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No País dos Renascimentos - Capítulo 15

O Dia do Senhor



Eu morava numa colônia muito diferente de todas aquelas que vocês têm notícias. Ela não ficava dentro da esfera, ela rodeava a esfera como a lua rodeia a terra. Lá tudo era bem diferente. Víamos o sol muito maior e mais belo e não queimava tanto quanto queima na Terra. À noite as estrelas ficam mais próximas e o céu não é escuro, é sempre azul. Os cometas são como fachos resplandecentes e os meteoritos caíam como pétalas dos céus. À tarde saíamos para ver os espíritos sublimes das esferas mais altas entoarem o canto à Mãe de Jesus. Quase sempre uma emissária da doce senhora vinha até anos agradecer a homenagem em nome daquela mulher ímpar que recebeu nos braços a luz divina representada pelo menino Jesus. Pela manhã andávamos por parques floridos e nosso alimento matinal era o aroma néctar daquelas flores multicores que embeveciam nossos olhos. Em seguida éramos levados para a escola dos renascimentos e, ali, dispostos em turmas diferentes, meninos, meninas, data de reencarne, estado em alguns casos, quando as cidades eram grandes metrópoles também nos dividiam nos grupos que renasceriam juntos num mesmo sítio, como referem lá.

Era interessante o aprendizado. Ficávamos sabendo sobre o nascimento de cada país, seus habitantes antecessores, seu projeto futuro, a cultura predominante. Numa grande tela víamos cenas diárias e cada qual procurava identificar sua próxima área de ação dentro daquelas cidades. Numa daquelas visualizações, peguei a mão do meu amigo Antonino. Estávamos num parque. Lembramos de outras tentativas. Ali tínhamos um pouco de lembrança das últimas encarnações. Antonino olhou-me fundamente quando a tela identificou o bairro em que iria renascer. Era um estuário. Antonino, antigo navegador, queria estar em contato com o mar mesmo que o singrar não fosse a base das suas atividades. Os aromas do passado impulsionam o nosso presente. Eu renasceria bem longe dali, no cerrado. Sim sempre fui livre, sempre quis marcar meus caminhos pelos campos da liberdade de expressão, de ir e vir, de escolher, de detestar, de amar... O cerrado era-me mentalmente familiar e consegui a graça de renascer ali.

Havia, porém, um grande problema: deveria encontrar o Antonino pouco depois de deixar a adolescência. Nossos futuros pais não dispunham de tanta folga financeira e, meninos ainda, com certeza não teríamos condições de arcar com as viagens que promoveriam nosso encontro. Nos renascimentos são assim: marcamos o encontro, se ele não acontecer no tempo certo, ficamos vagueando feitos pássaros à procura do seu refrigério. Chegamos um momento na evolução que apenas uma alma penetra nosso santuário, nosso sanctum sanctorum. Era o nosso caso. Almas antigas, vergastadas pelo tempo e pelos erros, deveríamos nos construir, construindo um hospital para doentes mentais. Éramos experientes no assunto. Também nós passamos pelas estradas da loucura. Quem é louco e se recupera é a pessoa ideal para recuperar outros irmãos. Seríamos, assim, médicos psiquiatras e nos encontraríamos na mesma faculdade. Olha, era um projeto e tanto! Minha mente, acostumada às blandícias daquele satélite espiritual, reclamava serviço. Meu perispírito, novo corpo, minhas mãos, novas ações.

Naquela tarde conversei seriamente com ele. Porque não mudarmos o rumo dos nossos renascimentos? Nossos futuros pais estavam prestes a morar na mesma cidade e tudo seria facilitado. Acontece que minha vontade de liberdade e a saudade do mar, que o inundava, dificultavam as coisas. Pensei em ceder. Meus pais eram os mais interessados em mudar do cerrado para o estuário. Também eles tinham velhas histórias ligadas ao mar. Os pais do Antonino necessitavam melhorar suas condições de vida e o cerrado ofereceria maior oportunidade. Meu futuro sogro tinha sido antigo fazendeiro e conhecia bem a terra, a agricultura e os tempos de plantar e colher.

Ninguém imagina na Terra que uma divergência desse porte pode acontecer quando programamos nossos renascimentos. Há que ter boa harmonia entre os que vão reencarnar com aqueles que já se encontram encarnados. De certa forma eu era esperada com avidez pela minha futura mãe. Várias tentativas haviam sido feitas. Muitos tratamentos e, enfim, coroados de êxito, eu, minha mãe e meu pai nos reencontraríamos. A família do Antonino era diferente. Já tinham três filhos e a chegada dele seria recebida com muita apreensão. Mas não seria abortado. A rigidez cultural daquele lugar não aceitava tal procedimento. Seria criado como os demais, da forma que fosse possível. Sabem isto pouco importa quando se tem necessidade de reencarnar. Muitos que estão no corpo físico fazem contas, esperam, planejam, fazem poupança. Esquecem-se de que somos espíritos. De repente nasce um virtuose da música, do teatro, das letras, das ciências ou outras expressões e que podem transformar toda a realidade econômica da família. Difícil dizer isto para o encarnado da classe média, principalmente. Esperava que o mesmo não me acontecesse. Também teria que receber filhos a quem muito devia. Receber um filho é a melhor forma de nos quitarmos perante as Leis de Deus. Um filho é uma benção, uma proposta de redenção e crescimento.

Eu e Antonino não chegávamos a um acordo. Acho que éramos muito personalistas, dois bicudos tentando se beijar. Aproximou de nós um homem enorme chamado Nilon. Conhecíamos aquele mentor.

– Até agora discutindo a mesma coisa?

Ficamos envergonhados.

– Nem a beleza deste local faz com que removam velhas atitudes arcaicas?

