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No País dos Renascimentos - Capítulo 13


Pleno de Confiança


No mundo espiritual nem sempre as coisas acontecem da forma que desejamos. Se quisermos aproveitar a oportunidade que nos são oferecidas no campo dos reajustes, devemos acima de tudo amansar nossas personalidades travessas e contundentes para ouvirmos quem sabe mais, quem pode mais. Assim eu me encontrava na erraticidade, como dizia o grande mestre de Lion, em busca de uma identidade melhor que endireitasse minhas ânsias de ser da forma que suponha ser a melhor. Era quase noite. Haveria uma preleção no Centro de Informações de determinado departamento da colônia onde residia. Não seríamos muitos. Duas dezenas de colaboradores ainda confusos, ainda em processo de adaptação às realidades espirituais que nos surgiam. Neto, o orientador, iria nos passar informações importantes sobre a reencarnação.

Sim. Sobre a reencarnação. Eu que havia sido ferrenho crítico da sua realidade. Na última existência havia sido pregador em determinado templo. Ali, defronte ouvidos atentos e quase infantis, gritava em alto e bom tom que a reencarnação era objeto dos devaneios mentais, dos não redimidos, daqueles que não queriam aceitar Jesus e seu Evangelho. Sim, deixavam para depois a salvação que deveria ser imediata. Reencarnação para mim era sinônimo de acomodação, o contraponto de Deus que dava a Seus filhos mais oportunidades para errar e pecar nos abismos do mundo. Na minha concepção, na concepção da minha igreja, a salvação era feita pela fé, a fé em Deus que obrava por nós. A fé em Jesus que, imolando-se no madeiro, havia levado todas as nossas imperfeições. E moldava minhas pregações nesta dualidade: as obras são de Deus e Jesus o condutor dos nossos males. Nós, impróprios ainda para tal, éramos ovelhas em trânsito para os céus no convívio dos anjos que, certamente, nos ensinariam como tornar-nos um deles também.

No fundo guardava em minha alma o conforto de haver tentado. De ter sido sincero em minhas palavras, de ter sido fiel aos meus princípios e crente naquilo que dizia. Nossas noites, nossas tardes de domingo eram iluminadas pelas presenças sempre amigas de quantos nos procuravam para o culto, para o convívio salutar em nome do bem. Aquilo marcou profundamente meus sentimentos. Um dia, porém, fui convocado à uma estada no mundo das verdades. Havia sonhado encontrar anjos e encontrei homens. Homens simples, homens complexos, homens sábios, homens ignorantes ainda. Foi uma desastrosa surpresa. Eu estava inserido num contexto que não pregara que não conhecia e muito menos esperava. Minha mãe encontrou-me certo dia. Vinha ela de outras regiões que abrigam habitantes do mundo espiritual. Confortou-me como sempre. Também ela possuía as mesmas convicções que eu e como eu, teve as mesmas surpresas. Conversamos muito sempre que podíamos. Não foi fácil viver aquela realidade não buscada, não aceita, não entendida. Queria os anjos e encontrei homens. Queria apreciar o trabalho de Deus e fui convidado a trabalhar. Queria que Jesus promovesse minha redenção pela minha fé e fui informado que a redenção é individual e intransferível onde o Evangelho age como roteiro seguro.

Pior, um dia fui aconselhado a frequentar a escola do Espiritismo. Tinha absoluta certeza nas presenças satânicas durante as sessões e estudos daquela doutrina. Penalizava-me ver pessoas bem postas social e intelectualmente falando, envolvidas com aquelas artimanhas de Lúcifer. Orava com fervor por suas almas. Foi um transtorno quando soube que minha doce e suave Beatriz, filha do coração, estava namorando Túlio, importante divulgador da doutrina de Kardec. Nossas reuniões familiares eram tormentosas. Queria gritar para aquele moço que ele era mais uma conquista das trevas e que estava levando minha filha com ele. Sempre algo me detinha e nem os seus olhos seguros, sua fala permeada de sabedoria conseguia convencer-me de que ele estava certo e eu o errado. Beatriz contornava a situação. Amava aquele moço e me amava também. Um dia, esperou-me após o culto e me disse com ternura:

– Pai, que não seja a religião o motivo que venha a nos separar. Amo você, preciso de Túlio, pois também o amo e irei com ele, dentro daquilo que estudamos na bíblia de que um dia deixaremos nossas casas paternas.

