top of page
  • Foto do escritorGRESG

Parte 2 - Capítulo 2: "Os arquivos da alma"

Atualizado: 9 de ago. de 2023


SEGUNDA PARTE - OS DEPARTAMENTOS

CAPÍTULO II - Os arquivos da alma


Ia entardecendo. Descemos para o pavimento seguinte e perguntei como os diretores sabem que Espíritos infelicitados pelo suicídio são aprisionados por falanges hostis, encontrando-se desaparecidos.


- Nos comprometemos diante de Jesus ao serviço de auxiliares, filiando-nos à Legião de Sua venerável Mãe, e mantemos técnicos nesta Torre com o escopo único de procurar os desaparecidos, auxiliados pelos aparelhos que acabaram de

ver... Cada um eles têm regiões demarcadas que deverão sondar. Às vezes,

antigos opressores, regenerados e tocados pelo arrependimento, vêm, voluntariamente, indicar localidades do Invisível ou da Terra onde são aglomeradas as vítimas dos obsessores. Esses locais são verificados e saneados...


Geralmente, porém, os avisos e as ordens vêm de Mais Alto... de onde pedem em favor em dos transviados, porque existe fraterna solidariedade entre as várias agremiações. Assim, por mais desgraçado e esquecido que seja um delinquente, existirá sempre quem o ame e por ele sinceramente se interesse, dirigindo apelos fervorosos a Maria, quando não o fazem diretamente ao Divino Mestre. Se, portanto, um suicida não deixa na Terra alguém que se apiede de sua desgraça, dirigindo Preces generosas, é certo que no Além haverá quem o faça: - afeições remotas, antigos amigos, temporariamente esquecidos graças à encarnação; seres queridos que o acompanharam em peregrinações anteriores na Terra ou ainda seu Mentor, que lhe conhece todos os passos e pensamentos.


Se é dirigida a Maria a súplica, imediatamente ordens são expedidas a seus mensageiros, e os servidores são orientados de quando deve ser o auxílio ao novo sofredor; seu nome, nacionalidade, a data do desastre, o local e o gênero de

suicídio escolhido.


Com essas informações, se o indivíduo está em região pertencente ao raio de nossas ações, a busca será feita pelos servos da Vigilância. Geralmente, se não foi arrebatado pelas hordas perversas e obsessoras que o assediavam desde antes, o trabalho será fácil. Se, no entanto, a tarefa precisar de mais ajuda, temos o direito de solicitá-los, sendo prontamente atendidos. Há casos, como ficou esclarecido, em que temos a necessidade de apelar até para o auxílio de seres inferiores em termos de moral e esclarecimentos!


Se a outro eminente Espírito for dirigida a súplica, esta será encaminhada a Maria e seguirão as mesmas providências, mantendo uma hierarquia. Caso não haja uma solicitação específica, ainda assim, os acolherão em ocasião oportuna, através dos próprios dispositivos da lei de amor e fraternidade, que manda que pratiquemos todo o bem possível, fazendo ao próximo o que desejaríamos que ele nos fizesse.



De qualquer forma, porém, a Prece, externada com amor e veemência em favor de um suicida, é o sacrossanto veículo que conduz, em qualquer tempo, às consolações para aquele desafortunado, sendo um dos valiosos elementos de socorro em favor dos que sofrem. Ela aciona vibrações balsamizantes necessárias ao tratamento. A Prece torna-se ato de tão louvável repercussão, que aquele que ora por um suicida vira voluntário colaborador dos obreiros da Legião de Maria, coadjuvando seus esforços e sacrifícios na obra de alívio e reeducação a que se devotou!



O amável cicerone falou da existência daqueles temidos obsessores, chefes de falanges trevosas e perversas, os quais, além de suicidas, seriam também responsáveis por crimes terríveis, puníveis de reparações duríssimas através dos

séculos. Manifestamos desejo de vê-los. Contou as vezes se tratar de entidades

anormais, desconhecidas completamente pela nossa capacidade de imaginação,

monstros apocalípticos, talvez, fantasmas infernais que nem mesmo apresentariam forma humana.


