Olívia no País dos Renascimentos
O berçário estava repleto de crianças. Eram almas prestes a reencarnar. Olívia adentrou aquele ambiente com a emoção à flor da pele. Nunca imaginara viver semelhante momento. Era adepta do pragmatismo e não admitia assuntos que falassem do espírito, da transcendência, da alma, da espiritualidade. Ali, porém, a realidade era tudo. O que sentir? O que expressar? Eram essas as perguntas que se fazia internamente. Custódia, a enfermeira chefe daquela instituição, deixava que a visitante se envolvesse com o momento. Sabia que todos os temos um dia. Que, numa determinada hora, a vida nos coloca frente a frente com ela própria para que possamos ampliar nossas visões, modificar conceitos e transformar nossas posturas.
Olívia fora mãe. Sua maternidade, contudo, não ultrapassou os limites pobres da educação apenas para o mundo físico. Seus filhos se aprimoraram nas artes e na cultura do seu país para, segundo ela, tornarem-se prósperos e ricos. Mateus acabou sendo professor de literatura e Mônica arquiteta. Olívia partiu para a pátria espiritual orgulhosa dos seus filhos que já haviam dado netos a ela. Desnecessário dizer das suas dificuldades em adaptar-se à nova moradia. Foram necessários alguns anos e algumas vivências até que um dia Olívia se rendeu às evidências e admitiu estar viva no mundo dos mortos, ou melhor, dos vivos depois da morte!
Havia sido consultora de marketing e exercido suas funções em empresas de grande porte. Seus altos salários e suas intensas atividades impediram-na de uma convivência feliz com Rafael, o esposo que Deus a enviou. Com quinze anos de casada resolveu dar fim àquele compromisso, alegando incompatibilidade de gênios, quando na verdade queria libertar-se de alguém a quem deveria sempre dizer onde estava, o que ia fazer e que horas chegaria. Olívia era uma mulher prática e não se permitia embaraços familiares. O casal de filhos cresceu sob sua batuta e Mônica já se apressava em dar fim ao seu casamento seguindo os exemplos e conselhos maternos.
Custódia abria as portas daquela instituição e permitia que Olívia adentrasse os compartimentos onde se encontravam aqueles espíritos esperançosos. Todos dormiam e suas feições ternas demonstravam confiança. Em todos os dias dezenas deles eram conduzidos aos futuros lares. Olívia aproximou-se de uma menina que trazia no semblante a candura de uma alma feliz.
– Trata-se de Sanya. Disse Custódia.
– Sanya?
– Sim. Receberá na Terra o nome de Aline. Renascerá no Brasil e terá como tarefa principal a mediunidade. Será médium psicógrafa e deverá trabalhar com um grupo de espíritos pertencentes a uma colônia que fica nas regiões superiores do planeta.
– É possível saber o que ela será quando renascer? Perguntou Olívia.
– Como não? Todos temos um “plano de vôo” quando vamos descer para as regiões dos renascimentos físicos. Caso contrário seríamos como barcos “a deriva” procurando um porto dentro de ondas quebradas que podem nos encalhar em bancos de areia.
– Então, de fato renascemos?
– Sim. A reencarnação ainda é assunto polêmico por parte dos ocidentais. Ao vê-los negando tal atividade normal da evolução observamos que no fundo querem acreditar. O que os impede de tal é que gostariam de saber como foi sua outra vida, ou outras vidas. Nem todos estão preparados para isso e, para quase todos, seria um desastre saber.
– E Sanya, poderá ela um dia saber?
– Sim. Este espírito segue uma linha de conduta exemplar desde muito tempo. Tudo começou para ela a trezentos e oitenta anos atrás quando, menina moça, adotou a postura de lutar com dignidade pela própria vida quando viu seus pais serem mortos pela ação vingativa de antigos comparsas. Naquela época contava com quinze anos e rejeitou convites para uma vida de luxúria em troca da honra com a qual vinha se conduzindo. Foram anos difíceis para ela, porém Jesus não a desamparou e ao vê-la firme nos seus propósitos enviou-lhe um companheiro leal que a conduziu com amor e ternura ao altar, erguendo um lar onde pode criar seus doze filhos com harmonia e simplicidade. Ao retornar à pátria espiritual quando contava oitenta e cinco anos, deixou amigos por todos os lados e encontrou almas queridas que a aguardavam ansiosos por abraçá-la e conduzi-la aqui. Renasceu mais três vezes e foi a mesma pessoa, dignificando todas as oportunidades.
– E terá que renascer de novo?
– Sim, Olívia. Ainda temos muitos acertos a fazer no mundo. Sanya abraçará a mediunidade, uma das missões mais difíceis que se tem na Terra. Conseguiu essa oportunidade pelos anos a fio de trabalho e estudos. Sua psique foi ampliada e a paranormalidade será sua companheira desde a infância. Iniciará escrevendo pequenos contos infantis até chegar a novelas de grande porte que primarão pelas propostas elegantes de se viver com equilíbrio, dignidade e avanços espirituais notáveis. Suas novelas serão apresentadas por redes de televisão de vários países.
