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No País dos Renascimentos - Capítulo 3

A Fábula Mal Contada


Reencarnar é difícil, desencarnar é questão de propósitos melhores. O ser que renasce traz consigo expectativas, sonhos e ideaís. Quase sempre saem do Mundo Espiritual certos de que serão vencedores porque tudo é programado com grande amor e sabedoria. Quantos encontros são delineados, quantos amores renascidos das cinzas do tempo, quantas propostas profissionais, e tudo o mais que compõe o assunto: renascer.

Eu e Georgina nos encontramos após séculos de separação. Ela era o grande amor que tive, perdi e reencontrei. Traçamos nossos planos: reencarnar, encontrar, casar, filhos, trabalhos, família e... Felicidade plena! Tudo parecia uma fábula e chegamos até mesmo a nos nomear como escritores e contadores dela. Georgina renasceu no mesmo instante que eu, na mesma cidade e seria muito fácil reencontrarmos.

Isso aconteceu doze anos depois. Foi numa festa de São João. Éramos crianças, é verdade, mas o coração sabe lá dessas coisas? Comprei uma guloseima e a ofertei. Recebeu com alegria e agradecimento e perguntou o meu nome. Marcos, falei. E o seu? Cristina. Era uma bela menina prenunciando uma moça de beleza ímpar. O interessante que nesses encontros nem imaginamos o que está por detrás. Fui para casa sonhando com a Cristina.

Dois anos depois eu a reencontrei noutra festa, agora de formatura. Familiares nossos estavam se formando. Cristina, quase com quinze anos, era encantadora e chamava a atenção de vários moços, melhores que eu e que já faziam Faculdade. Eu era um simples colegial. Durante a festa eis que ela surge, trazendo um pratinho de doces e salgados e me disse:

– Lembra-se da festa de São João? Agora é minha vez de retribuir.

Olhei para ela e sorri agradecido e, muito mais, estava embevecido diante aquela moça que dava atenção a um simples menino.

Mais dois anos se passaram. Estávamos agora com dezoito anos e fomos ao teatro e nos encontramos lá e nossas poltronas eram uma ao lado da outra. E nos olhamos e eu disse:

– É muita coincidência ou arranjo dos deuses criadores de fábulas?

Ela sorriu e me disse:

– Penso em você desde a primeira vez.

Fiquei paralisado. Ela se confessava para mim?

Dois anos mais tarde estávamos casados. Minha família era proprietária de negócios amplos na cidade e eu, desde cedo, tive que assumir porque um irmão havia desencarnado e meu pai pediu minha ajuda. Não podia negar. A Faculdade ficaria para depois. Cristina a cursava e nossa casa era um sonho. O primeiro filho veio a seguir e depois uma menina e tudo era muito bom. Minha encarnação transcorria de forma elegante e nobre ao lado da antiga Georgina, completamente entregue ao nosso compromisso assumido na espiritualidade.

Essa história é pequena porque pequena foi minha vida de encarnado. Um dia bateu o ciúme. Um homem que ninguém conhecia tentou se aproximar da Cristina. Fui alertado por um amigo. Cristina negava sempre, mas o fato é que sempre eram vistos juntos, principalmente quando ela saía do trabalho. Eu não entendia porque ela fazia aquilo. Nossos filhos já eram crescidos e ela tinha de tudo, principalmente o amor e a dedicação que sempre a ofertei.

Numa noite tivemos uma conversa muito séria e ela negou dizendo que jamais teve alguma coisa com o Alberto. Eram só amigos. Mas, era tudo muito estranho. Meu pai me chamou para uma conversa:

– Ela está traindo você.

– Difícil de acreditar. Cristina me ama. Sei disso.

– O amor cega as pessoas. Você não está vendo que ela o trai?

Meu pai era homem sério e eu ficava pensando em todos aqueles encontros desde os doze anos de idade, porque aconteceram e porque Cristina se desvirtuava assim na vida. Nossos filhos começaram a perceber meu afastamento dela, enquanto que ela tentava se aproximar sempre de mim e quanto mais o fazia, mais eu sentia repugnância dela. Parecia que seu corpo estava infectado de vermes e cheirava mal.

Nossa vida passou a ser um inferno. Queria me separar dela, mas tinha os filhos que me olhavam súplices pedindo para ficar.

Numa noite, totalmente entregue à bebida e lamentações, só senti quando um estampido ressoou na minha cabeça. Sim. Havia dado cabo da vida. O ser, supostamente traído, mão suportou os olhares da sociedade. Estava findo o conto daquela fábula mal contada.

Somente anos mais tarde, depois de imensas dores e arrependimentos, queixumes e pedidos de perdão pude sair daquele local infecto onde me encontrava. Achei que a morte seria a solução. Contudo, era agravou ainda mais o processo. A dor é difícil de descrever. A imprudência me fez devedor perante as Leis Divinas, num quanto que nem imagino.

