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No País dos Renascimentos - Capítulo 18

Embalos, Esperanças e Crescimentos



Há um momento em que nos libertamos das ilusões. Tudo o que tínhamos com certo e venturoso perde a graça e passamos a ver o mundo de outra forma. Passamos a ver a vida de maneira inversa. Nem sempre conseguimos esta façanha quando ainda envolvidos com a carne e seus atributos. Há um tempo para tudo. E chega para o espírito imortal o tempo das reflexões. Acabam as brincadeiras. A hora é de olhar para dentro e para frente, buscar entender a criação e as suas leis e, segui-las.

Na minha última encarnação estava indo tudo muito bem. Havia renascido na cidade que queria e com os familiares amados. Frequentei as melhores escolas e tive todas as mordomias necessárias ou não para o meu crescimento num clima sadio. Meus pais eram festeiros de sorte que sempre havia pessoas em casa comemorando, celebrando e erguendo brindes a isto ou aquilo. Observava-os de longe. Nunca os recriminei, porém nunca abracei suas idéias tão livres de comemorações. Meu quarto era meu refúgio, cantinho abençoado que me envolvia com suas vibrações quietas e amigas. Adorava ouvir músicas clássicas e meu gatinho Nalum era um companheiro certo.

Estava com dezesseis anos quando fui convidada a participar de um concurso de Mis. Eu era uma menina muito bonita e tinha altura e corpo adequado não só para participar, mas, igualmente vencer. Foi complicado. Dificilmente o espírito humano perde a chance de exaltar o seu ego. A exaltação do ego, às vezes, é um vir a ser da centelha imortal. Também eu tinha vontade de ser vista e admirada. Meus colegas de colégio não me interessavam. Eram medíocres na minha concepção. Não acrescentariam nada em mim. Tê-los tão somente para o passeio, o lanche, o cinema ou os poemas apaixonados dos adolescentes não fazia o meu gênero. Olhava sim para os homens mais velhos, quase todos, porém, tinham seus compromissos firmados. Augusto Prado era daqueles que eu olhava com muita admiração. Tinha quase trinta anos e era empresário bem sucedido, um homem de negócios, pulso firme, olhar penetrante, uma tentação para meus sentimentos femininos. Contudo, nem me imaginava no seu universo. Era grande demais para a pequena Miriam que apenas começava a crescer. Quem sabe a Mis poderia encantar os seus olhos? Pronto. Aceitei o convite. Iria representar o clube de caça e pesca do qual minha família era sócio fundador.

Chegou o dia. Estava exuberante. Fui entregue às mãos de uma empresa que cuidava das modelos de agência famosa. Claro que fiquei absolutamente linda. Meus cabelos loiros desciam sedosamente pelos ombros seminus. Meus olhos brilhavam, a maquiagem usada tornou-me mulher de vinte e três. O vestido de gala apenas emoldurava uma deusa, descida do olimpo e pronta para enfeitiçar o coração desejado. Desfilei pela passarela como uma pluma que passa suave pela brisa da manhã. Era absoluta. De soslaio olhei para a mesa onde se encontrava o Augusto. Enderecei-lhe o olhar enigmático das tigresas que não sabem se atacam ou se recolhem à espera da vítima. Por um tempo a música parou. O mundo parou e nos olhamos fixos. Sorrisos mútuos brotaram quase cúmplices, quase súplices. Retornei ao camarim e me sentei feito menina tola que sonha tão somente pelo primeiro olhar felino recebido.

Dois meses depois estava exausta de tantas viagens e desfiles. Aquela vida não me servia. Era capa de revistas e contratos surgiam de várias agências querendo-me como modelo. Meu admirador preferido, contudo, desapareceu num avião que cruzou o atlântico e o levou para o mundo dos negócios. Retomei minha vida pacata. Nada de contratos, nada de nada que perturbasse minha felicidade interna de ser senhora do meu universo.

Um dia recebi a notícia de um acidente aéreo. Naquele vôo estava o meu sonho de primavera. Sim, ele havia morrido. Com muita tristeza fui escondida ao seu funeral. Ninguém entenderia minha presença ali. Era uma moça de dezoito anos e ele com mais de trinta. Não tínhamos ligações de amizade, não tínhamos elos que justificassem minha estada naquele local num momento de dor. Aproximei-me de sua mãe e a abracei silenciosamente. Num canto vi exuberante mulher. Não quis saber se era irmã, prima, amiga ou alguém da intimidade dos seus sentimentos de homem. A Mis estava agora absorta em lágrimas não roladas, em afetos não compensados.

