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No País dos Renascimentos - Capítulo 17

Vou Renascer




Estávamos às vésperas do renascimento do irmão Justino, antigo colaborador do nosso centro de pesquisas e profundo conhecedor das enfermidades causadas pelas problemáticas de comportamentos escusos relacionados ao sexo. Seria ele importante intérprete do mundo maior nas conceituações acadêmicas acerca do assunto. Preparara-se muito, durante longas décadas. Também fora ele intrépido atuante nos comportamentos que levam a doenças crônicas que só o tempo pode solucionar. O tempo e os esforços pessoais, notadamente no campo da abstinência. Estávamos todos ansiosos para a festa de despedida do prezado irmão. Deveria ele permanecer durante cinco anos nas imediações da crosta e, posteriormente, adquiriria um corpo físico, ficando nele por cerca de oito décadas. Todos queriam abraçá-lo, estimula-lo e conforta-lo na difícil jornada que ora assumia. Deveria renascer em lar pobre e em meio a promiscuidades, dele saindo para os estudos e posterior trabalho de recuperação dos próprios familiares e amigos de infância. O tempo que passaria nas zonas umbralinas serviria para melhor avaliar o quadro atual e aclimatar-se nele, uma vez que por longo período viveu em áreas de estudos, distanciado daqueles locais tenebrosos e tristes.

A hora do adeus havia chegado. Postos num salão de festas ricamente decorado por afamado design da espiritualidade, acotovelávamos antes da fila tradicional para os cumprimentos individuais e pessoais. Um coro de jovens em franco progresso espiritual fazia-se presente e um declamador de estirpe deveria fazer ecoar os versos dos poetas da luz que sempre nos beneficiam com suas melodias faladas. À hora aprazada, Justino entrou no salão e foi aplaudido por todos. Suave harpa entoou a “Ave Maria” que inspirou Schubert. Justino chorava copiosamente. Sim, ali estavam seus amigos, seus mentores, antigos familiares de jornadas antigas pelos vales e cumes do mundo. Sonia, antiga e exemplar esposa, fazia-se presente. Ela que habitava a região dos anjos, desceu das alturas e veio ter com ele para abraçá-lo fraternalmente naquela hora severa que preludiava sua mais complicada tarefa. Por suas pesquisas, estudos e explanação da matéria, sempre com autoridade, não deixavam dúvidas de que em oitenta e cinco anos, estaria de volta, coroado de êxitos.

Emocionado, Justino subiu na tribuna e agradeceu entre lágrimas aquelas manifestações de fraternidade.

– Quem dera encontrasse algo assim no mundo para o qual estou rumando. Lá as pessoas dificilmente entoam melodias sinceras em torno daquele que deseja realizar o bem. O que vemos são as manifestações da inveja e do ciúme, quando não da maledicência que arrasta o caminhante para os reinos dos abismos de si mesmo, impondo-lhe a tristeza e o desânimo.

Justino falava com autoridade. Suas palavras eram eloquentes. Sua postura digna de um Cícero que o império romano consagrou:

– Vamos conversar com os homens comuns sobre a intensidade das energias sexuais. Energias essas tão desconhecidas e mal utilizadas por eles e que, na maioria das vezes, os arrebata para os fogos intensos e purificadores das atitudes impensadas. Vamos discorrer sobre o centro criador do espírito, longamente moldado no perispírito e no duplo etérico com repercussões no corpo físico, o corpo de superfície. Vamos analisar, dentro do possível, todos os planos da sexualidade a que o homem pode apreender e vamos concitá-los a pratica sublimada do sexo que se exerce no santuário da alma no absoluto conforto em Deus.

Em nossas faces lágrimas travessas rolavam sem pedir licença ou informar que viriam. Sim, todos nós também um dia, estivemos foragidos de Deus quando praticávamos o sexo, surdo, louco, absurdo. Justino era ali a mais perfeita representação do Mestre que fala e que nos deixa sentir suas palavras. Não sei precisar quantas pessoas estavam naquele ambiente. Em dado momento Justino aproximou-se de uma jovem de olhos ternos e tristes, tomou-a pelas mãos e a aconchegou em seu peito de luz. Era uma moça simples, quase súplice como nós, das suas palavras enternecedoras, da sua presença disputada.

