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No País dos Renascimentos - Capítulo 12


As Almas dos Renascimentos


Eu estava muito mal. Fazia muito tempo que não conversava com nenhum familiar. Eles haviam sido meus grandes sustentáculos quando ainda estava encarnado. A minha desencarnação ocorreu de forma misteriosa para todos eles. Fui encontrado morto e dentro de uma geladeira velha. Meus olhos esbugalhados mostravam aflição, desespero e inconformação. Minha face encontrava-se bastante contraída e nela se lia claramente expressões de medo. Aqueles que me encontraram não entenderam bem a situação e entre suspeitas de homicídio ou suicídio acabaram por depositar meu corpo ainda jovem na vala comum sem as choradeiras de praxe. Sim, eu havia deixado a vida física num estado deplorável e todos eles preferiram ignorar-me para sempre.

Havia a Silvia, prima e primeira namorada. Ela mostrou-se bastante assustada, porém sem forças para lutar pela preservação de uma boa imagem que, no seu coração, eu havia forjado. Depois também ela abandonou seus propósitos e deu continuidade á sua vida, o que acho normal. Entre nós não havia nenhum compromisso firmado. Encontrávamos uma ou duas vezes por semana. Meu tio era exigente com ela e ela sempre pronta a obedece-lo. Ficou guardada em mim a meiguice dos seus olhos e as mãos suaves que afagavam as minhas quando íamos ao cinema.

O tempo havia passado. Estava agora a mais de dez anos de distância do ocorrido. Apesar do socorro que tive demorei um pouco para entender o que havia acontecido. Somente depois, conversando com Mianita, coordenadora do centro de recuperação que me acolheu, pude saber toda a história. O fato é que havia sido assassinado por engano. Numa trama tristemente engendrada por mentes galvanizadas no erro, acabei por ser morto no lugar de outro jovem que havia abusado da honra de determinada moça da sociedade que me acolhera. Aqueles tempos eram o da lavagem da honra pelo sangue. Embora fosse um menino brincalhão, extrovertido e atuante nas festas e bailes, jamais havia tocado moça alguma. Respeitava-as, mesmo porque tinha irmãs que exigia fossem respeitadas.

Foi assim que retornei ao mundo espiritual. Claro que não houve engano algum no meu caso. Estava ali cumprindo a lei de causa e efeito que nos manda colher o que plantamos. Se as causas das nossas aflições não se encontram na presente vida, tenhamos certeza que suas raízes estão bem mais fundas e plantadas no passado delituoso que engendramos com nossas peripécias. O que havia acontecido no ontem foi muito semelhante ao presente. Honra abusada, morte premeditada e abandono total ao ato como se fosse possível esquecer ponto a ponto as malhas que tecemos no rol da memória. Mianita havia conversado muito tempo comigo. Nossas conversas se davam sempre às tardes, quase ao por do sol. Naqueles momentos a natureza nos oferece nuances extras para meditações. Reflexionando podemos trazer à tona velhos hábitos, velhas histórias e, quem sabe, dar-lhes um melhor seguimento promovendo suas curas ou reparos.

Participava naquele tempo de uma escola de aprendizes da vida. Sim, raros são os que retornam ao mundo espiritual com algum conhecimento do que seja a dinâmica do nascer, viver e morrer. Recebem um corpo tenro, formado nas entranhas uterinas e, depois de nascidos e crescidos, retomam às atitudes que precederam seus nascimentos e se colocam à disposição dos impulsos, quase instintivos, que nortearam suas vidas anteriores. O tempo e a sociedade com suas opções circunstanciais, encarregam de embalar suas aflições ou altruísmos. Quando jovem encarnado olhava sempre para o futuro com perspectivas melhores. Desejava ser marinheiro. O mar fascinava-me. Desejava conhecer melhor os seus mistérios. Sim, o mar é um depositário de vidas embrionárias ainda inexploradas mesmo com todas as possibilidades tecnológicas do presente. Eu sonhava e realizava. Sempre fazia assim. Só premeditava algo novo após ter realizado o que me propunha como navegante de novo na vida. Quando aquelas pessoas brutas me encurralaram na noite da minha morte, a única coisa que pensei foi no meu antigo sonho não realizado e ele era quase puro. Sonhara conseguir um meio para melhorar o transporte de água de uma mina distante para uma comunidade muito carente que dela se utilizava. Nem senti o projétil penetrando meu corpo. Apenas ouvi um estampido e minhas mãos molhadas por um liquido quente e viscoso. Despertei depois nos braços de adorável senhora que acalentou meus primeiros momentos na vida espiritual.