Assim vivi minha vida. Sempre esperando, sempre sonhando e sempre realizando. Tornei-me profissional das artes plásticas. Tanto produzia quanto ensinava. Constantemente repensava o homem e a sociedade, redescobria caminhos percorridos por eles e fazia releituras de vários artistas e quadros famosos que inundam de sabedoria e quietude os museus do mundo. Viajei pelo mundo, naveguei pelos sete mares e tornei-me uma espécie de anfitriã da arte entronizando-a por onde passava.

Um dia daqueles o sol amanheceu diferente para mim. Seus raios convidavam-me a um passeio incrível por entre seus neutrinos que mais pareciam colar de pérolas coloridas. Embalei-me nos seus encantos e, com apenas quarenta e cinco anos, solteira, virgem, bela e feliz retornei para a pátria da verdade. Não pensem que o Augusto veio me receber. Não, eu não era a noiva por ele esperada e tampouco minha beleza virginal atraiu de novo seus olhares. Fui para uma região onde residem os artistas e os vi de novo. Sim, éramos pares. Tantos pares que me deliciei com suas presenças. Muitos me agradeciam pelas releituras e entronizações de suas obras em outros países. Muitos me olhavam com piedade. Eu era apenas uma aprendiz no meio de tantas sumidades artísticas.

O Mestre do mundo permitiu-me ficar entre eles por um bom tempo. Duas décadas de luzes para o meu espírito. Vinte anos de sonhos vividos em suas companhias. Muitos tinham o direito de ir e vir a outros planos do universo. E, quando retornavam, traziam novidades estonteantes para um simples coração humano. Deus, o que é a arte nos paramos divinos! Impossível pensar. As telas têm vida, composição, voz, movimento. As cores variam em tonalidades jamais concebidas pelas nossas mentes infantes. Um dia a Miriam, menina ainda sonhadora, foi visitada por garboso senhor que residia uma esfera superior.

– Preciso conversar com você.

– Sim. É um prazer, disse-lhe envolvida pelo seu halo de bondade.

– Vou renascer.

– Na certa o mundo físico ficará bem melhor. Disse-lhe com total sinceridade. Disse-lhe o que sentia em sua presença.

– Preciso de você. Sua voz era firme e sua fala direta, sem rodeios.

– De mim? O que posso fazer?

– Está prestes a se tornar uma artista genial. Precisa de ajuda.

Fiquei envergonhada. Os céus sabem dos nossos futuros momentos. Momentos que nem imaginamos.

– Você se esforça. Você é livre.

Sim eu me esforçava e me sentia livre. Andava pelos prados da minha colônia sem as peias que nos impedem olhar para frente e para dentro de nós mesmos.

– O mundo vai mudar, e muito!

Lembrei-me da história contada e recontada do dia do Juízo Final. Lembrei de Michelangelo e da cúpula da Capela Sistina, tantas vezes visita por mim.

– Você é trigo.

– Por caridade, explique-se melhor.

– Você adquiriu o status vibratório daqueles que permanecerão no planeta para fazer dele o Reino integral de Jesus.

Abaixei os olhos, o rosto, e fiz uma concha com as mãos. As lágrimas rolariam abundantes e eu as queria recolher e cristaliza-las, tornando-as escultura sublime do momento mais extraordinário que poderia sonhar em viver. Meu interlocutor permitiu que eu chorasse que me desabasse em torrentes de gratidão a mim, a Deus, a Jesus e a todos que me conduziram até ali. Foram instantes de silêncio. Os neutrinos retornaram e esvoaçaram em meu derredor e acariciaram minhas faces de mis, mulher, irmã, peregrina. Meu coração se abriu qual portal que sorri e permite a passagem dos arautos que jazem guardados nos grandes palácios imortais das nossas criações do belo oscilante em nuances divinas. E tudo se complicou ainda mais. Aquela expressão do amor e da bondade tomou minhas mãos levemente.

– Fui seu mentor na sua última encarnação. Amei como você amou. Respeitei como você respeitou sua vida. Viajei com você por todos os lugares por onde passou. Estava a seu lado quando retornou. Coloquei-a aqui neste refúgio de arte e beleza e agora chegou sua vez de ajudar-me.