O doutor de Canalejas interrogou ao elucidador, que nos guiava, se seria possível encontrarmos algum desses obsessores, por ser positivo conhecê-los para nos acautelarmos durante a próxima viagem aos planos terrenos. Padre Anselmo bondosamente permitiu, com uma pequena restrição:


- Concordarei em apresentar-lhes pequeno panorama do local onde alojamos os pobres responsáveis por tantos delitos, justamente ali na Torre ao lado, onde estão localizadas as chamadas prisões. Devo informar que tais obsessores já se encontram em vias de regeneração e sentem neste momento o pesado torpor em que têm mantido suas consciências, minimamente aliviadas do desespero do remorso. Têm o pânico do futuro e do que os espera como expiação, das reparações que terão de testemunhar mais tarde ou mais cedo. Amedrontados diante das próprias culpas, supõem que, enquanto resistirem aos convites que diariamente recebem para a regeneração, estarão isentos daquelas obrigações...

Daqui, porém, sairão um dia e o arrependimento marcará certamente seu novo roteiro.


Oh, meus caros amigos, vocês que começaram a dar os primeiros passos nas sendas redentoras dessa Ciência Divina que redime e eleva o caráter da criatura,

colaborem com a direção deste Instituto e com a Legião dos Servos de Maria

orando fervorosamente por estas ovelhas transviadas. Que este seja o primeiro ato com que iniciarão a caminhada extensa das reparações que deverão praticar.

E garanto que terão começado formosamente a programação das ações que deverão realizar para a confirmação do progresso de vocês!


Verão que eles são assistidos por dedicados zeladores por causa da ignorância fatal de que deram mostras, escolhendo a prática do mal. Por isso, retemo-los tirando-lhes a liberdade, de que muito abusaram. Assim, assistirão, através dos aparelhos de visão à distância, ao que se passa na fronteira...


Encontramo-nos de repente em extensa galeria. Não sei se as ondas fluido-magnéticas que se imprimiam como veículo desses aparelhos teriam o poder de se infiltrarem pelas fibras do nosso físico-astral, casando-se às irradiações que nos eram próprias; ou se seria o fruto poderoso da força mental dos mestres do magnetismo psíquico, mas, naquele momento, tínhamos a impressão de que caminhávamos, realmente, por aquela galeria toda envolvida em pesada penumbra, o que nos transmitia impressões de angústia e temor.


De um lado e outro da galeria, havia pequenos cômodos para estudo e residência, tais como sala de aula, refeitório e dormitório, oferecendo conforto suficiente para não chocar o recluso. Pareciam pequenos apartamentos de um internato, com hospedagem individual.


Não pude me conter e, dirigindo-me a Padre Anselmo comentei que se parecia mais um educandário do que prisão. Rodeados de amplas janelas por onde penetram ventos sadios, sem grades ou sentinelas, estes aposentos convidam antes ao recolhimento, à meditação e ao estudo proveitoso.


"- Sim - respondeu sorrindo o nobre governador da Torre -, cumprimos as leis de amor e Fraternidade, sob as normas educadoras do Mestre Magnífico. Realmente, não nos cumpre castigar quem quer que seja, por mais criminoso que se seja, uma vez que nem Ele o fez! Nosso dever é instruir e reeducar, levantando o ânimo decaído, o caráter vacilante, através de elucidações sadias, para a regeneração pela prática do Bem!... pois que a punição, o castigo, o próprio delinquente os traz dentro de si, com o inferno em que se converteu sua consciência... o que dispensa mais castigos e represálias! Ele próprio é que se julgará e em si mesmo aplicará as punições que merecer...


Mostrou, a título de exemplo, um homem, no vigor dos quarenta anos, e ia

gentilmente elucidando:


"- Eis um dos temíveis obsessores, chefe de pequena falange de entidades

endurecidas e maldosas, portador de múltiplos vícios e degradações morais, criminoso e suicida, que arrastou ao seu abismo muitos indivíduos -

desencarnados e encarnados. Não nos admiraríamos ver chegar, de uma hora para outra, ordens do Alto para uma reencarnação expiatória fora do Globo Terrestre, em planeta ainda inferior à Terra, para um estágio espiritual no qual poderia expiar mais rapidamente os débitos, que na Terra requereriam séculos! Tal medida drástica parece fugir à caridade que prefere esgotar todos os recursos lógicos e legais para persuadir ao arrependimento assim como à regeneração, mas serve-se da grande ternura e piedade de que só Deus sabe dispor!


