidos por obsessores, que a todo custo na Colônia se desejassem abrigar, pois tratava-se de local especializado para alojamento de

suicidas.


A direção interna achava-se a cargo de um ex-sacerdote católico, português,

também havia muito iniciado dos Templos de Ciências da índia. Sob sua orientação

serviam vários outros condiscípulos não iniciados, obedientes, porém, aos mais

exaustivos labores em regiões inferiores, em expiação pelos mau uso Evangelho na Terra, como pastores de almas, mas que usaram a mentira, a hipocrisia, as falsas e ardilosas

interpretações!


Recebidos por assistentes amáveis, fomos conduzidos à sala da diretoria e apresentados por nossos bons amigos de Canalejas. Encantados, notamos não existir

superficialidade nas maneiras daqueles que nos falavam. Ao contrário, a simplicidade, as formosas expressões de vera solidariedade irradiavam, cativando-nos gratamente!


Acertado o programa da visita entre nossos guias e o diretor, Padre Anselmo de Santa Maria, não se perdeu tempo, iniciando imediatamente o digno dirigente importantes explicações enquanto caminhávamos aos pavimentos superiores:


"- Iniciarei esclarecendo que a Torre de Vigia, no momento, acumula afazeres,

dada a circunstância de ainda não se encontrar nosso Instituto definitivamente

estabelecido. Há carência de trabalhadores especializados, e todos os nossos

Departamentos se encontram sobrecarregados, desdobrando-se em atividades múltiplas.

Nós, por exemplo, os da Torre, atendemos a casos tão variados quanto espinhosos,

diferentes mesmo da especialidade de que só deveríamos tratar."


Havíamos, porém, alcançado o pavimento mais alto, pois nossa inspeção começaria de cima para baixo. Um salão enorme salão circular, imerso em penumbra, surgiu à nossa frente, rodeado de cômodos bancos estofados. Portas largas, envidraçadas, estendiam-se em toda a circunferência, deixando ver o que se passava no interior de cada aposento. A convite do amável cicerone aproximávamo-nos das portas e examinávamos tanto quanto possível o interior, não nos sendo, porém, franqueada a entrada. No entanto, não ouvíamos um único som: - as vidraças seriam de substâncias isolantes, à prova total de ruído!


No primeiro gabinete existiam aparelhos que pareciam ser telescópios possantes, para

sondagem a grandes distâncias, espécie de "Raios X", capazes de perquirir os abismos

do Espaço infinito, assim como do Mundo Invisível e da Terra.


No segundo gabinete, telas luminosas, colossais, para retratarem acontecimentos e cenas ocorridos a imensuráveis distâncias. Semelhantes aparelhos, cuja perfeição o

homem ainda não concebe, não obstante já estar a caminho, permitiria ao operador conhecer até os mínimos detalhes qualquer assunto, mesmo o desenvolvimento nos leitos abismais do oceano, se necessário, ou a seqüência de uma existência humana que se precisasse conhecer ou as ações de um Espírito em atividades no Invisível, nas camadas inferiores ou durante missões dos serviços assistenciais. Todavia sua utilização era apenas em casos verdadeiramente necessários.


Existia, porém, ainda um terceiro gabinete, o maior de todos, que ocupava todo um

andar da torre, parecendo tratar-se de uma oficina mecânica, onde os operários seriam eminentes vultos da Ciência. Era este o local reservado à maquinaria magnética que permitiria o uso e a ação de todos os magníficos aparelhamentos existentes na Colônia, inclusive o do sistema de iluminação noturna, espécie de usina eletromagnética distribuidora de fluidos diversos, capazes para o bom funcionamento dos mesmos aparelhos.