– Um dia, desprezando as Leis Divinas, induzi essa menina ao cipoal das minhas armadilhas de galanteador. Ela, órfã e quase sozinha, pensou encontrar em mim o porto seguro para sua vida que apenas iniciava. Desnecessário dizer que após as venturas das primeiras horas, abandonei-a num prostíbulo infecto, entregue a vampiros do sexo que a vilipendiaram, transformado-a em espectro humano, doente e escravizada pelas energias sexuais não compensadas pelos cimos do afeto e da responsabilidade. Encontrei-a nas zonas infelizes dos abismos e, cuidadosamente, retirei-a daquele antro e cuido da sua recuperação por longo período. Será ela minha esposa na nova jornada que empreenderei. Colocarei a seus pés todas as honras que bem merece uma mulher que ama, constrói e solidifica seu lar. Teremos filhos e eles haverão de nos honrar pelo tanto de honestidade, lealdade e ternura que impregnaremos nosso lar. Vou reencontrá-la quando contar quinze anos, a mesma idade do passado. Venceremos os rumores sociais e nos uniremos perante o Juiz e a Lei. Este é o meu dever.

Àquela hora todos estávamos molhados de lágrimas. Aquela confissão pública de Justino perante a sua vítima do passado deixou-nos consternado. Quantos de nós quando vamos reencarnar omitimos dados que justificam nossos encontros na crosta. Quantos usam a capa da santidade e partem para o corpo físico achando-se isentos de culpas maiores. Lá chegando, crescem transmitindo aos pais a mensagem do anjinho que nasceu, muitas das vezes, num jogo chantagista para receberem sempre mais e mais. Quando começa a chegar a hora dos ajustes, fogem assustados para os mundos das drogas, da rebeldia e até do suicídio. Tentaram enganar e acabaram por enganar a si mesmos. Retornam em péssimas condições, humilhados, vencidos e implorando a caridade do entendimento de todos e da ajuda para suas recuperações. Muitos outros vivem precariamente reencarnados escondendo suas vicissitudes em nichos imundos que criam em suas mentes e enganam a muitos, oferecendo o que não podem dar e insistindo autoritariamente nas suas convicções mórbidas e infelizes onde se encontrarem, quer na subalternidade quer nos postos de mando.

Vivem assim, reencarnados num corpo físico novo e impregnando-o com suas velhices e vilanias, pois que, dificilmente, aceitam a corrigenda. Só reencarna em paz aquele que abre seu coração publicamente e declara-se, sendo quem for. Era o que víamos ali. Um grande Mestre. O maior ícone que conhecíamos no campo dos estudos sexuais desnudando-se e apresentando o fruto das suas inconsequências e informando os caminhos das corrigendas. Sim, até ele, tinha algo a corrigir. Meu Deus! Quantos se iludem em suas vãs superioridades!

A jovem abraçou-o ternamente. Sabia-se de antemão que aquele casal seria referência onde estivessem e já os vislumbrava no tempo futuro, moço e moça, unindo-se pelos laços matrimoniais, tão desprezados na atualidade e jurando a si mesmos o direito de viverem felizes um para o outro e ambos para os filhos. A reunião estendeu-se por três horas ao fim das quais rumamos para nossas casas, calamos nossas falas e fomos buscar nos recônditos das reminiscências onde estariam nossos elos partidos na corrente que nos transporta saudáveis pela vida.

Os anos passaram. O menino Dario crescia em paz apesar da desuniformidade social a que estava inserido. Via as meninas quase adolescentes entregarem-se aos desvarios do sexo e da bebida. Das músicas estonteantes, do fumo e das drogas que alucinam. Via meninos frequentando escolas da bandidagem com grandes mestres do assunto. Ele, contudo, permanecia firme apesar dos convites quase insistentes das moças e dos moços que o queriam como laranja, como amante por uma hora, como divulgador de infâmias através da sua fala deslumbrante. Sim, Dario era belo e ofuscava os demais com sua dignidade. Numa tarde, ao vender morangos para um senhor, conversou longamente com ele sobre a vida que levava. Já estava com doze anos e não via condições de expandir-se nos estudos. Aquele senhor havia perdido um filho de treze anos num acidente trágico e viu ali a possibilidade de justificar a ausência do filho querido ajudando aquele menino, filho do vento, pois nem sabia quem era seu pai e onde se encontrava sua mãe. Morava com uma irmã mais velha absolutamente comprometida com a polícia e traficantes.