Impossível. Ele estava me pedindo para ser sua mentora? Pensei. E meu pensamento conturbou-me. Tremi, retirei minhas mãos e recolhi-me como gato assustado. Lembrei-me de Nalum quando me via vestida de mis e se recolhia na sua autocrítica de ser simples animal irracional, apenas belo porque a natureza o havia feito assim. A bondade ali expressa em um ser humano sorriu levemente como a me colocar no devido lugar.

– Já escolhi meu mentor. Acalme-se não será você.

Dei um suspiro de alívio. Nem tinha certeza se daria conta de mim. Fiquei feliz e ele disse:

– Porém...

Porém... Que palavra doce, que palavra amarga, que palavra expectante!

– Necessitarei de você para outra espécie de mentora!

O coração pulou, saltou, revirou dentro de mim. Sai correndo feito louca desvairada e peguei um pincel e pintei na tela da natureza um quadro. Era uma menina criança, loira, bela, enfeitada, à beira de um lago azul salpicado de estrelas. Um barco brando com velas amarelas jazia bem no centro e, ao derredor, anjos alados tocavam suas harpas e trombetas e, ao fundo, um risco flamejante representando Jesus inundando de harmonia a tela. Eu o fiz com os recursos da minha mente de artista. De repente ele estava ao meu lado tomou-me de novo as mãos e olhamos lá para o futuro.

– Preciso que seja minha esposa.

Suspirei profundamente. Eu que me guardei tanto. Que me tornei casta pelas circunstâncias, que amei o impossível, via agora na minha frente o possível solicitando minha parceria.

– Ser sua esposa? Como pode o grão de areia desposar uma estrela?

Ele chorou de ternura. Apertou os lábios como quem se protege da compunção do choro aberto, soluçante que expõe a emoção no mais alto grau. Suspirou com sabedoria protegendo o coração, olhou-me com paternal desenvoltura e me disse:

– Veja.

De repente o meu lago tomou vida e me vi dentro daquele barco. Na proa tinha um homem. Era ele. Eu era simples andarilha presa das torpes ilusões. Oportunista e contraria ao pudor. Era sua esposa. Eu sentia. Ele me transportava para outro lugar, outra cidade onde não sabiam das minhas desventuras. Fazia-o para me proteger.

– Já fomos marido e mulher, disse-me como que buscando lembranças guardadas.

Tentei esboçar alguma palavra. Eu me via tão baixa, cabisbaixa, num profundo desamor a mim própria. Vi hematomas pelo corpo. Não sei se no corpo físico ou perispiritual. Vi que era alguém desnorteada.

– O passado se foi. Vale o presente. Veja o presente:

Algo aconteceu. Senti-me flutuar e fui ter naquele barco. Era senhora distinta mis e livre.

– Viu? O tempo passou. O grão de areia cresceu e agora é sublime flor que encanta.

Retornei ao meu lugar ao seu lado. Agora nos olhamos de frente. Ele me abraçou. Sim, era o abraço do esposo, do príncipe que desperta a bela adormecida.

– Nada é perdido. Pode demorar mais os frutos nos buscam.

Abracei-o com ternura. Assinava ali o nosso pacto de união. Sim, ele crescera muito e mais rápido que eu. Esperou-me com cuidado, velou meu sono, afagou meus sentimentos, fez-me casta para ele. Ninguém sabe o que está escondido nas belas histórias das fadas que embalam nossas infâncias. Ah se pudessem ver agora, o momento que vivi ao lado daquele que sempre me amou e me aguardou em serenidade. Certamente diriam que suas mentes criadoras de fantasias acabavam de criar mais uma. Eu digo, contudo: cresçam! Ninguém pode imaginar o que vem depois dos crescimentos.

Ele já renasceu. Que lindo menino é. Parece um anjo de cabelos encaracolados. E eu? Eu vou me encontrar com ele. Imaginam o que é renascer para viver ao lado de quem se ama?

Podem me perguntar pelo Augusto Prado. Às vezes é assim mesmo, encontramos alguém que embalam nossas esperanças, fazem-se delas e depois nos deixam embalados e prontos para nossos verdadeiros reencontros.




oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo



“Oh! Terra – mãe devotada,

A ti, nosso eterno preito

De gratidão, de respeito

Na vida espiritual!

Que o Pai de Graça Infinita

Te santifique a grandeza

E abençoe a natureza

Do teu seio maternal!


Irmã Zenóbia

Obreiros da Vida Eterna, FEB, 2001 – Cap. XX






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