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No País dos Renascimentos - Capítulo 8

Uma História, Uma Verdade



Paulo Tucão era homem forte, de personalidade inamovível. Acostumado a mandar teve uma vida de muitas facilidades financeira, geográficas, sentimentais e até de postos políticos de relevância. Quando ele chegava todos faziam reverências. Era tido como o mais culto, o mais inteligente, o mais poderoso, o mais forte. E assim viveu uma vida intensa, longa e de muitas cobiças conquistadas. No dia do seu enterro apareceu gente de todas as partes. Teve até salva de tiros pela corporação militar. Muitas viúvas choraram sua morte. Muitos filhos sentaram para dividir a herança. Muitos adversários bendisseram aos céus sua partida para o reino dos mortos. Em resumo é isto que se pode dizer daquela vida atribulada do Paulo Tucão. O restante são os detalhes repetitivos do dedo em riste, da face contraída, do copo de bebida na mão, do cigarro, das comidas gordurosas, dos olhares ininterruptos para as desavisadas de plantão e as despedidas contínuas dos seus serviços mal concluídos. Sua mãe, tanto orava e pedia e tanto Paulo zombava e não atendia. A vida passou. Paulo retornou. Agora, a verdade bateu-lhe às portas.

Desnecessário dizer das suas penúrias pelas ruas do além. Antes do espiritismo tinha-se a falsa idéia de que os Céus abriam suas portas para os poderosos tal como a Terra havia feito. Porém, com a nova doutrina tudo mudou. Pena que mudou para poucos. A grande maioria prefere comprar indulgências nas portas dos templos de pedra. Paulo peregrinava pelos abismos à procura de si próprio. Nem sonhava em mudar sua maneira de gerir os próprios passos e sempre era visto em querelas com seus vizinhos de infortúnio. Exigia-lhes submissão, lealdade e fascínio pela sua personalidade aviltante. Muitos anos se passaram, décadas mesmo. Paulo continuava do mesmo jeito. Conseguiu uma caverna onde se tornou rei e conseguiu amantes e guardas reais. Tudo em torno girava a falsidade, ilusão e dor que os circunstantes não admitiam sofrer. Gritos, silvos, choros, ranger de dentes e batuques próprios dos infernos compunham aquele cenário absurdamente triste. Nossos irmãos bailavam e cantavam e bebiam lama como se fosse velhas preciosidades envelhecidas nos barris da miséria moral. O quadro era lamentável. Contudo, mesmo ali os espíritos superiores atuam e, de acordos a acordos, a bondosa mãe de Paulo Tucão conseguiu aproximar-se do filho perdido.

– Vamos meu filho.

– Não vou.

– Acompanha-me,

– Prefiro ficar.


Várias foram as tentativas. As pessoas que habitam os abismos não gostam de ser incomodadas pelos anjos. Pensam que a vida nos céus é monótona e cheia de regras. Preferem as zorras abissais de movimentos desarmônicos e a liberdade de expressarem-se como príncipes falidos e destronados. Vestem-se como gostam, muitas vezes transferem suas formas humanas para as formas animalescas dos lobos, dragões, serpentes e outros mais que nem constam no dicionário terrestre. Cada qual mais ameaçadora, metendo respeito pelo medo. Paulo Tucão desenhou-se numa forma animalesca que impedia a aproximação de qualquer criatura que desejasse conquistar suas mulheres ou invadir seu território. Algumas décadas mais se passaram. Enquanto na crosta a história contava as independências dos países da América, nos abismos e para seus habitantes a velha Europa jazia imperturbável, soberana e intocável. Velho jogo de soberania e ilusões.

Um dia, porém, aqueles sítios estremeceram. Fogos e sons invadiram aqueles domínios. Era chegada a hora do renascer de muitos espíritos ali encarquilhados. A Divina Providência determinava que aquelas vidas precisavam continuar, que o tempo da parasitose havia terminado para muitos deles. Os lares terrenos os receberiam como filhos e a sociedade os abrigaria em corpos bonitos, em escolas, orfanatos ou mesmo nas ruas, onde se retira o melhor fruto das infelizes sementeiras passadas. Os domínios de Paulo Tucão foram atingidos e suas mulheres resgatadas como que por encanto. Muitas delas, sereias em suas imaginações, vestiram-se de novo de mulheres e foram içadas pelos cordões luminosos que se estendiam por todo aquele local. Os guardiões de Paulo correram e subiram aproveitando os cordões e outros e mais outros não desprezaram aquela pescaria de almas e se candidataram e muitos subiam e muitos caíam para tentar de novo. Em breve tempo estavam renascidos, nos morros, nas praias, nas montanhas, nos campos, nos condomínios de luxo, nos países ricos, nos países pobres, nas ilhas, continentes e em todos os quadrantes.

Paulo Tucão permaneceu. Só iria na presença da santa mãezinha. Confiava apenas nela. Ela, contudo, fazia um curso nos altiplanos do planeta. Bem que ouvia os rumores do filho, mas não podia descer para atendê-lo como da outra vez. Apareceu então um centurião romano. Demonstrava impaciência e decisão nos movimentos.

– Vamos. Ordenou.

Há sempre aquele dia em que os valentões se rendem às misérias que cavam ao seu derredor. Paulo não teve escolha. O homem à sua frente era mais poderoso e não gostava das brincadeiras que se praticam nos abismos. À sua ordem vários soldados de roupagem reluzente aproximaram-se do pobre Tucão e o colocaram numa espécie de maca improvisada e lá foram eles subindo, subindo e subindo. Tucão começou a perceber a profundidade onde se encontrava. À medida que subia o ar melhorava e aquele homem foi se envergando, envergando até cair em sono profundo, daqueles que não dormia a muito tempo.