Maria intercedeu por este infeliz, junto a seu Divino Filho, enquanto a nós, recomendou a máxima paciência, caridade e amor ao seu lamentável caso! Embora prisioneiro, recebe toda a assistência moral, espiritual e até "física", se assim me posso expressar, que a sua natureza animalizada e grosseira requisita. A moral cristã, que desconhece, é fornecida diariamente, como alimento indispensável, através do ensino do Evangelho, durante aulas coletivas, figuradas e encenadas, como viram naquelas reuniões terrenas a que foram conduzidos, que nada mais são do que postos auxiliares dos serviços realizados no Invisível.


Nossos métodos, todavia, mantêm outra espécie de ensinamento, enérgico,

quase violento, que somente os iniciados poderão praticar, dada a delicadeza da operação, que requer técnica especial... essa ação aqui é sempre confiada a um especializado dos mais populares em nossa Colônia - Olivier de Guzman, diretor do Departamento de Vigilância. Ele acumula tarefa das mais melindrosas, não só por ser esse o dever que lhe cumpre, como também devido à escassez de trabalhadores com essa aptidão. Vejam:..."


Sentado à mesa de estudo, as faces entre as mãos, em atitude de desânimo ou preocupação profunda; cabelos revoltos, cheios e ondulados; semblante atormentado por pensamentos confusos que emitiam em torno do cérebro um tipo de fumaça cinza encontrava-se o prisioneiro, ali, à nossa frente, como presente no mesmo local em que nos achávamos! Surpreendidos, porém, vimos no terrível obsessor apenas um homem, e não um ser fantástico! Trazia a configuração humana, grosseira e pesada, mostrando a inferioridade moral que o distanciava da espiritualidade! Vestia-se como quando sucumbira e, na altura do coração, apesar do longo tempo decorrido, o estigma trágico denunciava-o também como suicida: o sangue vivo e fresco, como se tivesse começado a jorrar naquele momento, derramava-se de largo orifício produzido certamente por punhal.


O mestre que o assistia entrou neste momento no cômodo. Ia, piedosamente, de aposento a aposento, levar conhecimento, a fim de que se norteassem. O antigo obsessor levantou-se respeitoso, fazendo vênia própria de um gentil-homem. Olivier de Guzman cumprimentou-o carinhosamente. O homem chamava Agenor Penalva.


O réu não respondeu e, mantendo-se emburrado, sentou-se a um sinal novamente à mesa, enquanto o guia permanecia de pé. Fisionomia grave, atitudes delicadas, conversação paternal, Olivier de Guzman começou a expor ao discípulo a explicação do dia, fazendo-o anotá-la em cadernos e levando-o a analisá-la para guardar na mente. No dia seguinte deveria apresentar uma resenha das conclusões feitas em torno do assunto.


Consistia numa tese sobre os direitos de cada indivíduo, nas

sociedades terrena e astral, à luz da Lei do Criador; mútuo respeito, solidariedade e fraternidade. O aluno analisaria a tese em presença das próprias ações cometidas durante a última existência na Terra e durante a permanência no Invisível até aquela data, confrontando-as com a moral cristã. O aluno tinha o direito de apresentar objeções, indagar em torno de dúvidas e até de contestar...


Seria uma como "doutrinação" feita pelo Guia, como as que costumamos assistir nas sessões mediúnicas, certamente avantajada pelas circunstâncias e pela sabedoria do expositor.


Perplexos diante da intensidade e extensão do exercício, indagamos para onde seria encaminhado este pobre Espírito uma vez convencido da necessidade do Bem. E por que obtém, apesar da má vontade, mestre de tal valor e lições profundíssimas, enquanto nós, que nos dispomos a trilhar o futuro de boamente, pouco vimos esses iniciados que tanto nos agradam.


"- Em primeiro lugar - esclareceu Padre Anselmo -, vocês são enfermos recém-saídos do Hospital, recém-chegados que nem mesmo concluíram o reajustamento psíquico... Esta etapa virá a seu tempo e não perderão por esperá-la...