– Leva logo, moço. É uma boca a menos para comer. Um corpo a menos para enterrar. Dá notícia se quiser. Se não quiser, precisa não.

Dr. Mendes, juiz respeitado, tratou logo de acertar a documentação do menor e instalou-o confortavelmente no quarto que fora de Agildo, seu filho. Assim, Dario cresceu e estudou. Tornou-se Psicólogo e, um dia, quando andava distraidamente pela orla, encontrou Anita. Era bela, de olhos ternos e tristes. Ao vê-lo sentiu seu peito pulsar mais forte e Dario tomou-a pelas mãos e lhe disse:

– Conheço você. Quero me casar com você!

Foi uma revolução. O jovem psicólogo de vinte e cinco anos, rico, queria se casar com uma menina quase pobre e de apenas quinze! Dr. Mendes aprovou. A avó de Anita titubeou um pouco, porém acabou por concordar. Dr. Camilo fez o casamento civil e da. Maria da Silva a prece. Foram residir em confortável apartamento numa região bucólica e bela, num condomínio fechado daquela cidade.

Numa manhã o telefone tocou. As crianças alvoroçadas correram e atenderam. Do outro lado da linha uma pessoa falando uma língua estranha procurava pelo Dr. Dario. Sim, ele era procurado por todos. Todos queriam saber como lidar com tantas enfermidades do corpo e da alma. Dario, gradativamente ia orientando e conduzindo suas conferências. Criou na comunidade em que nascera importante centro de atendimentos psicológicos. Ali, sua irmã ainda viva, seus sobrinhos, demais familiares ou não, encontravam em suas palavras diretrizes seguras para a condução de suas vidas. Se não conseguiam coloca-las em prática quando encarnados, retornavam bem melhores e logo se matriculavam em escolas da espiritualidade. Sim, aquelas pessoas da comunidade nem sempre podiam contar com muitos anos de vida física. O passado cobrava-lhes e o parceiros do ontem solicitavam ajustes.

Seus filhos eram crescidos. Anita continuava com os olhos ternos, porém não eram mais tristes. Um dia, após o casamento do segundo filho, ambos saíram para um passeio de férias em conhecida ilha dos sonhos. Ali chegando, na noite daquele dia, abraçaram-se perante o mar e Dario falou:

– Sabe querida. Nos longos anos que estou reencarnado e lidando com tantas enfermidades da alma concluí que um dia o mundo será mesmo um grande paraíso. Apenas por uma causa: depende exclusivamente do homem. Quando souberem que o ato sexual é um compromisso selado para sempre, terão mais cuidado em praticá-lo. Quanto mais parceiros, mais compromissos. Quanto mais irresponsabilidades, mais doenças. Energias sexuais não compensadas geram distúrbios dolorosos e só se compensam energias sexuais sob o teto de um lar constituído e na presença de Deus. Tudo o mais são quimeras de mentes pervertidas, doentes, obtusas ou maldosas. Ao prazer sexual deve-se aliar o prazer do ofertar o que mais digno possuímos. Encontrar afetos do passado é comum e fácil. O incomum e difícil é identificá-los e separa-los convenientemente. Promover o êxtase sexual estimulando o parceiro ou parceira é atavismo da irracionalidade, nada de novo ou espetacular. Tocar com os olhos da bondade e da compreensão, respeitando e respeitando-se é coragem para poucos. O sexo praticado sem as diretrizes da responsabilidade, pode gerar conflitos, crimes, autopunição, loucura, e perdas irremediáveis de tempo, além das enfermidades causadoras das dores físicas e morais. E este é um cardápio de difícil absorção. E me pergunto sempre: por que o homem o busca com tanta ansiedade, com tanta voracidade? É o mesmo que lidar com fios de alta tensão sem o mínimo preparo, sem a mínima segurança.

Anita ouvia com atenção as palavras do esposo amigo. Mais de quarenta anos estavam juntos naquela encarnação. Quarenta anos de aprendizado. Aquela alma lhe transmitia as lições mais importantes que jamais sonhara ouvir. Falava do sexo com conhecimento de causa. Não acusava, não maldizia, não condenava ninguém pelo uso indevido do mesmo. Anita passou as mãos sobre os cabelos grisalhos do esposo como a pedir continuação. Queria aprender. Quanto tempo mais estaria em sua companhia?

