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No País dos Renascimentos - Capítulo 14

Renascimentos Compulsórios


Na antecâmara daquela sala todos aguardavam ansiosos. Era um dia especial. Marconilda, a mãe assustada, aguardava a audiência marcada com o instrutor Talemes. Ninguém supõe o que é ser mãe de um filho preso aos abismos terríveis que existem em regiões obscuras do planeta. Lá não se tem esperanças e as consolações não atingem aqueles corações. Os dias não existem, as noites são intermináveis. Gritos, maldições, acorrentados, estuprados, violência sem dó acomete aqueles moradores incautos que preferiram o mar das fantasias e os oceanos das tempestades quando estavam encarnados. O filho de Marconilda estava preso a poderosa falange que o impunha sevícias inconfessáveis. A pobre mãe clamava pelo filho, perambulava de porta em porta pedindo ajuda. Quando via um grupo de samaritanos dirigindo-se às zonas infernais, corria e suplicava de joelhos que encontrasse seu filho e o trouxesse com eles. Mas, nem sempre é assim. Nem sempre os trabalhadores de Jesus podem retirar daqueles antros os que lá se encontram jungidos pelas vias vibracionais. Assim o caso era esperar. Aquela mãe havia conseguido uma entrevista com Talemes, importante condutor de reencarnações compulsórias. Quem sabe não seria a solução? À hora acertada a porta se abriu e a angustiada mãe penetrou o recinto.

– Acomode-se minha irmã. Talemes, homem de aproximados sessenta e cinco anos, tinha expressão grave, bigodes grossos, barba rala e vestia um jaleco amarelo ouro. A calça era marrom e possuía atitudes de decisão.

– Então, o senhor conseguiu?

– Há sim uma solução dona Marconilda!

– Senhora Mãe de Jesus! Muito obrigada, muito obrigada, senhor...

Marconilda caiu de joelhos aos pés daquele trabalhador de Jesus. A cena era comovente. Um coração de mãe se curvando perante uma possibilidade de ajudar o filho. Naquele instante pensei seriamente nesta questão de pais e filhos. Como se estabelecem essas ligações tão intensas, tão estranhamente entrelaçadas. Marconilda chorava de felicidade não se importando a qual decisão chegara o instrutor.

– Levante-se senhora. O momento não carece da sua reverência. O que necessitamos é conversar sobre seu filho. Veja que por várias ocasiões foi ele colocado entre pessoas que o amava e que tudo fizeram para seu desenvolvimento intelecto-moral. Seu filho, no entanto, preferiu todas as vantagens procuradas pelos ímpios e insanos. Como sabe o tempo na Terra é breve. Uma encarnação, por mais longa que seja, dura pouco e necessário se torna aproveitar cada instante. Quantas vezes foi ele retirado daqueles companheiros que se tornaram comparsas. Seu filho tem um triste histórico envolvendo homicídios, suicídios, estupros e falcatruas financeiras.

– Mas instrutor, não se pode perdoar nossos erros?

– Sim. Acontece que o perdão não é a redenção pura e simples das nossas ações nefandas. O perdão significa dar nova chance. Perdoar infinitamente os mesmos erros cometidos pela mesma pessoa é incentivá-la aos erros constantes. A misericórdia divina funciona como o pêndulo da grande balança das nossas ações. Perdoar significa erguer o caído a apontar-lhe novo caminho.

– Entendo senhor. Entendo.

– Vamos retirá-lo dos abismos!

– Verdade? A mulher deu um salto de alegria e, de novo, ajoelhou-se aos pés de Talemes e agora pegou suas mãos beijando-as compungidamente.

– Levante-se irmã. Vamos conversar como dois espíritos adultos que procuram solucionar um caso de abandono da felicidade.

A mulher levantou e limpou as lágrimas que rolavam em suas faces. Talemes estava certo o importante agora era ver o filho longe daqueles verdugos infernais.

– Ele será trazido para a nossa colônia e recolocado em novo corpo físico. Existem mães encarnadas que recebem filhos de outras mães para educá-los. Temos uma experiente companheira encarnada e que pratica essas ações voluntárias e de grande valia para os serviços de reajustes das almas.

– Quem é essa santa mulher? Perguntou Marconilda.

– Trata-se de Romilda. Está no corpo físico a apenas trinta e cinco anos e, desde cedo se dedicou a amparar filhos abandonados por mães que os geram e os entregam à sorte. Mesmo assim ainda são bem melhores que aquelas que abortam seus fetos. A essas os castigos e as dores que as aguardam são do tamanho das suas maldades e inconsequências, não importando se é legal ou não praticar o aborto pelo simples fato de não querer a criança. Seu filho será entregue nas mãos de Romilda e crescerá ao lado de novos companheiros, também de infortúnio, para juntos aprenderem as lições cabíveis às suas libertações espirituais.

