De Irmão para Irmão
Festas, torneios, brincadeiras, bate papo descontraído, bebidas, piadas e tudo o mais que felicita o encarnado nos domingos e feriados e até mesmo nas noitadas semanais em happy houer que festejam a liberdade de expressão. E assim muitos vão passando a vida e acham que o interessante é viver o momento. E lá se vão os olhares atravessados, as promíscuas propostas, o arranjo para as traições. Depois o carro, o motel e, tudo certo. Retorna-se para casa e vamos que vamos para o dia seguinte na santíssima paz da consciência.
– Eu trabalho ganho meu dinheiro e sou dono da minha vida!
Sim. Sim. Não se questiona isso e tampouco a vida de cada um. O grande problema é, sem dúvida, o tempo e a reencarnação. Outro dia fui visitar o Almeida. Renasceu em grande estilo, com festa de despedida e amigos mil que granjeou quando trabalhava por aqui. Todos estavam felizes, afinal nosso amigo havia acertado com os mentores um roteiro invejável de trabalhos e renúncias a favor de si próprio. Era ele categorizado professor do evangelho para crianças recém desencarnadas ou em vias da reencarnação. Certo que iria trabalhar numa casa espírita. Seus pais o receberiam com afeto. Eram importantes lideres do movimento espírita da cidade onde moravam. Da. Neuza entusiasmou-se com a possibilidade de ter um filho legítimo e já tentado por várias vezes. Era mãe adotiva de um casal de crianças que contavam dez e doze anos. Talita estava na pré-adolescência e não via a hora de ver chegar o irmãozinho. Ricardo, um pouco mais novo, já antevia as brincadeiras que faria com ele. Almeida, orgulhoso, nos mostrava na tela sua nova família e seus preparativos emocionais para recebê-lo.
Renasceu e morreu aos dezoito anos. É agora doente deficitário. O que fez no período que esteve encarnado não se deve comentar. Deixou um filho, fruto do amor com a irmã adotiva. Ela foi obrigada pelo seu tenaz desrespeito e inobservância ao fator alheio. Talita cometera leve delito e, em troca do seu silêncio, a moça teve que ceder aos seus caprichos. E não foi só isso. Graves situações embaraçosas criou para seus pais, inclusive furto no caixa da instituição que frequentava. Almeida não era exemplo para ninguém. Desencarnou embriagado no volante de uma moto quando voltava de uma balada. Seu tempo estimado de vida era de sessenta e oito anos.
Sempre acontecem fatos dessa natureza. Sempre as pessoas falham em seus compromissos. Sempre se acha que o tempo é uma criança. Sei que não é fácil reencarnar na atual situação porque passam as sociedades atuais. Aqui, na colônia que habito, todos procuramos nos ajudar, nos compreender, nos admirar. Não existem invejas, ódios, ressentimentos. O progresso de um é o de todos. E temos que conseguir nossas fichas para o vestuário, o lazer, a moradia e outros tantos diferenciados da crosta, mas importantes e necessários aqui. O trabalho também é disputado. Existem currículos, cursos, testes numa cópia quase perfeita do que acontece entre os encarnados. O que mais difere é a forma como encaramos nossas possibilidades, vitórias, conquistas ou derrotas. Todos sabem que vamos reencarnar. Uns esperam um pouco mais de tempo para os ajustes familiares necessários outros, porém, desencarnam e reencarnam com rapidez assustadora.