Agenor Penalva ingressou há trinta e oito anos nesta Torre e só agora concorda em aplicar-se ao estudo de si mesmo para acatar a Lei e melhorar sua situação, que lhe vem pesando... De outro lado, justamente devido à inferioridade moral, necessita maior vigilância e assistência do que vocês. Um longo trabalho é necessário para ele, temeroso que se sente das consequências futuras dos

desbaratos que converteram em trevas a sua vida.


Ele voltará muito breve à reencarnação! Encontra-se excessivamente prejudicado, em suas condições mentais, para que seja conduzido a uma reencarnação de verdadeiro progresso! Só uma existência terrena longa, dolorosa, com decisivas transformações mentais, permitirá que para ele sejam traçados novos caminhos na rota do progresso normal... E é para convencê-lo a tal resolução, sem jamais obrigá-lo; dando forças suficientes para as pelejas ardentes que enfrentará na carne, que assim o detemos, procurando moralizá-lo, reconciliando-o consigo mesmo e com a Lei para que não sucumba mais uma vez! Continuai, porém, observando o que se passa em seus aposentos:"


O paciente levantou-se a fim de acompanhá-lo submissamente, como tocado por influências irresistíveis. Caminharam ao longo da galeria extensa, onde se localizavam as "prisões" dos abrigados, Olivier à frente. Entraram em uma espécie de gabinete de experimentações científicas e mistérios se desvendavam mostrando o quanto teríamos que aprender e progredir em matéria de psiquismo.


O local estava saturado de vaporizações magnéticas apropriadas à finalidade para que fora organizado, e suavemente emitiam luzes azuis, tênues, sutis, quase imperceptíveis à nossa visão ainda muito débil para as coisas espirituais, e absolutamente invisíveis à percepção embrutecida do paciente.


Sobre um tablado via-se uma cadeira transparente parecida com cristal, mas que pelo interior passava um fluido azul, fosforescente, como sangue correndo em artérias de um envoltório carnal, acionado por botões minúsculos e brilhantes.


A frente da singular peça, assistíramos ao fenômeno do desprendimento da organização material, retrocedendo mentalmente até à data do suicídio. Destacava-se um retângulo de cerca de dois metros qual espelho, placa fluido-magnética ultrassensível, capaz de registrar a menor impressão mental ou emocional de quem ali se apresentasse. Vimos ensombrar-se gradativamente, com a entrada de Agenor, como se hálito impuro a houvesse embaçado.


“- Este se trata de local de operações transcendentalíssimas! O aparelho que veem, harmonizado em substâncias extraídas dos raios solares - cujo magnetismo exercerá a influência do ímã, é uma espécie de termômetro ou máquina fotográfica, com que costumamos medir, reproduzir e movimentar os pensamentos... as recordações, os atos passados que se imprimem nos recantos psíquicos da mente, e que, pela ação magnética, ressurgem dos escombros da memória profunda de nossos pacientes, e se tornam visíveis como a própria realidade que foi vivida!"


Um terror sacudiu nossa fibratura psíquica. O primeiro ímpeto foi o de fugir, apavorados que ficamos ante a perspectiva de vermos também nossos

pensamentos e ações passadas assim, devassados. Mas a discrição, a

caridade desses amigos que jamais se prevaleciam de tal poder para humilhar-nos, nos deixavam à vontade, prevalecendo a cômoda opinião de que seríamos inteiramente ignorados. O que nos preocupava não era o sermos totalmente conhecidos deles, mas a possibilidade de vermos, nós mesmos, essas fotografias do passado; de assistirmos, nós mesmos, às monstruosas cenas que fatalmente se refletiriam no insuspeitável espelho, analisando-as e medindo-as.


“- Uma entidade iluminada e já educada em bons princípios de moral e ciência, precisa desses aparelhos para tirar dos arquivos da memória os pensamentos próprios, as recordações, o passado, enfim. Bastar-lhe-á a simples expressão da vontade, a energia da mente acionada em sentido inverso... e se tornará

presente o que foi passado, vivendo ela os momentos que foram evocados, tal como os vivera.