Aquele era apenas um caso entre centenas de outros que permeiam os trabalhos dos abnegados construtores da felicidade naquelas almas decididamente inaptas para gerir seus próprios destinos. Ali, naquele departamento, almas em absoluto sono letárgico tinham suas encarnações programadas, compulsoriamente, dado à necessidade de renascer para crescer. Geralmente eram filhos e filhas da devassidão moral e que utilizaram seus tempos e oportunidades na feitura de ações nefandas em todos os sentidos. Traíram, violentaram, assustaram a ordem com suas imprecauções, utilizaram o poder e a beleza para prender suas vitimas em garras felinas. Suas sexualidades eram, na grande maioria, terríveis canais de energias pastosas, infectadas dos mais perigosos vírus que produzem dores e deformidades, desnorteando o caráter e aviltando a personalidade. Esses pobres irmãos e irmãs não possuem o direito da escolha no processo dos seus renascimentos. Estão sempre entregues ora aos verdugos que os assaltam e aniquilam e ora aos amigos abnegados que conduzem suas encarnações visando a limpeza dos seus corpos perispirituais. Aqueles que abusam do direito da escolha, acabam perdendo a grande liberdade de decidirem sobre si próprios.

Estive andando pelas ruas de grande cidade e colhendo informações sobre os renascimentos compulsórios. Quando identificava alguém, com a devida autorização dos instrutores, procurava seguir seus passos. Quantas vezes tive que parar, sentar-me na calçada e refletir severamente sobre a vida e o livre arbítrio. Ao longe, vinha um irmão. Andava trôpego. Hora ria, hora chorava. Estava com fome. Lá atrás ficaram a mulher e uma filhinha de três anos. Todas as mãos se fechavam quando a sua era estendida. Todos os olhares se desviavam quando encontravam os seus. Todos os sorrisos se calavam quando ele passava. Vez em quando, alguém lhe atirava migalhas das suas sobras, ele as pegava e corria para alimentar a filha, debilitada e desnutrida lutando pela vida. Suas preces eram simples balbuciar sem nexo dirigidos muitas vezes aos deuses que violentam para sobreviverem. Pouco mais adiante, meninas, mulheres em lastimável abandono vendiam seus produtos a compradores que queriam suas carnes e atiravam em suas faces e em seus corações femininos propostas fartas de torpezas. Muitas aquiesciam, muitas fugiam para refúgios sob as pontes, construções abandonadas ou sítios perigosos onde a perversidade cava buracos para enterrar mortos esfaqueados, baleados, vitimados por toda a sorte das suas maldades. Transformava-se aquele local em esconderijo do crime e o regaço daquelas pobres crianças. Aves decaídas à procura do pouso. No entanto, de grande valia temporal.

Numa noite fui atraído pelos gritos de uma criança. Era uma residência fétida, sem o mínimo respeito à higiene. Lá dentro uma mulher totalmente embriagada ria e incentivava a atitude do marido violentando a própria filha de cinco anos. Outro menino, filho de um casal morto pela bandidagem, era seviciado por aquela mulher repugnante. Uma verdadeira orgia. Naquela noite resolvi visitar regiões abismais em companhia de competentes condutores. Lá, algo semelhante acontecia entre aquelas almas perdidas pelos erros.

– Percebe? A mente guarda as lembranças dos abismos e retorna para as atitudes anteriores com mórbida fidelidade. Falou-me um instrutor.

– Naquele caso que vimos na crosta, quando adultos seviciavam crianças, todos estavam envolvidos no mesmo processo?

– Sim. E provavelmente as crianças seviciadas naquela casa foram os seviciadores adultos dos próprios pais numa outra oportunidade.

– Então os reencarnes compulsórios...

– Os reencarnes compulsórios muitas vezes são tentativas. Costumam ser pequenas portas que se abrem para a luz. Nem sempre representam a libertação total das nossas torpezas. É o início de uma nova vida, mas ainda são permeados de muitas dores e insanidades. O pobre homem que viu angariando alimento para sua família provavelmente foi aquele grande senhor do passado que jogava fora seus restos alimentares não se importando com a fome lá de fora. Tipos assim encontramos sempre. Debalde são informados. Sempre irascíveis, deixavam crianças ao relento e de estômagos vazios, muitas vezes, filhos dos próprios empregados e, quem sabe, seus próprios filhos numa encarnação passada posto que estamos tomos entrelaçados no carrear dos renascimentos.

– E até quando vai tudo isto? Perguntei.

– Há um momento em que os semelhantes se curam injetando remédios pelas mesmas vias por onde penetraram as doenças. Então, curados, retomam seus caminhos. Respondeu-me o amável instrutor.