Cinco anos depois vamos encontrá-lo numa sala de estudos numa colônia espiritual bem próxima da crosta. Não era ainda um bom homem. Era uma pessoa em busca do seu passado, do seu futuro, perdido em meio a tantas ilusões e verdades. Tucão não era um espírito tão ignorante assim. Ao longo de suas peregrinações pela história havia adquirido muitos conhecimentos. Era velho caminhante de grandes civilizações. Sua última tentativa poderia elevá-lo ao nível consciencial daqueles que dirigem com maestria os destinos humanos, representando as hostes superiores. Preferiu, contudo, as facilidades do mando e do grito respeitado pelas pobres criaturas indefesas e inaptas ainda para decidir com acerto.

– Paulo, precisamos conversar. Seu tempo está se aproximando. Falou o diretor daquele estabelecimento. Paulo voltou a cabeça para o lado e não respondeu. Era um menino atrevido ainda.

– A reencarnação compulsória é mais complicada. Tentou de novo o diretor.

Paulo levantou-se com absurda falta de ética e foi andar pelo pátio recoberto de vegetação florida. Queria observar alguma coisa, buscar ali naquele recanto algum recanto da sua mente que idolatrasse sua atitude de ser rebelde. Chegou quando já era tarde. Tucão desprezava o pôr do sol. Noutros tempos utilizava-o para imolar suas vitimas quer com a pena, o facão ou as indecências das suas atitudes nada cavalheirescas. Pobres meninas recém saídas da infância eram compradas, usadas e jogadas fora e tudo sempre ao pôr do sol. Meninos também eram adquiridos para tornar-se eunucos a serviço das suas preferidas ou dele mesmo em seus desvarios sexuais.

– Paulo, é hora de recolher-se. De novo o diretor o acalentava com a suavidade paternal da sua presença.

O tempo ia passando. Paulo não conversava, não admitia ser orientado, não queria renascer. Um dia gritou a todo pulmão:

– Não quero renascer! Tenho medo, muito medo!

Sim, nosso protagonista tinha muitos motivos para temer uma nova vida, o principal deles era o de repetir os mesmos erros. No fundo tinha consciência deles e queria se libertar, contudo não encontrava caminhos. Não se achava suficientemente forte para vencer-se.

– Vamos delinear tudo. Você será abraçado por uma família do bem e será protegido de maiores quedas. É necessário Paulo. Não se demore. O planeta gira e terá que cumprir suas determinações futuras. Daqui a pouco o seu tempo termina.

Agora era Nelinha, enfermeira atenta que conversava com ele enquanto ministrava-lhe passes longitudinais. Paulo sussurrou alguma coisa, alegou alguma desculpa e, ao pôr do sol daquele dia, chorou copiosamente. Santo choro, santas lágrimas, diria mais tarde o diretor daquele estabelecimento. Paulo estava se rendendo às evidências. Do alto dos céus e do fundo do seu coração a paternal voz do Criador deve ter tocado sua consciência.

– Vamos conversar amanhã bem cedo. Paulo estava decidido. Era uma decisão acertada que não se via a muito tempo vinda daquele espírito.

Na manhã do dia seguinte, Paulo, o diretor e Nelinha fecharam-se numa sala daquele sanatório espiritual e começaram a tecer as malhas da futura reencarnação daquele ser envolvido consigo mesmo nas tramas da vilania que acomete a tantos. Cinco horas depois Paulo assinava sua nova proposta de vida. Estava apreensivo, porém feliz. Sua bondosa mãezinha não poderia recebê-lo de novo, porém outra mãe o teria com afeto. Existem mães no mundo que são mães de todos os filhos e não se importam se venham por elas ou se por outras mães. Seus colos são santuários da divindade onde cabeças tristes e desoladas encontram apoio, calor e carinho. A essas mães o meu abraço, as minhas lágrimas de agradecimento. Foi num desses colos que o Tucão renasceu. Não tinha pernas e nem mãos. Quase não enxergava e falava com extrema dificuldade. Tinha, porém, bem abertos os ouvidos por onde os conselhos caridosos de D. Zélia penetravam e se alinhavam no coração. Era tempo de ouvir, de aprender. De falar com dificuldade para não repetir o erro. Era tempo de parar, não andar para os tropeços que se apresentam como diamantes efêmeros. Era tempo de recolher as mãos para que elas não trouxessem para o espírito as falências das suas ações mal conduzidas. Paulo Tucão era agora menino simples e pobre, deficiente físico e muito dependente da caridade alheia. Viveu apenas dezenove anos, pois além das chagas expostas havia as internas.

Paulo Tucão é agora simples operário da colônia que o abrigou. É feliz por estar ali. É feliz por haver renascido. É feliz pelo corpo deficitário que forjou para si mesmo e que o abrigou na última encarnação. Prepara-se para voltar novamente porque o planeta gira e terá que cumprir as determinações divinas e Paulo deseja continuar nele.

Sim, amado leitor. Sou feliz por ter reconhecido meus erros, por ter aceitado a deficiência física, por ter tido D. Zélia por empréstimo. Eu sou o Paulo Tucão, seu amigo, seu irmão.







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“Reencarnação é teste severo para aprendizagem superior, assinalada por incontáveis riscos e desafios constantes, que podem pôr a perder de um para outro instante”.


Manoel P. Miranda

Trilhas da Libertação, FEB, 2005– Cap. Ensinamentos Preciosos



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