Ela estava certa. Ninguém pode interferir no coração de ninguém. Exigi isto quando era moço e minha esposa era católica. Agora era a minha vez de retribuir. Tomei de suas mãos e lhe disse emocionado:

– Filha, bem sabe que detesto a doutrina de satã. Contudo se o seu noivo é profitente dela, permitirei que veja com os próprios olhos as permissividades que ondulam seus postulados. Cada um é portador das próprias escolhas. Nunca vou deixar de amar você e, que meus netos, um dia, tenham o mesmo direito de escolher, assim como faço com você agora.

Beatriz casou-se de forma solene num salão de festas perante o juiz e uma quantidade enorme de convidados espíritas e crentes. Foi um encontro singular. Muitos de nós esperávamos encontrar representantes das trevas e encontramos pessoas simples e sóbrias, contudo não tocaram nossas convicções. Terminada a festa retornamos para nossas lidas religiosas sem nos lembrarmos daqueles outros irmãos que dividiram conosco tamanha felicidade.

Estava eu naquele Centro de Informações. Neto começaria a nos preparar para algo que aconteceria dentro em pouco. Iríamos reencarnar! Penetrei com angústia aquele auditório. Era-me extremamente difícil a idéia de voltar de novo ao ventre materno, ser de novo criança, frequentar escolas para aprender tudo o que já sabia e viver vida nova, com outras pessoas, outro tempo, outra cultura. Não... Se pudesse falaria com Deus para mudar a forma de educar seus filhos. Reencarnar é regredir. É voltar ao passado enquanto há tanto futuro. Ser de novo joguete das intemperanças adolescentes, dos altos e baixos das sociedades. Ter que dar ouvidos a pessoas ultrapassadas. Isto era um tapa no meu orgulho pessoal de Pastor. Havia me preparado para co-habitar com seres superlativos e não voltar ao enxame de abelhas que povoam as colméias infectas de certas comunidades onde reinam o vício e as torpezas de todo jaez. Assim, de coração ainda pungido pela dor que se aproximava, penetrei aquele recinto.

– Amigos, a reencarnação se nos apresenta como a válvula de escape das nossas torturas, infligidas por nós, num passado longínquo e que se repete a cada nova oportunidade. Não se caminha nos planos da sublimidade sem antes temperarmos nossos sentimentos com o sal da boa vontade, da compreensão, da tolerância e da indulgência. Na reencarnação encontramos velhos sufrágios depositados em nossas consciências, muitas vezes infames, e os modificamos em votos de ventura através das ações sinceras, eivadas de bom senso e permanência em Jesus e Seu Evangelho que nos leva a redenção pelas obras que realizamos em prol do semelhante. Ninguém reencarna para aprender de novo o que já sabia e sim para realizar o que deixou de fazer, o que deixou escondido debaixo das pedras, nos fundos dos rios, nos subterrâneos dos castelos e nos sacrários dos templos de argila que limitam a mente.

Reencarnamos para adestrar nossas convicções em torno do infinito. Reencarnar é praticar a imortalidade. É permear as infinitas possibilidades de ajustes criadas por Deus. Reencarnar é passar a limpo os rascunhos do ontem. É abraçar e afagar o inimigo, é pagar com as cédulas do amor, antigas dívidas monstruosas, impagáveis com as moedas correntes no mundo capitalista. Reencarnar é tomar de novo, novo templo de aperfeiçoamento que é o corpo físico e transportar com ele, qual barco, nos rios que nos levam aos grandes mares. É olhar o vício e buscar vence-lo. É passar pelas propostas das promiscuidades e supera-las num átimo de virtuoses que jazem escondidas e efervescentes no âmago de cada um. Reencarnar é abrir, par a par, as portas da centelha, marca de Deus, depositada em nós, por Ele. É sentir-se menino de novo nos grisalhos dos nossos cabelos. Jovem intrépido e fortalecido nas marcas que fizemos com nossos pés cansados. É olhar de novo o mundo e senti-lo conquistável pelas forças em nós renovadas. É vencer velhas convicções, superadas, atávicas e prisionais. É deixar o olimpo dos nossos deuses entronizados e passearmos levemente pelas campinas e encostas construídas por Jesus para nossas estadas e aprendizados. Reencarnar é sorver de novo o néctar da vida no cálice de cristal das nossas propostas renovadas, retemperadas, repensadas, cujo alvo é chegar ao seu termo como caminhante seguro mesmo que numa estrada de pedras.