De volta ao departamento dos reencarnes compulsórios acompanhei de perto programações e histórias de irmãos envolvidos com as trevas. Quantas deficiências físicas e mentais são necessárias para corrigir o agressor de si próprio. Isto não quer dizer que todos os deficientes físicos e mentais renasceram compulsoriamente. Muitos, lúcidos, escolheram suas provas. Outros, espiritualizados, reencarnam nessas condições para estimular os órgãos públicos a auxiliar e proteger aqueles que não possuem mobilidades plenas. São verdadeiros missionários que dedicam um tempo nas suas existências para ajudar outros irmãos. Renascem com as peias dos grandes líderes e vencem suas limitações e estimulam os mandatários a criarem leis e condições para os irmãos que necessitam daqueles corpos para se ajustarem com as Leis Divinas. Há casos de reencarnados compulsórios vivendo em verdadeiras mansões. Raramente se ajustam àquela realidade. Podem manchar com suas presenças os adornos que estão às suas voltas. São reencarnes de filhos da miséria moral ao lado de promessas de acertos de contas. Ninguém passa pelo que não necessita. Nestes casos o ideal é sorver gota a gota o cálice de tristezas amparado pela doutrina espírita que instrui e conduz. Pelo Evangelho de Jesus que redime e pelo trabalho que constrói. Há casos de andarilhos vitimados pela maldade social que são almas virtuosas, expondo-se para chocar. Chocar para que os homens públicos adornem suas comunidades com a riqueza das suas benevolências, deixando de pensarem tanto em si para pensarem no companheiro ao lado.

A reencarnação é sempre uma benção para aqueles que dela necessita. Por isso que os suicidas são terrivelmente punidos, primeiro pelas suas consciências e depois pelas Leis de Deus que não aceita a covardia de fugir das responsabilidades. Reencarnar é ajustar a alma para os discernimentos do futuro. Enquanto estamos encarnados, nossas almas ou se acomodam ou se permitem aprender pela repetição ou maculam-se mais pelo retorno às ações nefandas ou provam a si própria suas competências para os próximos avanços. Nada de saltos espetaculares. Nada de abuso de poder pelo livre arbítrio. Uma reencarnação levada a sério nos isenta de visitarmos e habitarmos as regiões de sombras que existem, por enquanto, em nosso mundo.

Conheci Maria. Sua encarnação foi compulsória. Antiga pregoeira de ilusões, vendeu frascos de venenos para aplacar a dor da paixão não correspondida. Fez abortos e comercializou meninas para os bordéis. Era a conhecida Maria faz tudo, resolve tudo. Tinha amizades nos palácios e nos sepulcros e vivia ricamente vestida por saias vermelhas e jóias penduradas no pescoço. Tinha braceletes de ouro, pedras preciosas nos dedos e contas bancárias que faziam os gerentes curvarem-se à sua presença e oferecer-lhe pastéis e sucos. Um dia, obesa, morreu de repente. Não se pode descrever o tamanho da sua dor e a região onde foi morar. Mãos protetoras resgataram-na e a colocaram em novo corpo enquanto se encontrava no auge da uma letargia mental. Maria é hoje pregadora do bem, protetora de meninas desvalidas e manipuladora de remédios que curam. Veste roupas simples e é procurada por todos onde mora. Sempre por aqueles que não podem comprar o remédio ou pagar uma consulta aos psicólogos. A reencarnação compulsória muitas vezes nos desperta da letargia, fazendo-nos esquecer o passado próximo, conduzindo-nos a um tempo de glórias, onde éramos senhores augustos na Criação e que, num ápice de tontura e invigilância, nos resvalamos.

São magníficos os recursos que Deus nos oferece para o soerguimento. Nenhum de nós se perderá nos cipoais por onde passamos ou brincamos, enquanto infantes espirituais. A roda dos renascimentos, como bem prega as doutrinas orientais, é um caminho virtuoso que nos elevará à condição de espíritos libertos da carne. Mas enquanto ela nos for necessária devemos aproveitá-la ao máximo, porque tudo tem o seu tempo. Tempo de nascer. Tempo de crescer e tempo de progredir. Não podemos queimar etapas e tampouco queimar oportunidades. Sabedoria é um conceito que necessita estar sobre nossas mesas diárias. Sem ela seremos presas fáceis dos nossos brinquedos criados pela mente para nos acalentar em nossos sonos de criança. O acalanto faz adormecer. A sabedoria faz despertar. O corpo necessita do repouso o espírito não. Enquanto o corpo adormece o espírito, desperto, planeja para que a compulsoriedade do dia seguinte não o pegue de surpresa.


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“Deus sabe esperar, não apressa a expiação. Todavia, pode impor certa existência a um Espírito, quando este, pela sua inferioridade ou má-vontade, não se mostra apto a compreender o que lhe seria mais útil, e quando vê que tal existência servirá para a purificação e o progresso do Espírito, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.”


Espírito Verdade

O Livro dos Espíritos, EME, 2004 – Q. 262a


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