Quando retornei à pátria espiritual, fazem muitos anos, conheci Madalena Veiga. Era uma moça quase triste. Não fosse seus olhos belíssimos e os constantes elogios que recebia, provavelmente entraria nos abismos da depressão. Um dia ela me procurou. Estava sentado num banco da praça central. Disse-me com alegria que voltaria à vida física na condição de menina pobre e que desencarnaria em dez anos. Era o tempo suficiente para certos ajustes da sua mente. Coisas de cada um. Alegrei-me por ser seu confidente. Às vezes nos encontrávamos pelos saguões dos teatros. Ambos amamos aquela arte expressão. Mas, ficávamos no: Olá... Como vai... Você gostou do espetáculo? Morávamos em regiões diferentes e nossas atividades não eram iguais. Por isso a minha alegria em ser o primeiro a receber a notícia do seu renascimento. No dia das despedidas, convidado, compareci. Ela me chamou a um canto e me disse que sempre gostou da minha companhia e que se pudesse escolher gostaria que eu renascesse seu irmão. Vejam como é interessante conversar sobre renascimentos. Aqui este assunto é muito natural, faz parte do nosso dia a dia. Pena que para os encarnados seja ainda motivo de dúvidas, polêmicas e negações.
Passados os dez anos fui convidado a receber Madalena de volta. Alegria total. Certamente não me reconheceria, mas queria vê-la. Disseram-me que havia cumprido muito bem o seu papel e voltava com méritos. Ao seu lado no leito onde desencarnou, vi quando se desprendeu suave do corpo. Olhou-nos, sorriu e depois adormeceu. No dia seguinte compareci ao velório do seu corpo. A menina estava lá semi lúcida. Quanto tudo terminou, entramos no carro que nos levaria de volta. Achei que ela iria conosco. Perguntei ao nosso orientador.
– Não Fernando. Madalena vai embarcar noutro corpo hoje ainda!
Às vezes temos o hábito do silêncio quando as coisas diferem do comum. Foi o que fiz. É hoje uma moça de vinte e dois anos. Meu Deus, quanta diferença da Madalena Veiga, da menina Luana e agora da moça Ângela Barros. Só quem está do lado de cá da vida pode apreciar essas mudanças que as reencarnações promovem em nós. Ângela Barros permaneceu com os olhos lindos da Madalena, porém seu sorriso brotou, suas esperanças multiplicaram e é importante empresária de cosméticos apesar da pouca idade física.
Uma vez quando ainda estava reencarnado coloquei-me a pensar sobre a reencarnação. A proposta me parecia interessante e inteligente, mas como operá-la? Como determinar as coisas, ordenar as situações, colocar cada qual no lugar e no tempo certo? Claro que sempre pensamos movidos pelas nossas possibilidades. Cada um é um universo à parte e cada um possui talentos e recursos muito próprios que se alargam à medida que vive e experiência o novo. Então na minha ínfima possibilidade nesse campo de ordenar renascimentos achava tudo muito difícil, confuso e ilusório. Abandonei os estudos naquele sentido e sai feito bufão, de mãos nos bolsos, negando uma das mais extraordinárias leis da natureza e a única justificativa para a soberana justiça de Deus em se tratando dos Seus filhos.
Os encarnados, daqui a pouco e gradativamente, estarão de volta ao reino da verdade. Aqui chegando vão deparar com muitas novidades. Coisas belíssimas, interessantes, avançados estudos científicos e tecnológicos, máquinas poderosas fazendo proezas, sistemas de comunicação inimagináveis por enquanto. Onde moro todos, sem exceção, trabalham visando o próprio renascimento. Existem pessoas que se preparam décadas e décadas. Existem aqueles que não podem perder um único minuto quando renascerem. Existem aqueles que trabalharão em prol da solidificação desta idéia nas cátedras acadêmicas.
Ontem mesmo participei de um renascer na carne. Carlos é meu amigo de séculos. Chegou a vez dele. Estava muito apreensivo e apertava minhas mãos pedindo uma última vez que não o deixasse errar.
– Somos amigos, dizia-me. Se fosse no seu caso eu o ajudaria até retornar.