E em todos os compartimentos o labor incessante e árduo, quiçá exaustivo. Muitas damas faziam parte do quadro de funcionários, desenvolvendo meritórias atividades. Pareciam figuras aladas, indo e vindo em silêncio, sérias e atentas, envolvidas em belos vestuários brancos,


"- Esta fortaleza - continuou Anselmo de Santa Maria -, à qual pertence não só a Torre de Vigia como as demais que aqui se veem, abriga o regimento de milicianos e lanceiros especializados, que fazem a sentinela e defesa da mesma contra possíveis contratempos partidos do exterior. Muitos dos integrantes desse regimento são discípulos da Iniciação Cristã popular, e ensaiam os primeiros passos na senda dos labores edificantes, caminho da redenção! Alguns foram também suicidas, que agora experimentam conosco a reparação de antigos deslizes. Outros, no entanto, saíram da mais negra impiedade, pois foram, além de suicidas, temíveis obsessores - e seus delitos, os crimes que praticaram durante tão lastimáveis ofícios, são bem fáceis de avaliar!


Todos eles, porém, são tratados pela direção da Colônia com desvelado amor e caridade

cristã, no auxílio à sua reeducação. Sobre os últimos, isto é, os obsessores, existem mesmo recomendações especiais provindas de Mais Alto, para vê-los o mais cedo possível integrados nas hostes dos verdadeiros conversos da Doutrina do Amado Filho.

Assim sendo, além dos trabalhos que desempenham e que também fazem parte da instrução que lhes é devida, todos estudam, aprendem com seus instrutores noções indispensáveis do Amor, da Justiça, do Dever, do Bem legítimo, habilitam-se na Moral do Cristo de Deus, no respeito devido ao Todo-Poderoso, até que voltem à reencarnação para os testemunhos decisivos. Muitos já venceram as primeiras etapas dos testemunhos indispensáveis, isto é, voltaram já das terríveis reencarnações expiatórias, continuando aqui a instrução para progressos futuros!


Não poderei deixar de fazer referências aos batalhões de lanceiros hindus aqui também abrigados, os quais, voluntária e abnegadamente, se dedicam a servir de modelo para os recém-arrependidos, fiscalizando-os e cooperando conosco para sua reabilitação. Esses hindus, antigos discípulos, alguns já bastante encaminhados para a luz da Verdade, são, como facilmente percebemos, o verdadeiro sustentáculo da ordem e da disciplina que mantêm a paz entre os demais.


Nossa vigilância precisa ser incansável, rigorosa, minuciosa, dada a zona de desordens em que se encontra situada nossa sede, muito perto da Terra e desta recebendo seus múltiplos reflexos perturbadores; do vale, das regiões inferiores onde prolifera o elemento maldoso proveniente das sociedades terrenas, e das estradas por onde perambulam hordas endurecidas no mal. Tudo isso sem nomear as ondas malignas invisíveis de fluidos e emanações mentais que sobem da Terra.


Através dos aparelhamentos que veem, estamos em ligação permanente com o que acontece no Vale dos Suicidas. Graças a eles permanecemos presentes ao que ali ocorre, de tudo sabemos e tudo ouvimos.


Poderíamos exercitar a clarividência, a visão a distância, mas preferimos, geralmente, os aparelhos, porque seria sacrificar demasiadamente, sem necessidade, tão preciosas faculdades anímicas num local heterogêneo como este, carregado de influências pesadas, que exigiriam grande dispêndio de energias, esforços supremos.


Por mais desgraçados que estejam os seres no Vale, ou os transviados que se aprazem no mal, sempre temos a visão do que está acontecendo para socorrermos no momento oportuno, isto é, desde que eles mesmos estejam em condições de serem socorridos, transportados para outro local.


Mas... no suicídio, o que impede que esses irmãos sejam socorridos com a presteza que seria de esperar da Caridade própria dos obreiros da Fraternidade: - é não se encontrarem desligados do envoltório carnal, isto é, o se conservarem semi-encarnadas ou semidesencarnadas, como quiserdes!


Viverá o suicida, assim, da vida animal ainda por muito tempo pela desorganização dos seus corpos, até mesmo dos de carne! Palpitarão nele, a sua qualidade humana, até que as reservas vitais, fornecidas para o período completo do compromisso da existência, se esgotem por haver atingido a época, prevista pela Lei, da desencarnação. Em tão anormal quão deplorável situação permanecerá o suicida, sem que nada possamos fazer a fim de socorrê-lo, apesar da nossa boa-vontade!