Para a reeducação dos inexperientes, porém, assim dos inferiores, tornam-se indispensáveis. Todavia, tudo quanto obtivermos da mente de cada um será para nós como sigiloso, e usado zelosamente para instrução dele, pois assim determinam as leis da caridade. Esporadicamente, como neste momento, poderemos algo mostrar, para iluminação da coletividade, ainda com maior razão quando essa coletividade se anima da boa-vontade para o progresso como vocês.”


No entanto, Agenor, visivelmente apavorado com a feição que iam tomando

os acontecimentos, apelou negando os fatos:


“- Engano e rigor excessivo para comigo!... Fazeis-me escrever as normas de um bom filho, de acordo com as leis do Senhor Deus Todo-Poderoso, que eu temo e respeito! Quereis que, mais uma vez, eu as estude para, amanhã, expor minhas recordações como filho, nas páginas do diário, analisando-as. Porém, se tenho certeza do que venho afirmando em torno de minhas recordações, para que tão exaustivo labor?!.... Por que me fazem sofrer tanto?... Não existe, pois, perdão e complacência na lei do bom Deus, que eu tanto amo?... pois sou profundamente religioso... e estou arrependido dos meus grandes pecados... Encontro-me aqui há tantos anos!... Passei por infernais calabouços, nas mãos da horda malvada que me arrebatou, após o suicídio, para sua banda...Perseguido fui por grupos sinistros de inimigos vingadores; batido como cão raivoso, maltratado como um réptil, corroído por milhões de vermes que me enlouqueceram de horror e angústia.

Carregaram-me prisioneiro, os malvados, atado de cordas resistentes, e prenderam-me na própria sepultura em que jazia... bem... quero dizer... Vós já o sabeis, meu mestre... Em que jazia aquela que eu amei... Sim! Que eu desgracei e depois assassinei, temendo represálias da família, visto tratar-se de uma menina de qualidade aristocrata... Ninguém jamais identificou o assassino... Mas aqueles malvados sabiam de tudo e depois do meu suicídio vingaram a morta... De tal forma me vi perseguido que, a fim de me libertar de tal jugo e eximir-me dos maus tratos que recebia, tive de unir-me ao bando e tornar-me um similar, pois era essa a alternativa que ofereciam... Devo, portanto, ter muitas atenuantes...

E agora, nesta Torre, tolhido em minha liberdade, sem sequer poder recrear-me pelas ruas de Madrid, que eu tanto amava, nem respirar o ar puro e fresco dos campos, como tanto me apraz!... Sou ou não sou filho do Bom Deus?!...

Ou serei irmão do próprio Satanás?!..."



Demonstrando serenidade, replicou o mentor generoso:


“- Ouvindo suas eternas queixas, Agenor Penalva, um desconhecido suporia que se cometem injustiças aqui”!... No entanto, a longa série de infortúnios que expuseste teve origem apenas nos excessos pecaminosos dos teus próprios atos e na truculência dos instintos primitivos que conservas... Há trinta e oito anos vens sendo pacientemente exortado a uma reforma íntima, que te assegure situações menos ingratas! Porém, negas-te sistematicamente a toda e qualquer experiência para o bem, na má-vontade de um orgulho que te vem intoxicando o Espírito, por tolher os movimentos a prol dos progressos que de há muito deverias ter concretizado! Grande complacência há-se desenvolvido aqui, em torno de ti, apesar de não a reconheceres!


Diariamente são expostos ao teu exame os motivos por que tua liberdade foi

tolhida. Sabes que és culpado. Sabes que arrastaste ao sorvedouro do suicídio uma dezena de homens, que se deixaram levar pelas tuas sugestões, desgraçando-os pelo simples prazer de praticar o mal ou por invejá-los de algum modo... assim como outrora, quando homem, desvirtuavas pobres donzelas enamoradas e levianamente confiantes, levando-as ao suicídio com a amarga traição com que as decepcionavas.


Mas teu orgulho sufoca as conclusões lógicas do raciocínio e preferes a revolta e o sofisma. Agora, porém, existem ordens superiores a teu respeito: - urge apressemos tua marcha para o progresso. Diariamente farás um exame sobre ti mesmo, provocado por nós, lento, gradativo, minucioso, que te convença da urgência na reforma interior de que careces.