Na escola que frequento atualmente muitas são as pessoas que retornaram sem o mínimo conhecimento do que vem depois da morte. Porém minha escola atual não trabalha com a morte e sim com a vida. De sorte que estamos matriculados num curso para a reencarnação. Esta palavra assusta a muitos. Os traumas trazidos depois de uma vida às vezes atribulada, deixam-nos assustados e temerosos quando nos falam que temos que retornar. Então os velhos filósofos com suas filosofias puramente pessoais entram em cena reivindicando o direito da subida a planos superiores e não a descida a planos que de novo podem nos machucar. O pior açoite da reencarnação é a ignorância sobre este assunto. Como seria bom se desde as escolas fundamentais este tema pudesse ser discutido de forma madura sem os preconceitos religiosos que embotam nossas condições de espíritos imortais. Não acontece assim e somos criados dentro de uma perspectiva de morte, já que se morre um pouco a cada dia, conforme nos dita a filosofia superada e amada pelos pregadores de determinadas religiões. Se soubéssemos desde cedo que o “vivo” é um ser reencarnado, portador de histórias e patrimônios, a condução da vida poderia ser bem diferente e novas opções certamente surgiriam que não fossem as drogas alucinógenas, as brigas familiares, o sexo desenfreado que entorpece e infelicita, o apego demasiado aos bens materiais, o respeito conjugal e, principalmente, o cultivo de cada momento de reencarnado tornando-o próspero a cada futuro.

Ao invés disto os espíritos chegam ao mundo sem a manjedoura cristã, sem as escolas superiores do espírito e sem as perspectivas da vida ultra planeta num eterno buscar e navegar pelas vias estelares que nos aguardam com suas luzes retumbantes. Na escola que frequento muitos se comprometem a modificar o quadro atual. Temos casos de pessoas que renascerão para exercer a política, as cátedras acadêmicas, os púlpitos religiosos, a medicina da alma, a ciência formal. Também temos entre nós futuros fundadores de clubes que irão acolher e abonar idéias espiritualizadas daqueles que, cansados das quimeras, irão se encontrar, formando egrégoras da libertação do pensamento vigente, para um pensar refletido e refinado pelas linhas ascensionais da evolução em estado desperto. Sim, todos prometem. Faz pouco mais de oito anos, Sereno renasceu prometendo cumes de renovação e já dá mostras que o velho de barbas vagueante do passado, começa a assumir o comando da sua vida. Com certeza vai falhar e seu laboratório de pesquisas continuará na infinita afirmação de que o efeito é a própria causa. E que ninguém tente contraria-lo. Certamente os impropérios virão. E Sereno é apenas um menino de oito anos ainda! Já mostramos desde cedo nossas tendências. Já mostramos desde cedo se vamos ousar ou repetir.

Fiquei sabendo que chegou a minha vez. Lembram-se da minha prima? Aquela que foi minha namoradinha na juventude? Pois bem, ela se casou teve filhos serei agora seu neto. Acho que Silvinha é o único familiar que ainda pensa em mim com carinho. Por isso vão me colocar no seu colo para receber de novo os afagos das suas mãos suaves e o olhar terno do seu acalanto. Ao derredor de tudo isto terei a grande oportunidade de pesquisar a vida marinha. Serei biólogo e minha tarefa não se limitará a apenas catalogar novas descobertas e ver meu nome estampado nos compêndios acadêmicos e, sim, fazer parte daqueles que redescobrem a vida a cada dia para enaltecer a presença do seu Criador. Fizemos uma excursão a um plano muito diferente daqui. Lá as coisas são vistas de formas mais completas. Ninguém duvida da essência primeira de tudo, ninguém questiona a origem da vida, ninguém se abstém de perlustrar os caminhos sensatos da consciência desperta. Naquela oportunidade pude ver como a evolução se faz nos seus primórdios. É tudo muito fantástico e real. Nossas mentes, acostumadas com inserções da ilusão, ali param seus constantes eflúvios de pensamentos para aprender, com calma e harmonia, a nova proposta do aprendizado. Fiquei lá algum tempo. Muitas espécies não são transportadas para a Terra, muitas que aqui encontramos tiveram lá sua fase embrionária. Ninguém imagina como é a interação de minerais, vegetais e animais entre os mundos. Esses elos perdidos que deixam sem paz os pesquisadores, são todos encontrados nesse vai e vem de causas, informações e vidas. Pude ali colher importantes lições que farão parte do meu rol de trabalhos a serem desenvolvidos na minha vida futura.

Assim se prepara o renascimento quando o mesmo aponta para sucessões de buscas que consolidam nossa escalada evolutiva. Ninguém está abandonado, ninguém renasce sem uma justa causa, sem um roteiro, uma proposta consciente de acordo com suas possibilidades e necessidades. Durante o período que fiquei me preparando observei detidamente as “almas dos renascimentos”. Sim, essas essências constitutivas da nova jornada nos são entregues com o apoio de dezenas de mentores e amigos. Quando nos identificam como um possível trabalhador no avanço do conhecimento humano dão-nos todas as condições de preparo para que nos tornemos porta-vozes da espiritualidade entre os homens.