– Sabe Anita, muitos deambulam por ai como simples pares e olhos, toques e êxtases vulgares, mal conduzidos fazendo estremecer o mais frágil dos insetos que também reproduz; que também luta pela sobrevivência. E aquelas pessoas ufanam de serem os mais poderosos e livres representantes do Homo Sapiens. E se vangloriam de suas sensualidades e as disputam em torneios patrocinados por emissoras de televisão compromissadas apenas com as marcas de audiência, porque assim poderão vender muito e mais caros os seus horários e produtos. Os infelizes participantes do sexo aviltado acabam por destronar seus santuários, abrindo as torrentes da insânia, enclausurando a ética e despojando a moral. Fabricam formas monstruosas que poderão exteriorizar-se em encarnações futuras em corpos físicos doentes ou na idiotia que os farão sofrer e chorar, promovendo o arrependimento e a volta ao roteiro seguro traçado por Deus.

Ao lado daquele casal, no plano dos invisíveis, vários espíritos iluminados protegiam o ambiente e outros tantos, colaboradores do plano espiritual aprendiam enquanto aguardavam novas tarefas e uma comunidade enorme de espíritos semi loucos ouvia-lhe as palavras. Eram eles a representação de tudo que Dr. Dario acabava de dizer à sua doce esposa Anita. Os espíritos emitiam sons confusos, mas que na essência queriam dizer e maldizer do tempo perdido, das noites perdidas nos motéis, na infidelidade, na animalidade quando praticavam o sexo. Estavam ali os aventureiros da emoção distorcida, os construtores das fantasias sexuais que, quando praticavam, entorpeciam seus centros de forças perispirituais. Muitos casais que comungaram juntos o mesmo leito alheio ali se encontrava em profundo arrependimento. Muitos homens se viam entorpecidos por muitas vibrações femininas e muitas mulheres envoltas terrivelmente em vibrações masculinas, não compensadas, e que promoviam uma total inversão dos pólos a que pertenciam. Era um quadro que doía pela dor que transmitia. E os personagens, andantes, tateando algo sólido em que se sustentar. Alguns foram conduzidos para os hospícios espirituais daquela cidade e outros preferiram permanecer nas ruas em busca de mais e mais fantasias que os encarnados, com prazer, os oferecia.

Dr. Dario permaneceu por noventa e cinco anos na crosta. Muitos necessitavam da sua palavra amiga, muitos se redimiram, muitos traidores voltaram atrás e se desculparam, muitas meninas e meninos embevecidos ouviram de seus lábios as primeiras e únicas lições que os conduziram com sobriedade pela vida, vencendo vícios e perversões do passado.

Agora vou renascer. Convidei meus amigos e me desnudei perante eles. Só assim se renasce em paz. Enquanto me vou, Dr. Dario retorna. O comboio dele, porém, é outro, ruma para as esferas de luz deste planeta. Anita fica mais um pouco, pouquíssimo tempo. Vou reencontrar Madalena, também eu a infelicitei no ontem. Também serei psicólogo e ficarei encarnado apenas quarenta e nove anos, tempo máximo que meu corpo físico suportará as descargas energéticas da minha mente que se tornou sexólatra, pelos desvios do passado. Sofrerei do coração e terei séria lesão nos órgãos do aparelho reprodutor. Mas iniciarei minha redenção de séculos de desventura. Será arriscado. Velhos parceiros me aguardam. Homens ainda velhos que preferem o sabor da maçã adocicada pelas luxúrias. Homens ricos de dinheiro e pobres de espiritualidade. Contudo, homens, filhos de Deus e como eu a caminho do entendimento e da comunhão final com o Pai. O homem pouco entende sobe fluxos energéticos que circulam no perispírito, duplo etérico e corpo físico. Como se sabe energias devem ser bem canalizadas para que cumpram seus objetivos dentro de uma dinâmica adequada. Caso contrário podem comprometer os locais por onde passa. A energia sexual é uma proposta divina e deve ser tratada como tal e não com abusos e incompetências que podem causar danos de difíceis ajustes onde a dor e a enfermidade permeiam o incauto. Não tenho a pretensão de transformá-los, quem sabe toca-los com meu comportamento prometido. Dr. Dario será meu modelo. Vou renascer. Vejam o tamanho da minha responsabilidade!






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“O amor é de essência divina. Desde o mais elevado até o mais humilde, todos vós possuís, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado...”


Fénelon

O Evangelho Segundo o Espiritismo, LAKE, 2002 – Cap. XI, Item 9






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