Quem deveria ceder? Quase perguntei. Tive medo que ele dissesse que era eu.

– O tempo está chegando. O comboio de partida já deixou a estação. Em breve terão que embarcar. É bom que já levem no passaporte o visto de entrada no local em que renascerão. Cada cidade possui suas regras. Seus mentores e seus caminhos. Os mentores de lá precisam da decisão de vocês.

Nilon continuou sua caminhada. Antonino soltou minha mão e começou a andar pelo verde daquele local imensamente belo. Deitei de peito para cima. Queria perguntar a alguém o que fazer. Quem deveria ceder: eu ou ele? Um vento passou e nele estava cifrada uma mensagem:

– Não se esqueçam que os nossos irmãos encarnados necessitam saber o que vão decidir. Também lá existem comboios que partem no tempo certo. Levantei-me. Era hora de ouvir a preleção de Maria Cândida, importante conselheira daquele lugar.

– Irmãos e irmãs, a reencarnação é absolutamente necessária. Ela ainda está no roteiro de vocês. Será a aurora das suas vidas que começam a penetrar no Dia do Senhor. Anos passados saiu daqui Lucinda. Não sabia o que fazer. Não sabia que profissão escolher. Eram múltiplas suas possibilidades e, sua principal atividade seria a de acalentar velhos senhores e senhoras abandonados nos asilos. Faltando alguns dias para nos deixar, apresentou-se vestida de flores, pegou um cesto cheio delas e decidiu:

– Serei florista!

Lucinda poderia ser jurista, economista, presidente do país, ministra da educação ou qualquer outra atividade. Escolheu as flores. Hoje já as cultiva no jardim da casa que a acolheu e será, com certeza, a mais importante floricultora da cidade onde renasceu. Muitas vezes não importa o que vamos fazer ou onde vamos renascer. Importa sim, o renascimento.

Aquela preleção foi muito importante para mim. Procurei Antonino, meu futuro noivo e esposo, peguei suas mãos e lhe disse com certeza. Quero o estuário e ele me disse, quero o cerrado! Olhei-o nos olhos e disse como que entoando uma canção do mais sincero amor:

– Quero você!

– Também quero você!

O comboio estava prestes a chegar à estação. Nilon aproximou-se e nos informou:

– Os pais de Suliam mudam-se este mês para o estuário. Suliam seria meu novo nome quando renascesse. E o instrutor continuou:

– Os pais de Adônis ficarão. O cerrado é longe.


Suliam e Adônis. Olhei Antonino. Ele me abraçou e passou a mão na minha testa. E, de repente uma tela se abriu e me vi num passado muito distante. Estava num navio imenso e um jovem belo como o meu noivo aproximou-se de mim, tomando-me nos braços.

– Quero você! Disse-me.

– Também quero você. Respondi-lhe.

Não era necessário dizer mais nada. Foi no mar que nos conhecemos na primeira vez que encarnamos na terra, vindos de outra estação que flutua no universo. Nossas despedidas deveriam ser igualmente próximas ao mar.

– Quando abrimos nossos corações, Deus nos mostra a outra face das realidades que nos cercam. Disse Nilon.

Fiquei muito tempo pensando em quantas pessoas renascem. E elas o fazem norteadas por mãos sábias que movimentam possibilidades afim de melhor atender suas necessidades. Renascem e odeiam o lugar que os acolheu. Muitos vão para outros países, outros estados, cidades, situações e não encontram a felicidade. Não basta reencarnar. É preciso olhar em volta. Ver e sentir o que nos cerca. Conheci, há muito tempo a história de um jovem triste que chegou à espiritualidade pelas vias do suicídio. Um dia conversei com ele. Queria saber a razão da atitude que tomou de exterminar o próprio corpo físico.

– Era a dor da saudade, moça. Disse-me choroso e curvando-se de dor.

Tentei um diálogo um pouco mais explicativo e com muita dificuldade conseguiu balbuciar:

– Nasci numa terra de conforto e fui à busca do ouro. Reina também nasceu. Nasceu perto de mim. Deixei-a e depois a procurei feito louco. Sentia uma saudade profunda de um amor. Um dia retornei quase velho, à minha cidade natal. Vi Reina. Meu coração quase pulou. Ela me sorriu e disse:

– Que pena! Estou casada.

– A dor da saudade apertou muito e um dia, ao vê-la abraçada a um homem que não era eu, levando nos braços um filho que não era meu, tive um acesso de loucura e dei cabo na vida.

Aquele suicida chorava copiosamente. Depois, vendo seu roteiro, fiquei sabendo que nasceram na mesma cidade para juntos frutificarem seus sentimentos. Seriam pobres da moeda corrente e ricos no amor. Ele, porém, decidiu pelo ouro.

Não é fácil decidir quando se vai renascer e não é fácil aceitar quando se renasce. Deixo aqui o meu recado. Neste dia que me lê, já devo estar renascida. Eu e Antonino. Terei que domar meus anseios de fazer apenas o que quero e pensar seriamente nas mãos sábias e amorosas daqueles que nos colocam nos lugares certos, nos momentos certos e, principalmente com as pessoas certas. Feito isto, é só aproveitar a reencarnação e navegar nela como um comandante sério e feliz, velho e moço, cabelos grisalhos e soltos ao vento. Como quem sabe o que quer, em que porto deseja atracar e sonhar com o Dia do Senhor, criado exclusivamente para cada um de nós. É fatal nosso encontro com Ele.

Hoje, quando olhar a lua, pense nas infinitas luas que iluminam nossas estradas.



oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo



“... o processo reencarnatório não será tão somente condição de pagamento das deficiências passadas, mas, principalmente, fatores de impulsão evolutiva.”


Jorge Andréa

Visão Espírita nas Distonias Mentais, FEB, 1992 – Cap. 2

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