Renascer não é somente emitir o primeiro choro, o primeiro sorriso, o primeiro aperto de mão, a primeira traquinagem. É iniciar a consolidação de mais uma tentativa. Casas, pais, bairros, cidades... Tudo é minuciosamente escolhido. Cada qual oferecerá seu contributo. Cada qual será uma peça importantíssima na engrenagem que inicia seu movimento. Uns ficam mais tempos, outros passam. Tudo é cronometrado. A escola, a profissão e depois o trabalho. Quantos se avolumam e extrapolam todas as expectativas. Porém, quantos se perdem no início mesmo da jornada. Quantas depressões. Quantos caos. Quantas ilusões. Quantos narcisismos que embelezam para afogar nas águas salobras incautos apreciadores da auto beleza. Quantos retornam antes da hora. Quantos conseguem mais tempo para dar um passo além.

Os homicídios cometidos e sofridos ficarão no esquecimento. Tudo que não contribui para o crescimento e aprimoramento da consciência é lançado fora. Tudo que é vivido com respeito e justaposto à proposta das leis divinas é anexado, engrandecendo o ser. Nascer é oportunizar ambas as situações e não apenas um correr moleque e despretensioso pelas praias, pelas ruas, pelos bosques ou pelas planícies. Passear nos shoppings, nas alamedas, nos parques temáticos e, só depois, muito depois pensar-se na vida.

Pais observem seus filhos. Suas dimensões e seus limites. Todos os possuímos em determinada grandeza. Vejam o que lhes oferece. Vejam o que impõem. Vejam o que dizem com seus silêncios de submissão. Não se sobreponham a eles. Vocês possuem suas vidas, eles possuem a deles. Cada ser, cada proposta. Cada ser, cada universo, único, singular e historicamente próprio. Sejam suas casas abrigos seguros. Nem prisões, nem solturas impróprias. Nem imposições despropositadas, nem liberdades sem responsabilidades. E, acima de tudo, o bom exemplo, pois este é o que arrasta. Se o custo financeiro apertar, lembrem-se que alguém, um dia, passou pela mesma situação quando renasceu. Estabeleçam definitivamente um pacto com o nascido e suas propostas. Ajude-o sem impor suas vontades. Cada qual traz sua esteira de realizações. Quantos pais retornam vencidos e arrependidos do que fizeram com essas jóias que são os filhos. Não os façam marionetes dos seus gozos pessoais ou de qualquer novidade que os destrone de suas honras. São almas em evolução, em desfile pelas linhas do mundo em busca da auto identificação. São almas antigas para novos avanços rumo à sua espiritualidade e não para os charcos das animalidades vencidas.

No meu projeto de percurso consta a faculdade de biologia oceanográfica. Imaginem se meus futuros pais optarem por minha formação acadêmica na área da administração de empresas. Quantos profissionais de hoje largam tudo e voltam ao início, retomando seus verdadeiros caminhos? O bom é não se interpor nas necessidades alheias. Escutar o filho, observar o filho e dar-lhe condições de conquistar seus ideais é tornar-se também um mentor espiritual da sua encarnação. É entrelaçar-se aos amigos espirituais do mais alto e, juntos, ajudarem o espírito sob suas tutelas a crescer pelo trabalho.

A luz amarela já acendeu. A porta da reencarnação começa a se abrir. Terei que passar por ela em breve tempo. Estou com medo? Não. Apenas apreensivo. Se você for o meu avô, minha avó, meu pai, mãe, irmão, irmã ou tios e primos, por favor, acolham-me não como um bibelô que pode enfeitar suas vidas e sim como um ser, cheio de saudades, de amor, de necessidades de acertos e de sonhos na aprendizagem. Um ser assim mesmo como você que presentemente renasceu primeiro. Cartilhas como esta deveria fazer parte da mala de roupas do recém nascido quando se vai à maternidade para recebê-lo. Abraça-me e me tenha como um adulto temporariamente na forma infantil onde se pode imprimir as melhores chamas das virtudes cristãs, pois nada se faz neste mundo sem Jesus.


oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo


“Os teus mortos viverão. Os meus, a quem tiraram a vida, ressuscitarão. Despertai e cantai louvores, vós os que habitais no pó, porque o orvalho que cai sobre vós é orvalho de luz, e arruinareis a terra e o reino dos gigantes.”


Isaías – XXVI:19

O Evangelho Segundo o Espiritismo, LAKE, 2002 – Cap. IV – Item 12

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