Agenor Penalva, senta-te à frente deste espelho, que irá fotografar teus pensamentos e recordações! Volta tuas atenções para a época dos teus cinco anos de idade, na última existência que tiveste na Terra! Rememora todos os

atos que praticaste em torno de teus pais... de tua mãe em particular!... Assistirás às tuas próprias ações e serás julgado por ti mesmo, por tua consciência, que

neste momento receberá o eco poderoso da realidade que passou e da qual não se poderá furtar, porque foi fiel e rigorosamente arquivado na tua alma imortal!..."



Como todo Espírito grandemente culpado, no momento Agenor quis

tentar fugir. Encurralou-se no canto do aposento, suplicando.Mas, pela primeira vez desde que ingressáramos no magno educandário, soou aos nossos ouvidos uma expressão forte e autoritária, proferida por um daqueles delicados educadores, pois que Olivier de Guzman repetiu com energia:


"- Senta-te, Agenor Penalva! Ordeno-te!"



O pecador sentou-se, dominado, sem mais proferir uma palavra! O silêncio pairou.

Agenor parecia muito calmo, agora. Olivier, cujo semblante se tornara grave, acomodou-o convenientemente, evolvendo-lhe a fronte numa faixa luminosa.


A voz do mentor elevou-se, autoritária, porém envolvida em vibrações de ternura:


-Com cinco anos de idade, Agenor Penalva mora na casa dos seus pais,

nos arredores de Málaga... É o único filho varão de um casamento feliz e seus

pais sonham preparar-te um futuro destacado e brilhante!... São profundamente religiosos e praticam nobres virtudes de envolta com as ações diárias...

- Acorda dos refolhos da alma tuas ações como filho, em torno de teus pais... de tua mãe particularmente! Sem vacilar! Está na presença do Criador Todo-Poderoso! que te forneceu a Consciência como porta-voz de Suas Leis!..."


Então, surgiu para nossas vistas assombradas o inenarrável em linguagem

Humana. O pensamento, as recordações do desgraçado, seu passado, suas faltas, seus crimes mesmo, como filho, em torno de seus pais, traduzidos em cenas vivas, retratando sua própria imagem moral, para que ele a tudo assistisse, revendo-se com toda a hediondez das quedas, arrebatadas do fundo da memória adormecida, por atração magnética


A lamentável história desse assassino, suicida, sedutor, obsessor - ocuparia um volume profundamente dramático.


Desde os primeiros anos da juventude fora Agenor Penalva filho indócil e esquivo à ternura e ao respeito dos pais. Não reconhecera jamais as solicitudes;

seus pais seriam escravos cujo dever consistiria em servi-lo, preparando-lhe

condigno futuro, pois era ele o senhor, isto é, o filho! Ele mantinha atitudes despóticas, hostis, cruéis! Fora do lar, porém, prodigalizava amabilidades, afabilidades e gentilezas!


- Desejosos de lhe garantirem futuro isento de trabalhos excessivos, arrojaram-se os a sacrifícios imensuráveis, mantendo-o na capital do Reino e pagando-lhe os

direitos para a aquisição de um lugar na companhia dos exércitos do rei, visto que não sentira atração para a vida eclesiástica, desencantando logo de início o ideal paterno. Queria a carreira militar, mais mundana e que facilitaria o ingresso em ambientes aristocráticos, que invejava.


- Envergonhara-se da condição humilde daqueles que lhe haviam dado o ser; repudiou o honrado nome paterno, por outro fictício que melhor retumbasse a ouvidos aristocratas, proclamando-se mentirosamente descendente de generais cruzados e nobres.


- Com o falecimento do velho pai, a quem não visitara durante a enfermidade de que fora vítima, desamparou desumanamente a própria mãe! Tirou- lhe os bens e os recursos com que contava para a velhice, esquecendo-a na

Província, sem meios de subsistência.

- Fê-la chorar lágrimas da desilusão frente a ingratidão.


- Negou-se a recebê-la em sua casa de Madrid - pobre velha rude no trato,

simples no linguajar, rústica na apresentação -, pois era sua casa frequentada por

personagens da alta burguesia, em cuja classe contraíra matrimônio, fazendo-se passar por nobre.