Neto emocionava-nos com sua retórica eivada de amor e emoção. Ele quase me convencia a reencarnar com alegria. Olhei-o com os olhos de médiuns que consegue avançar nas eras e ver em cada qual um pouco da sua história trazida em seus corpos perispirituais. Não consegui. Neto era jovem. Sim, aparentava no máximo trinta anos. Aquilo era discurso para os de sessenta anos. Foi aí que alguma coisa em mim bateu suave e contundente:

– Ele fala com a propriedade de inúmeras reencarnações vividas. Aqui, ninguém é jovem ou velho. Aqui, somos experientes ou não. Sábios ou ignorantes. Personalistas ou indivíduos à procura de suas singularidades com o Pai.

Neto era a síntese das suas reencarnações. Quantas ele viveu? Por quantos países passou? Quantos corpos habitou? Quantos enterros e renascimentos? Quantos bancos escolares e bancadas da vida frequentou? Cada um com sua história e sínteses. Cada um com seu querer e possuir, seu poder de transformar e permanecer e avançar. Aquela preleção continuou por mais tempo. Fizemos perguntas, obtivemos respostas. Ele sempre as tinha. Nós –– as dúvidas. Ele – a certeza. Nós – o “vir a ser”. Ele o – “eu sou”. Saímos dali com nossas mentes em desalinho. Sim, é bom desalinhar a mente. Quanto ela permite é porque não está convicta de estar fazendo o melhor para nós. A mente só se alinha definitivamente, na intimidade de cada consciência, na presença da Centelha Divina expandida. Até lá, patina de planos a planos, escorregando, firmando, desmoronando, reconstruindo, divagando, solidificando... Tudo de conformidade com a história de cada civilização vivida e da civilização prometida pelo Mestre, quando o Seu reino for deste mundo.

Passaram-se meses e anos. Neto era agora procurado por mim. Frequentava sua sala de trabalhos. Somente uma alma daquele nível poderia transformar-me a favor da idéia dos renascimentos. Acompanhei com ele vários casos de reencarnações. Vi muitos amigos retornarem ao corpo físico e iniciarem novas vidas, com novas possibilidades. Havia um em especial. Era o Paulo. Eu o conheci durante nossos estudos preparatórios. Havia sido ferrenho defensor de determinada idéia política. Lutou e morreu por ela. Promoveu a revolução íntima e fez dela uma grande revolução social. Havia desencarnado a muito tempo e necessitava aplainar seus cabelos revoltos pelos ventos que sopram forte e apenas circundam o mundo sem nada de útil apresentarem para os homens, a não ser tufões arrasadores que promovem com suas presenças. Seria agora importante conselheiro numa democracia claudicante. Deveria lutar para que as tormentas revolucionárias não o impulsionassem de novo aos torvelinhos da inconsequência, do querer fazer num dia, o que Deus levou “sete” para realizar. Acompanhei sua aproximação ao futuro lar. Progenitor ocupante de alto cargo na política pensou logo em fazê-lo seu sucessor e assim recebeu-o com as honras de futuro estadista. O prato era bem servido e Paulo deveria absorver somente as partículas que lhe fossem necessárias.