Já haviam passado sessenta anos que eu me encontrava preso naquele lamaçal infecto, sendo agredido, chamado de traído, suicida, perdedor e infectado pelo vírus da mentira. Ouvia meus filhos chamando por mim. Na formatura da minha filha senti quando ela, em lágrima pensou

– Pai, onde está você? Falta você aqui, pai. Ninguém imagina a tortura que causa nos familiares quando os deixa pelo suicídio e o quanto isso tortura igualmente o suicida. Falavam-se no vale sobre mentira.

– Mentira? Qual

Fez-se um tempo e reencontrei Cristina. Nosso encontro foi de apreensão. Ela se aproximou de mim e disse:

– Sofri muito. Porque não acreditou em mim?

– Você me traia. Disse com raiva.

– Nunca traí você. Nunca faria isso. Eu sempre te amei.

– E o Augusto?

– Então não sabe? Augusto era meu meio irmão. Foi um próspero empresário no México. Foi pra lá quando eu ainda não era nascida. Era filho do meu pai com antiga companheira. Depois, papai casou-se com minha mãe e se mudaram para a cidade onde morávamos. Alberto perdeu tudo, voltou para o Brasil e me procurava pedindo ajuda. Eu sabia que você poderia ajuda-lo, mas ele sentia vergonha de pedir isso a você. Nossos encontros eram sempre na tentativa de fazê-lo conversar com seu pai e você. Quando ele já estava aceitando, você nos deixou.

– Por que não me disse isso?

– Aguardava a hora certa.

– Muitos me falavam que você me traía.

– Muitos não desejam a felicidade do outro.

– É difícil ver a esposa conversando sozinha com outro homem, sem dar uma explicação ao marido.

– Faltou confiança da sua parte. E era a coisa mais importante dentro do nosso relacionamento. Nunca duvidei de você, muito embora o visse sempre rodeado de outras mulheres.

– Eu nunca trairia você. Te amava e amo muito.

– Também eu nunca trairia você e pelo mesmo motivo.

– E agora, o que vai ser?

– Teremos que nos separar por muitos séculos. Deixei o corpo físico na qualidade de vencedora na encarnação e farei estágios em outras dimensões.

– E o nosso amor?

– Você duvidou dele. Agora ele fugiu por um tempo. Terá que busca-lo e encontra-lo e a receita é o respeito pela vida uma vez que a vida é a expressão do amor.

Christina se foi. Renasci três vezes e em todas elas com graves problemas mentais e somente agora estou começando a me refazer. Estourei o celebro e recebi na mesma moeda.

Digo que tenham cuidado com a maledicência ela infiltra sorrateira em nossas vidas para destrona-la. Depois fiquei sabendo que o pivô de tudo aquilo foi outra mulher com a qual tinha elevados débitos. Um dia nos encontraríamos eu ela seria acolhida pela minha família. Mas, não deu tempo. Meus filhos até hoje duvidam de mim. Até hoje quando me encontram o fazem com certo ar de perigo iminente. Eu os perdi também.

O suicídio é uma das mais terríveis opções. A princípio fiquei ao lado do meu corpo vendo e sentindo sua decomposição. Foi extremamente cruel. Queria sair dali e não conseguia. Parece que estava preso a ele pelas energias que ainda tinha para viver aquela encarnação. Depois, quando virou só ossos fui levado por um grupo de malfeitores para o vale dos suicidas e ali permanecei por longos anos, vendo Cristina, os filhos, meu pai, minha mãe passarem como imagens em minha mente e não podia sair dali. A saudade era uma tortura. A culpa penetrava meu ser e eu gritava e minha voz era abafada. Às vezes me via menino de doze anos encontrando Cristina na festa de São João. Às vezes me via com o revólver numa mão e o copo de bebida em outra. São companheiros cruéis que podem visitar para destronar.

Busquem os diálogos, os acertos, o respeito pela vida. Ela aguarda isso de todos nós. Viver tem que ser um ato de felicidade. Entendam isso para não caírem nas armadilhas que cai e transformei o meu conto que era maravilho nessa fábula de horrores. A vida não termina depois da morte. Ela continua e dá a cada um de acordo com suas atitudes e escolhas. Não duvidem disse. Eu que vos digo e que fui um perdedor. Reencarnamos para progredir e nunca para nos envolvermos nas redes infelizes do mal que pode nos aprisionar por um longo período e com muitas encarnações dolorosas.




oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo


“O suicida é uma alma falida que arrasta um ciclo imenso de anos de desolações e de dor, o peso tremendo das suas indignidades e das suas desventuras.”


Almerindo Martins de Castro

Martírio dos Suicidas – FEB


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