- Encaminhou-a secretamente para Portugal, a um seu tio paterno sem nem se certificar do paradeiro exato dele. Sua mãe, assim, não localizou o cunhado que ali já não residia, e perdera-se em terras lusitanas, onde foi acolhida por favor por compatriotas piedosos.


- Escreveram-lhe os mesmos compatriotas, relatando a angustiosa

situação da genitora, que novamente lhe implorava socorro. Não respondera.


- Alimentando ideais ambiciosos, transferira-se para a América, abandonando até mesmo a esposa, a quem iludira com promessas, e a fim de evitar escândalos. Mais uma vez assumira a qualidade de algoz, seduzindo e até induzindo ao suicídio pobre e simplória donzela de suas relações.


-Desinteressando-se completamente pela mãe, abandonou-a para sempre, vindo a infeliz velhinha a arrastar-se miseravelmente pelas vias públicas, à mercê da caridade alheia, enquanto ele prosperava na livre e futurosa América!”

Agenor, porém, que, a princípio, parecera sereno, exaltara-se gradativamente, até o desespero; e, chorando convulsivamente, agora bradava, em gritos alarmantes, que o poupassem e dele se compadecesse o instrutor, repelindo as visões

como se o próprio inferno ameaçasse devorá-lo, o semblante enlouquecido por

suprema angústia, atacado da fobia cem vezes torturadora dos remorsos!


-Não! Não, meu mestre, mil vezes não! - vociferava entre lágrimas e gestos

dramáticos de desesperada repulsa. - Basta, pelo amor de Deus! Não posso! Não posso!

Enlouqueço de dor, meu bom Deus! Mãe! Minha pobre mãe, perdoa-me! Aparece-me, minha mãe, para eu saber que não amaldiçoas o filho ingrato que te esqueceu, e me sentir possa aliviado! Socorre-me com a esmola do teu perdão, já que não posso ir até onde estás a suplicar-te, pois vivo no inferno, sou um réprobo, condenado pela sábia lei de Deus!... Não posso mais suportar a existência sem a tua presença, minha mãe!

Aparece-me ao menos em sonhos, ao menos em minhas alucinações, para que ao menos eu obtenha o consolo de tentar um gesto respeitoso para contigo, que suavize a mágoa insuportável da tortura que me esmaga por te haver ofendido!

Perdão, meu Deus, perdão! Fui um filho infame, ó Deus clemente! Sei que sou imortal, meu Deus! e que Tu és a misericórdia e a sabedoria infinitas! Concede-me então a graça de retornar à Terra a fim de expurgar da consciência a abominação que a deturpa! Deixa-me reparar a falta monstruosa, Senhor! Dá-me o sofrimento! Quero sofrer por minha mãe, a fim de merecer o seu perdão e o seu amor, que foi tão santo, e o qual não levei em consideração! Castiga-me, Senhor Deus! Eu me arrependo! Eu me arrependo!“


"- Levanta-te, Agenor Penalva!" - ordenou, autoritário.


Levantou-se o desgraçado, cambaleante, olhos desvairados, como atacado

de embriaguez. Olivier de Guzman não interveio, tentando consolá-lo. Apenas levantou-o e, amparando-o paternalmente, reconduziu-o aos seus apartamentos. Chegando, recompôs sobre a mesa de estudo um grande álbum, e, numa folha em branco, escreveu um título e um subtítulo cuja profundidade abalançou nossa alma:


- TESE: O 4º Mandamento da Lei de Deus: - "Honrai o vosso pai e a vossa

mãe, a fim de viverdes longo tempo na Terra que o Senhor vosso Deus vos dará."- Relerão nos deveres dos filhos para com seus pais.


Em seguida, afastou-se. Não mais articulara uma palavra! Padre Anselmo torceu o botão minúsculo do aparelho. Findara igualmente a nossa visão!





Agenor agora se encontrava-se sob a tutela maternal de Maria de Nazaré...


Quando os portões da fortaleza se fecharam sobre nós, a fim de iniciarmos a

marcha de retorno, ouvíamos ainda, ecoando angustiosamente em nossas mentes:

"- Perdoa-me, minha mãe! Perdoa-me, ó meu Deus!"

52 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commenti


bottom of page