Vi-o menino aprendendo com o pai, afagado pela mãe e respeitado pelos irmãos mais velhos. Seu novo corpo era muito mais belo que o anterior. Era também mais forte. Certamente lhe daria todas as condições para exercer com força e propriedade suas tarefas do porvir. Estudava em renomada instituição de ensino e o vi no passado, na encarnação anterior, sendo estimulado às guerras e aos morticínios, ao possuir e vilipendiar, ao impor suas idéias pelo preço dos ferrolhos. Ali, era tudo diferente. Um quarto sóbrio no sótão daquela casa luxuosa. Pais amigos e cobradores sensatos, irmãos conscientes, familiares envolvidos com a pátria e seus caminhos nos rumos certos e professores sábios ministrando o reaprender e o aprofundar de forma solícita, aguardando que o aluno apreenda a lição para seguir em frente. Numa das visitas que fiz a Paulo, agora menino de quatorze anos, quase abrindo o coração para o olhar de Wanessa, importante e certa companheira na vida do futuro, fiquei extasiado! O tempo era outro. As pessoas diferentes, as sociedades melhores, o país melhor, o biótipo aprimorado pela seleção natural dos genes. Era tudo divinamente novo! E mergulhei fundo na idéia da reencarnação, do renascer, do reviver, do aproveitar de novo, do nascer de novo! Sim, eu seria um espírito reencarnado! Saí feito menino bobo e tonto da praça, gritando para todo mundo que enfim conseguira entender o que é reencarnar. As pessoas sorriam de mim e senti-me pleno a flutuar naquele novo estágio de consciência. Satanás não existe... Eu gritava para todos. Uma menina linda correu em minha direção. Era maravilhosamente bela, cabelos longos, sedosos, loiros. Olhos de luz, mãos de veludo, tomou as minhas mãos e me perguntou:

– Quer que eu renasça com você?

Dito isto, subiu a um trono-palanque e entoou sublime canção, certamente composta nos planos excelsos. Depois desapareceu como nuvem ante nossos olhares de emoção. A reencarnação é isso. É tomar nas mãos as mãos dos anjos e torna-los nossos mentores, nossos guias espirituais, condutores das novas propostas. Em meio a tanto renascimento, presenciei ali, com alegria suprema, a morte de um velho senhor, antigo pregador das próprias verdades. Estendi minhas mãos para o futuro e disse a Jesus, perante todos, que queria a fé pelas obras, a redenção pelo muito que fizesse para domar minhas más tendências.

Semana que vem começa a redução do meu perispírito. Escrevi antes para que eu seja testemunho da transformação. Já conheci meus pais. Lembram-se da Beatriz, minha filha? Será agora minha avó. Túlio, seu esposo, meu grande irmão de jornada. Modificamos os entornos familiares, mas não modificamos a essência dos afetos que nos unem infinitamente uns aos outros. Vou reencarnar e terei quantas outras forem necessárias, neste ou em outros mundos até o dia em que, liberto das minhas máscaras, encontrar definitivamente o meu “eu sublime” e o meu caminho de retorno a Deus. Não maldigo o passado. Conheci partes que o compõe. Hoje sei que a felicidade e a liberdade espiritual se constroem passo a passo, letra a letra, dimensão a dimensão. Não há quebra abrupta, nem torneios espetaculares que nos premiam com os troféus dos arcanjos. Há o sorver o cálice das redenções e o envolver-se nas torrentes do amor plenificado pelo saber, pelo acontecer nos campos das virtudes, próximo passo a ser conquistado pelo homem, queira ou não queira. Não importa, é lei.

E você, amigo leitor reencarnado. Saiba que existe um anjo maravilhosamente belo, cabelos longos, sedosos, loiros ou não. Olhos de luz, mãos de veludo, tomando das suas e o ajudando a crescer dentro deste seu renascimento, preparado com exclusividade para você, dentro das suas necessidades. Ah amigo ou amiga tanta gente confia em você, espera de você, por você!

Destrone o velho, faça-o morrer solenemente na sua praça, se é que ainda o cultua. E corra, e cante e alimente em si a certeza de que vamos renascer tantas vezes quantas forem necessárias e mais, muito mais, que somos filhos de Deus, herdeiros das suas mansões de sublimes esplendores. Levante-se Toma da sua charrua e are o terreno e seja semeador nele e seja feliz por isso, assim como estou sendo agora ao escrever-lhe. Encontre-me na minha reencarnação e me indique o caminho da lealdade, da honestidade, da fidelidade a Deus e aos homens e terá ajudado a uma alma a se redimir e a caminhar com solicitude pelos caminhos da evolução.





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“... note que me refiro ao bem e não ao destino. Muita gente confunde plano construtivo com fatalismo...”


André Luiz

Missionários da Luz, FEB, 1976 – Cap. 13








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