Olívia pediu permissão para afastar-se um pouco dali. Fazia-se necessário uma reflexão. No mundo espiritual os fatos se sucedem muito rapidamente, pois que o tempo é diferente. Se não absorver bem uma lição dificilmente se consegue uma base segura para a próxima. Saiu andando por pequeno parque repleto de flores e brisas. Assentou-se num banco de veludo e procurou rever seu passado, principalmente quando visitava uma amiga ou conhecida que acabava de receber uma criança pelas vias da maternidade.
Ela relembrava aqueles pequenos seres envoltos em panos e mantas, talcos, fraudas, chocalhos, pediatras, berços, carrinhos, bonecas... Quantas vezes os teve nos braços. Quantas vezes ao olhá-los previa futuros de glórias mundanas onde a saúde, a inteligência e a fortuna fossem seus companheiros de vida. Lembrou-se da pequena Luíza que nascera em berço de ouro, cercada de todo o conforto, mas que aos três anos de idade apresentou um quadro de leucemia vindo a falecer para o desespero dos pais e familiares próximos. Naquela oportunidade maldisse de Deus e das Suas supostas Leis que punem até seres inocentes.
Seu coração pulsou mais forte. Olívia olhou em derredor. Contava aproximados cinquenta e cinco anos e percebeu que nada sabia da vida. Que pouco conteúdo havia adquirido em suas jornadas anteriores. Lá dentro estavam seres que renasceriam. Cada qual com sua história e propostas de aprimoramentos. Cada qual com suas necessidades. Uns seriam ricos, outros pobres, outros brancos, negros, inteligentes, sãos, doentes...
– Olívia venha. Preciso mostrar-lhe uma coisa. Custódia a convidava para entrar.
Em poucos instantes estava defronte a uma realidade ímpar para nossa assustada visitadora.
– Observe bem aquela criança. Disse Custódia apontando para um menino que dormia profundamente. Veja se consegue identificar alguma coisa nas suas feições de criança.
Olívia aproximou-se e apesar de ser expert no campo das observações e principalmente de reações faciais nada conseguiu entender daquelas faces morena escura que olhava com atenção.
– Trata-se de Fausto, antigo comerciante das índias ao tempo das descobertas navais.
Sim, o rosto assemelhava-se ao daqueles homens do mar, queimados pelo sol.
– Há aproximados quinhentos anos nosso irmão vem se preparando para a nova reencarnação.
– Quinhentos anos! Perguntou Olívia com assombro.
– Sim, quinhentos anos. Quando deixou o corpo estava tão coberto de moedas de ouro que custou a desvencilhar-se delas. Depois que conseguiu teve que desvencilhar-se daqueles que mandou assassinar e depois dos maridos traídos, mais à frente dos órfãos que deixou espalhados pelos portos do mundo e ainda das mulheres sonhadoras e iludidas que o prenderam em suas tendas infernais, fazendo-o sorver gota a gota o fel que depositou naqueles corações. Fazem aproximados cem anos que uma alma amiga intercedeu por ele e foi possível a sua remoção para postos de atendimento. Esta é a etapa final, vai renascer em breve. Será muito pobre e receberá como herança do seu passado a ausência dos membros inferiores que o tornará necessitário da caridade alheia. Então começará a entender o valor da vida, do corpo físico perfeito e das oportunidades que nos são oferecidas.
– Mas ele sabe disto? Perguntou Olívia.
– Sim. Foi uma escolha pessoal. Fausto é um espírito inteligente. Não é de hoje que habita o planeta Terra o problema é que quando deveria ajudar a todos através da inteligência e da fortuna fez exatamente o contrário tornando-se sovina e sedutor.
– Pelo que estou entendendo, a reencarnação é uma oficina de conserto das almas...
– Digamos melhor, uma oficina de ajustes visando a plenificação interior.
– Por que me mandaram aqui?
– Ainda não percebeu?
– Não.
– Está sendo convidada a trabalhar conosco aqui no departamento dos renascimentos. Ajudando seres a renascerem no mundo, vamos renascendo cada dia dentro de nós mesmas.
A tarefa seria árdua. Muitos cursos, muitas horas de dedicação, muitas idas e vindas ao plano físico, pouco descanso e muito amor foi assim que a nova tarefa foi apresentada a Olívia. Nossa irmã, sempre pronta a pedir um tempo para pensar, naquele momento não hesitou.
– Aceito.
Desde aquele dia, Olívia, agora Menata, cuida de crianças que irão renascer. Suas horas e dias são inteiramente dedicados àquele trabalho. Fazem oito anos que se encontra ali acumulando experiências, ampliando o amor e entendendo a vida como de fato foi estabelecida por Deus. Irá renascer um dia? Com certeza e quando retornar será de novo criança que vai brincar e crescer e dar continuidade ao seu processo de aprendizagem e libertação para os planos superiores da vida.
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“Renascimento é, também, recuperação, refazimento, reencontro com o que ou com quem se demora aguardando a nossa presença, a nossa ação lenificadora”.
Joanna de Angelis
Lampadário Espírita, FEB, 2005 – Cap. 24
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