Isso, meus filhos, é de lei, lei rigorosa, incorruptível, irremediável porque perfeita e sábia, a nós cumprindo procurar compreendê-la e respeitá-la, para não nos infelicitarmos pelo intento que tivermos de violá-la!


A Excelsa Misericórdia encaminha, geralmente, tais casos, tidos como os mais graves, a

reencarnações imediatas onde o delinquente completará o tempo que lhe faltava para o término da existência que cortou. Muito dolorosas, mesmo anormais, tais reencarnações serão preferíveis às desesperações de além-túmulo. Veremos então homens deformados, mudos, surdos, deficientes mentais ou retardos de nascença etc. É um caso de vibrações, pois o perispírito não teve forças vibratórias para modelar a nova forma corpórea, a mesmo com o auxilio recebido dos técnicos do mundo Invisível.


Assim concluirão o tempo que lhes faltava para o compromisso da existência prematuramente cortada, corrigirão os distúrbios vibratórios e, logicamente, sentir-se-ão aliviados. Trata-se de uma terapêutica, nada mais, recursos extremos exigidos pela calamidade da situação. E o único, aliás, para os casos em que a vida interrompida deverá ser longa.


O que lhes sucede é um efeito natural da causa por eles próprios criada. O que a benefício deles podemos tentar, nós o tentamos sem medir sacrifícios:

Organizarmos expedições de missionários voluntários, a fim de encaminhá-los

para esta instituição, onde são asilados e devidamente orientados para o respeito a

Deus, de quem não se lembraram jamais, quando homens. Nos reunirmos para o cultivo

de orações diárias em seu benefício, irradiando centelhas benéficas de nossas vibrações

em torno de suas mentes, procurando abrandar os sofrimentos que experimentam com suaves intuições de esperança!


Se não se conservassem tão alucinados, perceberiam os convites à oração

que todas as tardes lhes dirigimos, ao cair do crepúsculo, assim como as falas de

encorajamento, intentando despertá-los para o advento da confiança nos poderes

misericordiosos do Pai Altíssimo.


Sempre que um condenado tiver extinguido ou mesmo aliviado o carregamento de vitalidade animalizada - esteja ele sinceramente arrependido ou não -, avisaremos o serviço de socorro da Vigilância, o qual partirá imediatamente ao seu encontro, trazendo-o para a guarda da Legião. Então, tal seja a sua condição moral - arrependido, revoltado, endurecido - será encaminhado por aquele Departamento ao local que lhe competir, conforme já sabeis: - o Hospital, o Isolamento, o Manicômio e até para estas Torres, pois, como dissemos, acumulamos afazeres, mantendo, aqui mesmo, postos auxiliares para custodiar grandes criminosos dos quais seja cassada a liberdade por demasiada permanência nas vias do erro, isto é - suicidas-obsessores.


Com nossos aparelhos de visão a distância selecionamos as cenas que precisamos ver,

localizamos aquele que deverá ser socorrido, traçamos o esquema do trajeto,

apresentando-o em seguida à diretoria da Vigilância; esta fornece os elementos para a

expedição... e arrebatamos, com o favor de Deus mais uma ovelha das garras do mal...


É rigorosamente proibida a entrada nestes gabinetes a quem aí não exerça atividades. Por essa razão não vos convidarei a uma inspeção interna neste local. Os funcionários são Espíritos de escol, missionários do Amor, técnicos especializados no gênero do serviço, que preferem descer para servirem, por amor ao Mestre Divino, à causa sacrossanta dos seus irmãos inferiores e infelizes - verdadeiros anjos-guardiães dos infortunados por quem velam!


São, estes, rendidos por outra turma, de doze em doze horas. Descansarão nos jardins do Templo, se dedicarão a outros afazeres que queiram ou ainda alçarão às moradas a que em verdade pertencem. Refazem-se, aí, das angústias suportadas no ambiente trevoso onde heroicamente laboram em favor do próximo e retornam no dia imediato, fiéis ao dever que voluntariamente abraçaram...


Para esses serviços de socorro e proteção aos párias do suicídio não existem nomeações nem imposições de leis, uma vez que ele mesmo, o suicídio, está fora da Lei! São tarefas realizadas por voluntários que desejam exercê-las por amor às doutrinas imaculadas do Cordeiro de Deus.