É assim que muitos saímos daqui, implorando assistência para não nos perdermos nos festejos infantis que o mundo não cansa de oferecer aos incautos. É hora de despertar definitivamente. É hora de nos consolidarmos como herdeiros de um universo em expansão. É hora de expandirmos nossas consciências. É hora de levantarmos do pó e vestirmos a indumentária da luz. Negar o óbvio é obstaculizar nossos avanços. Nas esferas elevadas do planeta residem aqueles que primam pelos aprendizados e cumprimentos das leis divinas. Lá não existe tempo nem espaço para perquirições desnecessárias, incabíveis para mentes que a tanto deixaram o reino da irracionalidade. Portanto, lá todos se vestem de luz e só reencarnam para iluminar caminhos e consciências. Na nossa colônia o objetivo é alcançá-los e sabemos que só será possível quando vencermos nossas dúvidas evitando no plano obscuro das discussões estéreis.
Muitos reencarnam para expiar seus passados tumultuados. Outros tantos reencarnam para provar a si próprios que já superaram as barreiras dos gozos perigosos. Não vêem aquele amigo ou amiga que, de repente, aparta da turma e vai segurar sua vida e suas propostas? Quase sempre são incompreendidos e quase se tornam objetos de escárnio. Chega o momento próprio para cada um. Aproveita-lo ainda é virtude de poucos. Existem outros renascimentos mágicos. Prodigiosamente os espíritos começam desde cedo seus labores. Assustam os de médio entendimento e eles prosseguem seguros. São almas de escol. São representações das esferas de luz. São arautos do Reino de Jesus. Que bom que é assim. Porque a sociologia, a antropologia e a psicologia ainda não os detectaram como espíritos reencarnados e antigos peregrinos no tempo? Será um virtuose uma aberração dos neurônios? Uma injustiça de Deus? Um erro genético?
É tudo tão claro, insofismável e concludente que ficamos pasmos quando um renomado doutor das academias nega a reencarnação a favor dos mistérios da natureza. Não existem mistérios na natureza, existem pontos a serem pesquisados. Deus jamais criaria uma casa de mistérios, de pegadinhas para embalar crianças. Movemos, existimos e vivemos no grande holograma divino como bem disse o apóstolo dos gentios na praça fria de Atenas. Se é assim, como negar as várias possibilidades existentes para nos fazer entender e progredir?
Claro, renascerei. Não temo as provas que vou enfrentar. Quem renasce com firmeza de propósitos jamais é surpreendido pelas vilanias mundanas. Renascerei com a força de um dragão que luta para preservar sua idoneidade espiritual. Faz muito que estou aqui, aprendendo e consolidando em mim as propostas da vida a nosso favor. Se na sua casa houver um menino, uma menina observe-o com mais atenção. Deixe que mostre a você o que são o que querem e o que precisam. Não interponha e nem sobreponha. Como disse o profeta: “Vieram por você, mas não de você e, embora vivam convosco não vos pertencem”. Acima de tudo, vieram de Deus e tem histórias que diferem da sua, residiram outras casas, noutros tempos, portanto também são almas antigas como você e apenas, por um tempo, crianças. Crianças renascidas como também você foi um dia.
Se o mundo da crosta vivesse esta realidade com certeza e serenidade, já teríamos avançado muito mais nas conquistas humanas. Não neguem o óbvio. Não coloquem a peneira sob o sol. Esta tentativa é vã. Não permita que seus preconceitos ou postulações personalistas, religiosas ou filosóficas impeçam outras pessoas de verem e sentirem a espontaneidade da vida e suas danças gigantes e formosas para nos fazer evoluir. Mas, se ainda insistir por fazê-lo, faça-o oferecendo a Deus uma proposta melhor que a reencarnação. Deus, com certeza, compassivo que é, o ouvirá.
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“O dogma da reencarnação se fundamenta na Justiça de Deus e na revelação, pois não cansamos de vos repetir: Um bom pai sempre deixa aos seus filhos uma porta aberta ao arrependimento...”
Espírito Verdade
O Livro dos Espíritos, EME, 2004 – Q.171
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