Somente um Espírito dotado de cândidas virtudes e experimentado saber

poderia distinguir nos meandros do caráter complexo de um infrator, como o suicida, as

verdadeiras predisposições para o arrependimento, ou se no seu invólucro físico-astral já

não se refletem influências do princípio vital para, então, providenciar socorros que o encaminhem a local onde esteja seguro. Só um técnico, investido de extensos conhecimentos psíquicos, saberia extrair da memória profunda de um desses réus, martirizados pelos sofrimentos, o pretérito de suas existências, para, daí, estudar a causa que o impeliu ao fracasso, orientando o programa reeducativo que no Instituto será aplicado. Só mesmo um ser abnegado, bastante evolvido na posse de si mesmo, poderia contemplar, sem se horrorizar até à loucura, as localidades inferiores onde a degradação e a dor atingem a culminância do mal, comparado às quais o Vale onde estivestes pareceria confortador!



Por exemplo: - Existem almas de suicidas que não chegam a ingressar no Vale por vias naturais. Ingressar ali já será estar o delinquente mais ou menos amparado,

porque sob nossa assistência e vigilância, embora oculta.

Há, no entanto, aqueles que são aprisionados, ou desencaminhados, antes de atingirem o Vale, por obsessores, que, às vezes, também foram suicidas, ou entidades perversas e criminosas, cujo prazer é a prática do mal, que continuam vivendo na Terra ao lado dos

homens, contaminando a sociedade e os lares terrenos que lhes não oferecem resistência

através da vigilância dos bons pensamentos e prudentes ações, infelicitando criaturas.


Se escravizado por semelhante horda, o suicida experimenta torturas que comparadas aos acontecimentos verificados no Vale pareceriam meros gracejos! Vivem em locais pavorosos e sinistros da própria Terra, - afinados com seus estados mentais, tais como florestas tenebrosas, catacumbas abandonadas dos cemitérios,

cavernas solitárias de montanhas muitas vezes desconhecidas dos homens e até antros

sombrios de rochedos marinhos e crateras de vulcões extintos.


Hipócritas e mentirosos os aprisionam e os torturam de todas as formas, desde a aplicação dos maus tratos "físicos" e da obscenidade, até a criação da loucura para suas mentes já incendidas pela profundidade dos sofrimentos e suplícios cuja concepção ultrapassa a

possibilidade de raciocínio das vossas mentes, e cuja visão não suportaríeis sem adoecer!


Mas... aos trabalhadores especializados, iluminados pelo progresso, nada afeta! São imunizados. Encontram sofredores, às vezes, depois de pesquisas perseverantes e exaustivas e nem sempre podem arrebatá-las imediatamente, sendo necessário traçar um plano para o resgate, um programa definido, bem delineado; com a ajuda de outras falanges, às vezes muito inferiores à nossa, em capacidade e moral, mas conhecedoras do terreno áspero e trevoso em que seremos chamados a operar.


Invariavelmente sofrem em tais ocasiões, esses abnegados obreiros do Amor! Derramam lágrimas amargas, fiéis, porém, aos sacrossantos compromissos para com a causa redentora a que se consagraram! Mas não vacilam no posto de missionários, a que se comprometeram com o Divino Modelo que se sacrificou pela Humanidade, e prosseguem, enérgicos e heroicos, nos serviços a bem de seus irmãos menores!


E finalmente, após lutas inimagináveis, arrecadam os sofredores que, no tempo devido, não se encaminharam para o Vale; entregam-nos, como de direito, à Vigilância, que, por sua vez, os dirige para o local conveniente.... E arrebanham também os próprios obsessores, espíritos audaciosos de homens maldosos que viveram envolvidos nas trevas do crime, apartados de Deus!


Seguiu-se curto silêncio. Estávamos suspensos, surpresos com o inesperado

da exposição que nos faziam.

Anselmo de Santa Maria fitou docemente o olhar em nossos semblantes e falou

"- Das ovelhas que meu Pai me confiou, nenhuma se perderá..."

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